Mulheres vítimas de violência encontram um verdadeiro calvário ao adentrar nas esferas da Justiça
No Brasil, 500 mulheres apanham a cada 60 minutos. Acontece que a violência doméstica na maior parte do mundo é legalizada.
Quando passamos a ter nossos direitos humanos violados e ainda ter a legitimidade sobre essas violações? Não nos é oculto o rol de leis e artigos de proteção existentes no mundo todo e nada disso tem impedido que sejamos o quinto país em feminicídio, segundo em tráfico internacional de mulheres e crianças e ainda, um dos piores lugares para se nascer mulher.
Nossas campanhas de empoderamento e fortalecimento das mulheres para que possam sair de situações de violência têm sido interrompidas por um grande entrave chamado Judiciário.
Quem deveria atuar com imparcialidade joga anos de uma cultura patriarcal e machista em cada um dos seus atos e decisões. Mulheres vítimas de violência encontram um verdadeiro calvário ao adentrar nas esferas da Justiça, ao buscar reparação, ao buscar por seus direitos humanos e de proteção.
Deixamos de ser humanas com o patriarcado. E muitas mulheres acreditam ser esse o mundo ideal, que este seria um bom preço a pagar pelas “bençãos” da família. Pois não esqueçamos da influência da igreja em todo esse processo. A saber: família/famulus/servente nada mais é do que as posses do patriarca, sejam escravos, bois, mulheres e filhos, sendo esses últimos de menor valor.
O patriarcado nos trouxe, entre outras coisas e opressões, o casamento monogâmico (só para as mulheres), a coisificação das mulheres e a “normalidade” da prostituição.
O patrão de tudo toma as decisões e gere as escolhas de seus servos. Com apoio da igreja, torna a família algo sagrado e as mulheres não só responsáveis por essa santidade como por toda desgraça que acontecesse a essa família. Nada mais óbvio que àquelas que tivessem “todas” as suas necessidades providas no mínimo se prestassem a procriação e afazeres domésticos.
Apesar de toda essa fala parecer desencontrada, ela é essência para responder o questionamento desse texto, e a resposta é: O Judiciário nasceu para defender a propriedade privada e não os direitos humanos. Não é à toa que leis de proteção se dissipam no ar ao cruzarmos as barreiras judiciais. Quando uma mulher é presa por furtar um alimento ínfimo, é a propriedade que está sendo protegida. No mais alto escalão, esses Deuses regem sobre as nossas vidas e de seus protegidos e apoiadores.
Quando uma mulher denuncia uma violência ela não está indo contra seu violador, mas contra um verdadeiro ser humano com todos os seus direitos protegidos por um Estado misógino e patriarcal. Quando ela faz isso está indo contra um sistema que não sobreviveria se a maioria das mulheres não estivesse submetida a ele.
O sistema capitalista precisa de mulheres em casa para serem as estruturas que encaminham os homens para o mercado de trabalho explorador, sendo esses também explorados, mas com vantagens. De derramar toda a frustração em seus possuídos. O capitalismo precisa de mulheres sem estudo, sem políticas públicas, sem saúde, sem proteção, para gerarem cada vez mais mão-de-obra barata, que fará com que seus filhos venham a trabalhar por salários cada vez menores, com menos direitos, com educação precária que só prepara para a servidão.
No Judiciário, apesar da jurisprudência dizer valorizar a palavra da vítima como prova, nem imagens, nem testemunhas são suficientes para a condenação de um agressor, e esse modus operandi é proposital. Isso desestimula que mulheres procurem seus direitos, apenas 10% o fazem e menos de 1% de agressores são condenados. A própria Lei Maria da Penha não funciona fora do papel, papel este que é dado como única proteção de uma mulher agredida ou violada. Como ousa essa mulher recorrer à casa dos senhores para reclamar de algo que ela deveria se submeter.
Deve ter feito algo!
E a situação das mulheres piora muito quando essa é mãe. Com a invasão das pseudociências nos poderes Legislativo e Judiciário, como a ideologia da alienação parental ou implantação de falsas memórias, teóricos saíram de tudo quanto é moita, sem nenhum conhecimento científico e refinaram o conceito de Histeria, que aprisionou e matou muitas mulheres por anos. Com o crescente nos movimentos de mulheres, essa estratégia caiu por terra e então, os “controladores” resolveram atacar onde mais dói, nos filhos. Isso não sou eu quem diz. Pesquisas mostram que quase 80% das mulheres vítimas de feminicídio são mães, sendo que 49% têm filhos em comum com seu assassino.
Quem mata essas mulheres não são somente seus ex-companheiros, mas todo esse sistema e cultura que manda a mulher perdoar, orar, constelar. Que manda a mulher agredida repensar e voltar para seu agressor – veja a atuação das defensorias públicas, que coagem mulheres em audiências para aceitarem o contato com seu agressor, pois um mal companheiro pode ser um bom pai. E isso da boca dos(as) mesmos(as) juízes(as) que fazem discursos emocionados nas datas significativas às mulheres. Quantas mortes suas canetas já autorizaram?
E o que falar da atuação do Ministério Público, cuja missão é defender os interesses da sociedade e garantir os direitos dos cidadãos e das cidadãs. Que tem valorado a palavra de homens agressores, sugestionando teorias fantasiosas em detrimento da palavra de mulheres e crianças?
Precisamos buscar a efetivação das nossas leis e entender que a justiça que procuramos ainda não está no Judiciário.
* Alessandra Pereira de Andrade - Coordenadora do Coletivo de Proteção à Infância Voz Materna, Gestora Pública, especialização em Direitos Humanos com Ênfase em Gênero, Raça e Diversidades, Pós-Graduanda em Direitos Humanos e Políticas Públicas para Crianças e Adolescentes.
* Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko