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Coluna

Ciro Gomes: um candidato em busca de um lugar

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"Ciro Gomes é a expressão das oligarquias agrícolas regionais que perderam espaço econômico para a grande empresa agrícola capitalista" - Marcelo Camargo / Fotos Públicas
A fração social que Ciro Gomes tenta representar é declinante, econômica e politicamente

Ciro Gomes é, com certeza, o personagem político que mais intriga a quem tem acompanhado os debates que cercam as eleições presidenciais de 2022. Suas declarações têm se baseado em duas linhas. Uma delas, a insistência em dizer que possui “propostas para o Brasil”, a outra em investir contra, não a candidatura, mas a trajetória política de Lula, o favorito para vencer as eleições de 2022, segundo as pesquisas de intenção de voto.

Muito dos argumentos em defesa de Ciro invocam a condição de que, entre os pré-candidatos conhecidos, ele seria o único a ter um projeto para o Brasil. Porém, com facilidade, podemos verificar uma redução aos termos da publicidade, daquilo que se possa considerar um programa para o país.

Em uma sociedade tão desigual, profundamente dividida em classes e muito hierarquizada, um programa de governo é, essencialmente, um acordo entre frações que comporão o bloco que assumirá a direção e a hegemonia do governo. Deste ponto de vista me deparo com grande dificuldade de encontrar as propostas de Ciro Gomes que expressariam o enlace entre as frações de classe que Ciro pretenderia articular. Exatamente quais as “alianças” que Ciro quer materializar neste programa? Qual bloco de forças sociais exatamente ele quer unificar sob seu governo? São perguntas que me parecem ainda sem respostas.

Ciro é um candidato tentando reconstituir um bloco entre frações que não existem mais, ou que apenas progressivamente desimportantes. Seus vínculos sociais não são apresentados com nitidez em seu discurso. Ciro parece querer renovar no passado algum capital simbólico que, porém, se esvai a cada movimento flexuoso que faz. Sinaliza em direção à uma terceira via de contornos socialdemocratas, mas logo se desloca para a retórica lavajatista de extrema direita.

Ciro Gomes é a expressão das oligarquias agrícolas regionais que perderam espaço econômico para a grande empresa agrícola capitalista. A fração social que Ciro tenta representar é declinante, econômica e politicamente. Sua retórica entra naquele beco sem saída, muito bem descrito por Sergio Abranches como uma “terceira via pela negação”.

Nesta semana, Ciro Gomes deu mais contornos e musculatura à sua inflexão lavajatista ao afirmar que Lula fez um governo corrupto e conspirou pelo impeachment de Dilma. Como repercussão imediata, o ex-senador Cristovam Buarque, filiado ao Cidadania (ex PPS de Roberto Freire), vinculou diretamente a fala de Ciro à política bolsonarista. A declaração de Buarque expressa a percepção de lideranças do centro democrático sobre as dificuldades de Ciro Gomes em se tornar alternativa para o bloco de centro.

Ciro Gomes é, hoje, um representante sem representados. Não somente pelos índices de intenção de votos, pois considero que a interpretação das pesquisas de opinião deve ser sempre cautelosa, judiciosa. Me refiro à incapacidade dele articular um novo bloco com força para alterar o bloco no poder. À sua esquerda o espaço está ocupado por Lula, que articula um bloco entre trabalhadores e o capital internacionalizado, à sua direita Bolsonaro ocupou o espaço ao articular um bloco da lúmpen burguesia e da burguesia agrícola com os setores mais reacionários da política brasileira. Mesmo para credenciar-se ao centro, como uma “terceira via” aos dois polos principais, Ciro não parece ter suficiente relação social para desbancar o histórico vínculo do PSDB com o empresariado que capitaneia o esforço de construí-la.

Esse perfil desenvolvido por Ciro, uma espécie de simbiose ideológica de Carlos Lacerda e Fernando Collor, não se mostra suficiente para descolar do bolsonarismo e da centro direita setores suficientes, para formar uma alternativa à candidatura Lula.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko