Sem alterar a correlação de forças não será possível mudar o quadro que mantém o país como um dos líderes mundiais em desigualdade. Esta é a principal conclusão dos debatedores do painel “Como superar a desigualdade no Brasil?”, realizado na noite desta terça-feira (21).
“O cerne dos nossos problemas não é a desigualdade, não é a concentração de renda. É a sociedade de classes. Nenhuma medida possível vai minorar a trágica situação que a grande maioria vive mantido o atual quadro político”, afirmou o ex-presidente do PSB e ministro da Ciência e Tecnologia do governo Lula, Roberto Amaral.
Para ele, a reforma tributária é o centro das medidas que poderiam mudar a face social e econômica do país frente aos desafios crescentes e a tensão social que deve aumentar.
E reforça: mudar o governo não significa mudar o modelo que perpetua o abismo entre uma crescente maioria miserável e os que concentram fortunas.
Retrocesso de décadas
“Em cinco anos o Brasil recuou décadas”, acentuou a economista Regina Camargos, listando o que chamou de “deformas” aprovadas no Congresso Nacional que aumentaram a precariedade da maioria da população. Ela analisa que o combate à desigualdade exige um conjunto de políticas públicas consistentes, permanentes e por longo tempo.
Apesar de alguns avanços promovidos pelos governos na primeira década deste século, as medidas aplicadas melhoraram indicadores, mas não alteraram a estrutura que mantém os 10% mais ricos concentrando a maior parte da riqueza do país.
Para a cientista política, os governos Lula e Dilma chegaram a um limite de ações e mesmo a um limite fiscal dentro da conciliação de classes feita nas suas gestões. “E sem mexer na reforma tributária e mecanismos da dívida pública não tem dinheiro para fazer mudanças estruturais”.
Regina Camargos destaca três aspectos formadores não superados no país: a desigualdade extrema e permanente, a violência e o autoritarismo. “A democracia esvaziada, mitigada e espasmódica é insuficiente para alterar essas bases”, pondera.
Exploração ou golpe
Roberto Amaral ressaltou que em 132 anos de República, foram apenas 17 anos com governos que pensaram na população, somando 13 anos dos governos de Lula e Dilma, três do governo de Getúlio Vargas em sua fase democrática e dois na gestão de João Goulart, interrompida pelo golpe militar. “Desde a Colônia, Império, República Velha, República de 30, Estado Novo, Varguismo Democrático, a experiência JK, Lula, o mando não foi alterado. Pode fazer revolução, golpe de Estado, mudar o regime. Mas a terra, a propriedade, o centro do poder é o mesmo”, acentua.
E resume: “a Casa Grande, a classe dominante permite algumas coisas menos duas: a emergência das massas ou mexer no seu condomínio, no seu poder. Se houver alguma ameaça a isso, entra o partido armado e interrompe o processo como no governo de Getúlio Vargas, culminando em suicídio, e nos governos de Lula e Dilma, interrompidos com o golpe de 2016”, detalhou.
Amaral destaca vários itens que conformam a complexidade desse momento, como a crise geral do emprego, um Congresso que aprova todas as retiradas de direitos trabalhistas, os partidos em crise, a transição da hegemonia para a Eurásia, a nova era da informática, da robótica alterando as relações produtivas entre outros fatores.
Custos da conciliação
O ex-ministro não vê saídas no horizonte próximo. “Temos lamentavelmente que pensar em médio e longo prazo”. Para Roberto Amaral, há setores empolgados em retirar o que ele chamou de “estorvo e trambolho do Planalto”. Porém, mesmo entendendo que o país não suportará mais 1,3 ano com o atual presidente e que qualquer alternativa pode ser melhor do que Jair Bolsonaro, a lógica que trouxe o país a atual condição é que deve ser removida.
“Não podemos nos contentar com um recuo tático para se livrar da criatura, um déspota, sociopata. Qual o custo de novo dessa conciliação? Precisamos de outra coalizão política. Não é a de ganhar e não levar, de ficar com migalhas. O país está num nível de sacrifício insuportável, numa crise jamais vista, no limite do seu estresse”, completou Regina Camargos.
Os painelistas apresentaram vários consensos em suas análises. Entre eles que o capitalismo não resolveu nenhum dos problemas e que não há saídas sem fazer justiça fiscal e incidir progressivamente sobre a concentração do patrimônio, grandes fortunas e altas rendas, fator que concentra o poder e distribui a miséria em proporções insuportáveis.
Esta foi a 9ª de um total de 10 aulas do ciclo de debates formativos “Desenvolvimento, novas desigualdades e Justiça Fiscal no Brasil”, compondo o 3º Bloco sobre ‘Desafios Imediatos e Estratégicos’. O painel teve a mediação de Alexandre Conceição, da direção nacional do MST.
O ciclo é organizado pelo Instituto Lula, em parceria com o Instituto Justiça Fiscal e as entidades coordenadoras da campanha “Tributar os Super-Ricos”, voltado a analisar a realidade tributária brasileira.
Os caminhos e desafios para a justiça tributária é o tema da aula de encerramento no dia 28 de setembro, com Dão Real Pereira dos Santos e Marina Marinho.
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Edição: Katia Marko