Vivemos uma safra de notícias ruins e, talvez por isso, uma boa notícia receba menos atenção do que deveria. É um processo silencioso em curso nas bordas da sociedade. Acontece longe dos olhos da mídia no entorno das grandes cidades.
Nasceu em 2020 quando a pandemia se alastrou pelo país. Ao mesmo tempo, esparramou-se com ela uma resposta às populações abandonadas pelo poder público e encurraladas pelo vírus e pela fome. São as cozinhas solidárias.
Como contamos nesta edição, são elas que matam a fome daquelas famílias mais desprotegidas diante do desemprego, da desassistência e do desprezo do governo federal e da maioria dos governadores e prefeitos. Nelas, a iniciativa parte dos pobres em favor dos mais pobres.
Boa parte dos alimentos são doados pelos assentados da reforma agrária e os agricultores familiares. Aos mutirões não se misturam os banqueiros, ruralistas ou grandes empresários. São sempre os pequenos ajudando os pequenos: movimentos, sindicatos, centrais, associações, igrejas.
As cozinhas, porém, não servem apenas comida. Gera-se nelas também outro alimento preparado não pelo fogo, mas pelo calor humano. Se os movimentos reencontram ao redor dos fogões as velhas raízes do trabalho de base e do compromisso social, aquelas pessoas que acorrem à cozinha do bairro por um prato de comida encontram, com frequência, algo mais do que esperavam.
Quem vive este cotidiano descreve as cozinhas como um espaço de acolhida e respeito. Nelas aparecem, às vezes, pessoas deprimidas, envergonhadas da sua condição e que necessitam, além do alimento, de um gesto ou palavra. Afora o feijão e do arroz, recebem orientação, informações, uma roupa.
Algumas retornam no dia seguinte. Não vêm só em busca de outro prato, mas para se juntarem à tarefa de cozinhar. Vêm carregadas de esperança. É mais uma evidência de que o caminho para o Brasil cumprir seu destino de país decente passa obrigatoriamente pela periferia.
Edição: Ayrton Centeno