O Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), por meio da Cooperativa de Trabalho e Habitação 20 de Novembro, recebeu oficialmente, dia 7 de outubro, a concessão de direito real de uso de um imóvel da União no centro de Porto Alegre para realização de um projeto de habitação de interesse social. O contrato de cedência do imóvel localizado na rua Salustiano foi assinado pelos representantes da Cooperativa, com o Superintendente do Patrimônio da União, Gladstone Brito da Silva. O empreendimento habitacional “Assentamento Primavera” beneficiará 23 famílias de baixa renda em uma área com uma vista privilegiada. “Vai ter Moradia Popular em frente ao pôr do sol, mais disputado da cidade”, diz Ceniriani Vargas da Silva (Ni), Coordenadora do MNLM-RS e presidente da Cooperativa de Trabalho e Habitação 20 de Novembro.
A boa notícia é uma exceção em meio a um cenário de desmonte das políticas de habitação popular no Brasil. A política de destinação de imóveis do patrimônio da União sofreu muitas mudanças nos últimos anos, especialmente a partir do governo Bolsonaro, que mudou a prioridade, assinala Ni Vargas. “Hoje, os imóveis da União estão todos eles disponíveis na internet em um leilão virtual. A prioridade agora é que eles virem receita e não mais sejam destinados para moradias de interesse social, como ocorria em anos anteriores. Tanto o Assentamento 20 de Novembro, quanto o Assentamento Primavera surgiram dessa possibilidade”, lembra a coordenadora do MNLM-RS. Foram criados grupos de trabalho no hoje extinto Conselho das Cidades, que era ligado ao Ministério das Cidades, e também nos estados para debater com as entidades habilitadas, como a Cooperativa 20 de Novembro, a execução desses projetos de habitação de interesse social, por meio do programa Minha Casa Minha Vida entidades. Tudo isso acabou.
A Cooperativa, junto com o escritório Arquitetura Humana construíram um projeto arquitetônico para desenvolver um empreendimento habitacional no terreno da rua Salustiano, no centro da capital gaúcha, que vai contemplar 23 famílias de baixa renda. Em fevereiro de 2019, a Cooperativa recebeu a minuta do contrato de concessão e desde lá estava aguardando a assinatura do contrato que só foi ocorrer agora, no dia 7 de outubro de 2021.
Os próximos passos para transformar o projeto em realidade exigirá a retomada de tudo o que estava parado desde 2019 e a readequação de uma série de processos em função de mudanças que ocorreram no governo federal. A Superintendência de Patrimônio da União (SPU), que fazia parte do Ministério de Planejamento, passou a fazer parte do Ministério da Economia, dentro da Secretaria Nacional de Desestatização. Essa mudança, observa Ni Vargas, indicou que mudaria significativamente a política de destinação dessas áreas da União.
“Nestes últimos dois anos e meio ficamos num limbo em relação à política habitacional do país. Tivemos a extinção do programa Minha Casa Minha Vida. Este ano, o presidente vetou 98% dos recursos que eram previstos no orçamento da União para moradia popular em 2021. Ficamos com poucas perspectivas. Até que ficamos um pouco surpresos quando surgiu essa possibilidade da assinatura do contrato (do Assentamento Primavera). Agora vamos revisar os projetos arquitetônicos para realizar as mudanças necessárias ao enquadramento no novo programa do governo federal, o Casa Verde Amarela. Temos um período de três anos para vencer essa etapa, que é a etapa do licenciamento e da contratação do início da obra. Será um processo difícil em função do corte de recursos, mas é uma grande vitória nossa, considerando o momento que a gente está vivendo, onde a habitação popular deixou de ser prioridade”, destaca ainda a presidente da Cooperativa 20 de Novembro.
A situação do assentamento 20 de Novembro
A Cooperativa tenta destravar também o projeto das obras do assentamento 20 de Novembro, localizado na rua Barros Cassal, também no Centro de Porto Alegre, onde vivem 40 famílias. “Estamos com a obra licenciada desde dezembro de 2018. Em janeiro de 2019 Bolsonaro assumiu e não conseguimos fazer a mudança para a fase 2 (início da obra). Segundo eles, o entrave para contratação da obra é um desacordo de taxas operacionais entre a Caixa e o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). A Caixa recebia 4.500 por unidade para operacionalizar os programas habitacionais e estava querendo receber 25 mil por unidade. Fruto da pressão e das mobilizações, a Caixa recuou e finalmente chegaram em um acordo para fixar esse valor em 6 mil. Então agora estamos no aguardo da publicação interministerial (pelo MDR e pelo Ministério da Economia) sobre as taxas operacionais para poder destravar o início das obras”, explica Ni Vargas.
A reforma do prédio é uma conquista das famílias que, após 14 anos de luta por moradia e dois despejos, assumiram o compromisso de dar um uso social para o imóvel da União, que não cumpria sua função social há mais de 50 anos, por meio de sua transformação em 40 unidades habitacionais. O projeto prevê a construção de 40 apartamentos para famílias de baixa renda, com sustentabilidade ambiental e econômica, com previsão de captação de energia solar, reuso da água da chuva e a separação e comercialização de resíduos recicláveis para redução de custos de condomínio. Além disso, prevê espaços para geração de renda por meio de trabalho solidário, espaço cultural, espaços de formação, cozinha comunitária, alojamento e área de recreação para as crianças.
“No Centro tem que ter moradia popular, sim”
Ni Vargas enfatiza também o significado que a concessão do imóvel para o Assentamento Primavera tem para a luta pelo direito à cidade e pela reforma urbana. “Um dos nossos principais eixos de luta é a defesa da moradia popular não é em qualquer lugar. É moradia popular no centro da cidade, na capital do Rio Grande do Sul, numa área super bem localizada, na contramão de toda política habitacional que vem sendo desenvolvida nos últimos anos, especialmente em Porto Alegre, onde a construção dos empreendimentos habitacionais ocorre em áreas distantes, como na Restinga, que foi o grande foco de política habitacional do Minha Casa Minha Vida. A gente garantir moradia popular no Centro é muito simbólico dentro do contexto que vivemos aqui na cidade. No Centro, tem que ter moradia popular, sim. O povo trabalhador também tem o direito de ter acesso à cidade e a esse pôr do sol maravilhoso e tão disputado nos finais de semana”.
Edição: Sul 21