Querido entre a militância da luta antimanicomial no Rio Grande do Sul, Roque Junior já tem mais de 60 livros lançados. Dois deles estão concorrendo em prêmios literários neste ano: A Militância na luta antimanicomial e na “bipolaridade”, no Prêmio Jabuti, e Terapia Ocupacional Literária (TOL), “bipolaridade” e luta antimanicomial, no Prêmio AGES Livro do Ano, da Associação Gaúcha de Escritores.
Seus livros abordam variados temas de sua vivência, com destaque para episódios e encontros de defesa do SUS, da luta antimanicomial e dos direitos humanos. Trazem também momentos e temas mais pessoais, entre eles o tema da bipolaridade, que já o levou a ser internado oito vezes.
“Estudo muito a possibilidade de pessoas não necessitarem ser internados de nenhuma forma, caso precise mesmo de alguns dias de hospital, que seja em hospital geral ou, onde tem, CAPS 24 horas”, afirma Roque. Ele se considera um “bipoliterário, problematizando sua condição também como um estímulo à sua literatura.
Para ele, é importante escrever sobre o tema da saúde mental, “pois muitas vidas ainda não têm possibilidades de escrever, pintar, desenhar, ir à quitanda comprar suas frutas, não são cidadãos de fato. Por outro lado, muitas pessoas que poderiam fazer com que essas pessoas saíssem desta forma desumana de convívio devem saber de muitos dos textos que publico”.
“Esperançando”, Roque entende que a luta por um mundo sem hospícios “no atual momento político tem muitos retrocessos”. Mas identifica também um fortalecimento da resistência e afirma: “Tanto que temos que melhorar, tantos detalhes, paramos no tempo. Basta! Temos que avançar!”
Ao divulgar seu site, www.RoqueJR.com.br, que traz 25 obras gratuitas, em PDF, além das primeiras páginas de outros livros, recorda que a situação está difícil para a maioria das pessoas, agradece pessoas e empresas que o apoiam e faz um pedido: “Se puder e quiser, apoia, realiza colaboração cultural, contribuição consciente com o valor que puderes para que eu possa publicar, editar e escrever mais livros neste projeto, impactando outras pessoas e transformando mais vidas através das obras literárias. PIX para depósito: (54)999606565. Mais detalhes pelo WhatsApp”.
Nesta entrevista ao Brasil de Fato RS, Roque falou sobre os livros que concorrem aos prêmios, de sua militância, das paixões por fotografia e por compartilhar conhecimentos, inspirado em Paulo Freire.
Brasil de Fato RS - Como nasceu o livro A Militância na luta antimanicomial e na “bipolaridade” e o que os leitores vão encontrar?
Roque Junior - No meu livro A Militância na luta antimanicomial e na “bipolaridade” documento vivências e impressões sobre minha trajetória, trazendo outras pessoas para compor a obra. Como em outros de meus registros literários, procuro compartilhar o espaço apresentando, em especial, usuários e usuárias com seus textos, poesias, relatos de vida.
Esta obra nasce no cotidiano, vendo tantos acontecimentos ligados à luta antimanicomial, como a proposta, baseada na democracia grega, em ágoras, no Mental Tchê. Lá, em especial usuários, usuárias e familiares têm a possibilidade de utilizar o “microfone aberto” para fazerem suas considerações em qualquer tempo do evento, que já teve edições com mais de duas mil pessoas, sendo que a grande maioria são usuários e usuárias ligados ao serviço substitutivo do Rio Grande do Sul e de outros locais.
Destaco explicações sobre a realização e a projeção em ser um evento estadual, no calendário oficial do RS, do evento Nós, Louc@s. Este é organizado pelo FGSM Núcleo Serra, o CRP RS Serra e com apoio da Comissão de Saúde Mental do Conselho Municipal de Saúde de Caxias do Sul, do Selo do Orgulho Louco de Alegrete e da RENILA (Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial).
BdFRS - Este livro concorre ao Prêmio Jabuti, na categoria Biografia, Documentário e Reportagem. Como é estar entre os finalistas deste prêmio tão concorrido?
Roque - Estar participando em um prêmio tão concorrido me deixa muito ansioso em receber os resultados no próximo mês. Há critérios de classificação, me considero ousado em ter me inscrito, pagando de meu próprio bolso valor elevado para participar. Almejo ficar pelo menos entre os cinco finalistas de minha categoria, o que já projetará meu livro nacionalmente de várias formas. Entre elas, um encarte com as cinco obras finalistas em cada categoria que terá circulação entre as bibliotecas, livrarias e outras disponibilidades, como em muitas promoções realizadas por livrarias em geral com essas obras finalistas.
Lembro que venho “estudando” com muito carinho a possibilidade de minha participação no Prêmio Jabuti, desde 2016. Ano passado acompanhei as etapas de finalistas e o final que, como nesta 63ª edição, será realizada de forma virtual a divulgação do finalista em cada categoria. Vou divulgar nas próximas semanas o link do evento final, de forma on-line.
BdFRS - Por que você considera importante escrever sobre o tema da saúde mental, do SUS e dos direitos humanos?
Roque - Porque muitas vidas ainda não têm possibilidades de escrever, pintar, desenhar, ir à quitanda comprar suas frutas, não são cidadãos de fato. Por outro lado, muitas pessoas que poderiam fazer com que essas pessoas saíssem desta forma desumana de convívio devem saber de muitos dos textos que publico.
Desta forma, através de conhecimentos da luta antimanicomial, podem trocar seus conceitos e vir a auxiliar à sociedade. E também a essas vidas colocadas à margem em manicômios, em hospícios e Comunidades Terapêuticas (CTs), que muitas pessoas da luta antimanicomial as classificam como “atuais manicômios”.
Essas CTs acabam recebendo muita verba pública que está deixando de ser repassada aos serviços substitutivos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Residenciais Terapêuticos e o SUS como um todo. Aqui quero abrir parênteses para gestões municipais e estaduais: a verba repassada às CTs são muito maiores e auxiliam diretamente bem menos pessoas do que se fossem encaminhadas à RAPS, que tem um cuidado mais humanizado e procura eliminar a possibilidade manicomial de cuidado para um cuidado em liberdade.
BdFRS - O que te levou a militar na luta antimanicomial?
Roque - Sou “bipolar” e fui internado em oito oportunidades, totalizando 387 dias. Estudo muito a possibilidade de pessoas não necessitarem ser internados de nenhuma forma, caso precise mesmo de alguns dias de hospital, que seja em hospital geral ou, onde tem, CAPS 24 horas. Cada vez mais temos serviços e pessoal preparado para um tratamento sem necessidade de ser amarrado, sem necessidade de eletrochoque, ou medicações dopantes, de forma a respeitar os Diretos Humanos.
Por muitas décadas estive no Movimento Estudantil, o que me deu grande base para “migrar” para a luta antimanicomial, somada ao conhecimento que tive no interior dos hospícios, foi uma “virada” um tanto natural. O que agradeço muito a tantos e tantas companheiras/os que têm me ajudado e forjado minha atuação e militância no tema.
BdFRS - Em seus livros, você usa o termo “bipoliterário”. O que ele significa?
Roque - Significa que, ao raciocinar a respeito de como ampliar o tema sobre o qual já escrevi/falei em vários outros momentos, quando utilizei tantos “problemas” da “bipolaridade” para canalizar minhas pesquisas, leituras e escritas, crio, neste momento, o “bipoliterário”. É uma pessoa que possui o “problema” com a “bipolaridade” e consegue aproveitar a situação para dar voz à sua literatura, criado em dezembro de 2020.
Em outros momentos falo que a “bipolaridade” me ajuda, que sem ela eu não conseguiria ter publicado meus 60 livros, ou ter participado de mais de 70 lives sobre o tema.
BdFRS - Você também está entre os finalistas do Prêmio Livro do Ano AGES (Associação Gaúcha de Escritores), com o livro Terapia Ocupacional Literária (TOL), “bipolaridade” e Luta Antimanicomial. Sobre o que trata este livro?
Roque - Esta expressão do título, TOL, tive um insight, durante a palestra com mais de 160 ouvintes na Universidade de Passo Fundo (UPF). Eram universitários de Psicologia, a coordenadora regional da Secretaria Estadual da Saúde da época, 2016, a coordenadora do curso de Psicologia e eu sendo o único palestrante por mais de quatro horas em evento universitário. Acredito que, tanto o TOL, quanto sua extensão não existiam anteriormente.
Muitos outros momentos da luta antimanicomial relato nesta obra, como o cuidado que tenho para me manter “estável” com a “bipolaridade”, entre eles ingerir muita água, tomar a medicação no momento certo, dormir mais que a média das pessoas em geral e vários outros cuidados.
Cito, como em muitas outras obras, meu “expediente literário”, procuro não escrever entre 23h e 6h, até por questão de minha Saúde Mental, em raras oportunidades faço “hora extra”. Cito as CTs também nesta obra, com base no Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas, publicado em 2018 pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), em conjunto com outros setores dos Direitos Humanos, que está disponível, gratuitamente na internet.
BdFRS - Você tem participado de feiras, de lives e teve uma participação em um evento da ONU. Conta pra nós um pouco das tuas andanças.
Roque - Participei de 14 feiras de livros, de mais de 70 lives, em mais de 10 mediei a fala, tive duas participações em eventos da ONU Brasil, nos dias 25 de janeiro e 26 de março de 2021. Em 2019 estive nas ruas de Alegrete (RS), na 9ª Parada Gaúcha do Orgulho Louco. Em 2014 e 2015 estive no 10º e 11º Mental Tchê, em São Lourenço do Sul (RS), lançando minha primeira e segunda obras ligadas à luta antimanicomial e “bipolaridade”. Em 2015 estive em Brasília (DF), na XV Conferência Nacional de Saúde,
Participo de muitas falas em aulas, principalmente de Psicologia, já foram nove universidades, inclusive a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), e em cursos de pós-graduação. Poderia aqui citar muitos outros locais, muitas obras e formas virtuais, mas convido a ler meus livros. Inclusive são 25 e-livros gratuitos, sem nenhuma contrapartida, em www.RoqueJR.com.br. Neste site, na aba Clube de Autores, podes ler também de graça, a média das 20 primeiras páginas.
BdFRS - Além de escritor, você também é fotógrafo, passou por jornais do estado, fotografa eventos, pessoas, faz fotos artísticas. O que é se expressar artisticamente para você?
Roque - Além de meus 60 livros lançados, também sou fotógrafo. Se expressar artisticamente para mim é poder ter liberdade, ser meu próprio chefe, poder ter a liberdade de expressar a minha criação sem ter a ideia castrada, sem ser censurado por usar uma expressão, ou por ter registrado isso ou aquilo.
Em meu perfil do olhares.com, que mantenho desde setembro de 2006, com quase 4,6 mil imagens, mostro muito do que o site fala, ter um olhar diferenciado, poder captar no cotidiano a resposta que quer ter na vida, para poder mudar o mundo. Pois mudar o mundo não é utopia, ilusão, entendo que estou conseguindo mudar o mundo ao meu redor a cada dia, seja pela minha literatura, seja pelas minhas falas ou seja pelas minhas fotografias.
BdFRS - Você tem uma trajetória junto ao Fórum Gaúcho de Saúde Mental e à RENILA. Foram anos de lutas e conquistas. Como você vê hoje esta luta no atual momento político de retrocessos?
Roque - São anos de lutas e conquistas. Esta luta no atual momento político tem muitos retrocessos, mas também um fortalecimento da nossa resistência para evitar muitos desses retrocessos. Quero citar aqui a mineira Laura, ela é bem convincente ao falar que temos que procurar avançar, não apenas evitar esses retrocessos. Concordo com a posição dela, precisamos voltar às melhoras, tanto que temos que melhorar, tantos detalhes, paramos no tempo. Basta! Temos que avançar!
BdFRS - Você se considera um apaixonado por ensinar o que aprende e fala em “esperançar”, termo do Paulo Freire. De que forma vamos construir um outro mundo possível?
Roque - Me considero um apaixonado por ensinar o que aprendo e falo muito em “esperançar”, termo do Paulo Freire. Precisamos cada um, cada uma, fazer aquele trabalho formiguinha, de beija flor, todo dia. Já senti muitas vezes que algumas palavras em alguma das salas de aula que fui comoveu, fez universitárias encher os olhos de lágrimas, alegando nunca ter ouvido esse “lado da história”. Não podemos aceitar turmas inteiras de tantos cursos só ouvirem falar de luta antimanicomial após muitos anos de trabalho. Precisamos fortalecer as disciplinas e formar novas pessoas já com a luta antimanicomial ainda no interior das universidades.
Não entendo como cabível trabalhador/a do CAPS enviar a CTs um usuário, no primeiro momento que entra no serviço, sem esse/a trabalhador/a ter entendido o que acontece no interior dessas CTs. Não é cabível esses/as trabalhadores/as não terem um entendimento de cuidado em liberdade e ter os manicômios sociais circulando no serviço.
Por outro lado, temos que quebrar o paradigma de que quem fará Psicologia clínica não precisa saber sobre luta antimanicomial, não é cabível esta visão. Então por não pretender trabalhar com o SUS, não precisa ter o mínimo entendimento como funciona o RAPS?
BdFRS - Algum recado final para quem nos lê?
Roque - A situação está difícil à grande maioria das pessoas. Mas com muita alegria compartilho 25 obras gratuitas, em PDF no www.RoqueJR.com.br e, na aba Clube de Autores do site, dos 16 livros, na média 20 primeiras páginas grátis. Terás muita leitura grátis.
Se puder e quiser, apoia, realiza colaboração cultural, contribuição consciente com o valor que puderes para que eu possa publicar, editar e escrever mais livros neste projeto, impactando outras pessoas e transformando mais vidas através das obras literárias.
PIX para depósito: (54)999606565. Mais detalhes pelo WhatsApp. Aproveito também para agradecer todas as pessoas e empresas que auxiliam financeiramente, bem como todas e todos leitores(as).
:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato RS no seu Whatsapp ::
SEJA UM AMIGO DO BRASIL DE FATO RS
Você já percebeu que o Brasil de Fato RS disponibiliza todas as notícias gratuitamente? Não cobramos nenhum tipo de assinatura de nossos leitores, pois compreendemos que a democratização dos meios de comunicação é fundamental para uma sociedade mais justa.
Precisamos do seu apoio para seguir adiante com o debate de ideias, clique aqui e contribua.
Edição: Katia Marko