A questão da pobreza e do desenvolvimento tem sido objeto de debate nas Organizações Internacionais (OIs) formadas no Pós-Guerra. Passando por distintas orientações, que vão desde a tese do transbordamento do crescimento econômico para resolver o problema da pobreza, até a ideia do capital humano e da focalização nos anos de vigência do paradigma político liberal. Em função deste paradigma nas últimas duas décadas, a combinação de crises financeiras, instabilidade política e agudização da pobreza têm forjado adaptações na agenda das OIs.
Nesse contexto que se insere a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). No documento, os membros reconhecem “a erradicação da pobreza” como prioritária, sendo que todas as suas formas e dimensões deveriam ser combatidas. A partir de então, a agenda tem sido orientadora das ações de combate à pobreza em um número expressivo de países, sustentado no reconhecimento da importância do retorno do papel do Estado e do planejamento para a sua implementação.
Foi justamente a combinação de um Estado ativo e forte, condutor do desenvolvimento econômico e de políticas públicas sociais, que fez a China ser o primeiro país em desenvolvimento a atingir essa meta de redução da pobreza ao concluir seu 13º Plano Quinquenal (2016-2020). Ao todo, durante as quatro últimas décadas, foram retiradas cerca de 850 milhões de pessoas da pobreza. Esse montante representou 70% da população saída desta condição no mundo nesse período, resultado contrário àqueles proporcionados pela implantação do neoliberalismo em escala global.
Sob a liderança de Xi Jinping, a agenda de redução de pobreza mobilizou lideranças e comitês partidários, bem como a burocracia em todos os níveis. Ao concretizar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da ONU, o presidente chinês sentenciou que erradicar a pobreza, melhorar a vida do povo e materializar a prosperidade comum são as exigências básicas do socialismo e uma importante missão do PCCh desde a fundação da República Popular da China (RPC) em 1949. Aliás, nada pode ser mais prioritário à promoção dos direitos humanos do que uma política de erradicação da pobreza.
Além da erradicação da pobreza, o atual governo chinês está engajado na implementação de um conjunto de políticas públicas para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, com destaque para o enfrentamento da questão ambiental. Esses desafios devem ser percebidos não apenas como parte do fortalecimento do desenvolvimento econômico e social da China, mas da sua crescente assertividade internacional.
O protagonismo de Pequim não representa a postura de uma potência revisionista - como sugeriam analistas ocidentais -, mas, ao contrário, um envolvimento crescente na governança mundial. Ou seja, desde a política de Reforma e Abertura desencadeada no final da década de 1970, a China superou o isolamento, retomou o assento no Conselho de Segurança da ONU (1971) e, entre os anos 1980 até o ingresso na OMC (2001), no contexto adverso de colapso do socialismo real, se tornou membro de praticamente todas as organizações internacionais. Agora, Pequim busca um lugar condizente com seu poder e interesses aumentados.
Assim, o engajamento internacional chinês tem se aprofundado, combinando apoio a acordos internacionais alinhados com seus objetivos e normas, como o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, mas sem aderir a agendas que considera divergentes de seus interesses. O fato é que a China se tornou uma força poderosa na governança global, tensionando o status quo inclusive, no sentido de reformar algumas organizações internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI). No entanto, ao mesmo tempo, Pequim tem trabalhado para construir espaços de atuação alternativos, como o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (Asian Infrastructure Investment Bank – AIIB), por exemplo.
Chama a atenção como a China tem ampliado o seu protagonismo para incorporar e difundir determinadas agendas internacionais. O país já é o 2º que mais contribui para o orçamento da ONU e, de longe, o que mais participa de suas operações de paz, incluindo o Fundo de Paz e Desenvolvimento China-ONU. Com a pandemia, a China ampliou seu engajamento, anunciando a vacina como “bem público mundial” e auxílio de US$ 2 bilhões para países periféricos. Os EUA sob Trump, por seu turno, priorizaram culpabilizar a China e a desacreditar a OMS, ao invés de assumir as atribuições que caberiam ao hegemon.
Em suma, é possível compreender a convergência entre China e ONU na implementação da Agenda 2030 e seus Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) como parte da conclusão desse esforço de reconstrução nacional. Mas mais do que isso: também representa como Pequim tem utilizado o cumprimento desta meta para impulsionar sua atuação na governança mundial, ao mesmo tempo em que garante visibilidade às suas realizações.
Apesar da repercussão modesta na opinião pública ocidental, tudo indica que o desempenho do país oriental no que diz respeito ao êxito no cumprimento da Agenda 2030 tende a impulsionar a sua projeção, num contexto de transição sistêmica e crise de legitimidade da liderança estadunidense.
* Isis Paris Maia é graduada em História e mestranda em Políticas Públicas pela UFRGS. Atualmente, trabalha com políticas de erradicação da pobreza e capacidades estatais na China.
* Luciana Papi é cientista social, mestre e doutora em Ciência Política pela UFRGS. Professora do PPG de Políticas Públicas e do curso de Administração Pública e Social da UFRGS.
* Diego Pautasso é doutor e mestre em Ciência Política e graduado em Geografia pela UFRGS. Atualmente é professor de Geografia do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) e professor convidado da Especialização em Relações Internacionais - Geopolítica e Defesa, da UFRGS. Autor do livro "`China e Rússia no Pós-Guerra Fria"', ed. Juruá, 2011.
** Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira