Rio Grande do Sul

MEIO AMBIENTE

Entidade denuncia governo do Rio Grande do Sul por omissão na proteção do Pampa

Secretaria do Meio Ambiente argumenta que disputa jurídica impede implementação do Programa de Regularização Ambiental

Sul 21 |
Ação questiona que a Reserva Legal de 20% exigida por lei não está sendo cumprida e nem fiscalizada no RS - Foto: Arquivo Pessoal/Valerio Pillar

O Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá) encaminhou ao Ministério Público Estadual (MPE), no final de agosto, denúncia de omissão da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutra (Sema) na proteção dos campos nativos do bioma Pampa. Na ação, o Instituto afirma que o governo estadual ainda não implementou o Programa de Regularização Ambiental (PRA), criado pela Lei Federal nº 12.651, de 2012 (conhecida como Lei de Proteção da Vegetação Nativa), com o objetivo de obrigar proprietários rurais a regularizarem passivos ambientais.

O InGá sustenta que, nove anos depois da previsão legal do PRA, nenhuma vegetação nativa do Pampa foi recuperada em Áreas de Preservação Permanente (APP) que protegem margens de nascentes, cursos d’água e encostas declivosas. Apesar de publicada em 2012, a Lei de Proteção da Vegetação Nativa só foi regulamentada no RS em 2015, por decreto. O Instituto também enfatiza que a Sema não tem exigido o cumprimento da Reserva Legal determinada na lei, a qual obriga que toda propriedade deve delimitar uma área de no mínimo 20% da propriedade com vegetação nativa preservada (campos ou matas) no bioma Pampa.

Nos casos em que a propriedade não preserva o mínimo exigido, a Lei de Proteção da Vegetação Nativa obriga sua recuperação ou compensação se não houver vegetação nativa suficiente na propriedade.

“Com essa omissão, áreas rurais que deveriam estar protegidas e cobertas com vegetação nativa continuam sendo ilegalmente usadas com lavouras, pastagens plantadas ou silvicultura de árvores exóticas. Toda a sociedade perde assim os serviços ambientais oferecidos pela biodiversidade, tais como a regulação do clima, a produção de água, a proteção do solo e a polinização”, explica o InGá.

Segundo dados do documento intitulado “A agonia do Pampa”, elaborado pela Rede Campos Sulinos, há municípios do Pampa em situação extrema de perda da vegetação nativa. Em 2018, a pior situação foi constatada em Santa Bárbara do Sul e Palmeira das Missões, com só 3% de remanescentes de campos nativos, seguidos por Cruz Alta (6%), Santa Vitória do Palmar (12%), Tupanciretã (16%), Júlio de Castilhos (17%), Jóia (18%) e Arroio Grande (25%).

Nesses municípios, segundo a denúncia do InGá com base nos dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR), 26 grandes propriedades rurais com mais 2 mil hectares não têm ou apresentam quase nenhuma área de Reserva Legal. Considerando os municípios que mais perderam campos nativos entre 2012 e 2018, como Cachoeira do Sul, São Gabriel, Dom Pedrito, Canguçu e Alegrete, os mesmos dados apontam  38 grandes propriedades rurais sem ou com quase nenhuma Reserva Legal.

“Esses fatos concretos demonstram descaso de proprietários rurais com a legislação ambiental e a omissão da SEMA/RS em cobrar a regularização à medida que não analisa os Cadastros Ambientais Rurais (CAR) e nem implementa o PRA”, afirma o instituto.

Na denúncia, o InGá solicita que o Ministério Público Estadual (MPE) atue para exigir a implementação do Programa de Regularização Ambiental (PRA) no RS e também apure a situação das propriedades rurais indicadas como exemplos das irregularidades.

Os instituto ainda solicita que a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) realize a análise geral dos Cadastros Ambientais Rurais (CAR); verifique a situação atual quanto à criação de unidades de conservação no bioma Pampa, em conjunto com o ICMBio; regulamente as regras de proteção e conservação do Pampa previstas no artigo 203 da Lei Estadual n° 15.434/2020; regulamente os critérios a serem adotados para a autorização de supressão de campo nativo no bioma Pampa nas áreas fora de Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal; e, por fim, intensifique a fiscalização da supressão ilegal de campos nativos.

“Essas ações solicitadas visam o cumprimento da legislação ambiental firmada pela sociedade brasileira, e que não passemos mais 20 anos sem a implementação de obrigações como a Reserva Legal, que ainda está longe de se tornar realidade”, afirma o InGá.

Professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador-geral do InGá, Paulo Brack diz que o RS é um dos últimos estados do País a implementar as medidas previstas em lei. Para ele, falta interesse político em implementar a legislação.

“O agronegócio no Rio Grande do Sul é muito forte e em nível nacional também. É claro que esse silenciamento sobre a Reserva Legal, o Programa de Regularização Ambiental e de qualquer política em prol do Pampa, ocorre por conta dos setores econômicos imediatistas que não querem abrir mão dos seus interesses. E o governo do Estado responde a essa lógica, por isso não vem sendo implementado, infelizmente.”

Disputa judicial

O diretor de Biodiversidade da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), Diego Melo Pereira, explica que a legislação federal, aprovada em 2012, estabelece que os Estados devem implementar seus programa de recuperação ambiental com as regras que compõem as peculiaridades territoriais. Como o bioma Pampa no Brasil só existe no RS, ele acredita que deveria ter legislação própria. De qualquer forma, a lei federal estipulou um prazo, que já se encerrou.

“Só que ela diz que os Estados que não implementaram passam a seguir as determinações da lei federal. Isso significa dizer que nós temos, sim, um Programa de Regularização Ambiental implementado. E qual é? O previsto na legislação federal. Todas as regras e disposições estão claras. Só que é importante nós termos as nossas peculiaridades territoriais”, pondera.

Pereira explica que, desde 2017, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente tem um grupo de trabalho para elaborar a minuta do programa de regularização ambiental conforme as características do Pampa, um material que, ele afirma, está praticamente pronto. O nó da situação, segundo o diretor, é a ação que corre na Justiça questionando trechos do decreto estadual de 2015.

“Temos um grupo técnico que desenvolveu a minuta do programa de regularização ambiental. E por que a gente não pode colocar ele na rua? A resposta sempre é a mesma, da análise do PRA (Programa de Regularização Ambiental). Se as questões judicias mudarem as suas determinações, a regra muda. Então como vamos colocar um programa de regularização ambiental na rua pra ser implementado, sem saber a consequência jurídica do processo? É criar regras, difundir regras, fomentar regras que não vão ser implementadas. Então temos isso consolidado, praticamente tudo pronto, são realmente as amarras judicias que estão aí envolvidas que nos impedem”, afirma

Do ponto de vista da Secretaria, o imbróglio judicial está travando não apenas a implementação do Programa de Regularização Ambiental (PRA), como também a exigência de 20% de reserva legal nas propriedades rurais.

O diretor salienta que ambos os temas fazem parte do Cadastro Ambiental Rural (CAR), cuja análise também está em discussão. “Por que estamos falando de PRA se o CAR não foi analisado? O PRA é a etapa subsequente em que o Estado analisa o imóvel, desenvolve os critérios de uso e ocupação do solo, e joga esse imóvel no programa de regularização ambiental. E daí propõe uma metodologia de restauração.”

Pereira destaca já ter feito a apresentação do PRA em reunião do Conselho Estadual do Meio Ambiente, explicando como vai funcionar o processo. “Está tudo pronto, o texto está pronto, é realmente uma questão de dar encaminhamento às questões judicias para que a gente tenha segurança jurídica. Sem segurança jurídica, o Estado não vai se movimentar. A Secretaria não está se omitindo, pelo contrário, estamos com as regras ‘semi-prontas’. Temos um texto que, se (a decisão judicial) for pra um lado ou pra outro, a gente opta por uma condição e toca essa regulamentação pra rua.”

 

Edição: Sul 21