Dória apoiou abertamente Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 e parece buscar eleitorado conservador
Em artigo publicado em seu blog, o sociólogo Sergio Abranches desenvolve uma interessante caracterização do que pode vir a ser a alternativa política que tenta descartar as alternativas à esquerda e à direita e que tem sido chamada de “terceira via”. Abranches considera que a “terceira via”, distintamente do que ocorre no Brasil, é uma derivação direta do campo político de centro-esquerda, da social democracia clássica dos países europeus.
Ele identifica três fundamentos que estão presentes na constituição clássica do que se chamou de terceira via: a adesão à democracia; agenda econômica liberal e agenda social progressista. Ele próprio reconhece que a terceira via clássica assimilou a plataforma neoliberal na economia e se aproximou da centro-direita “cedendo às pressões do mercado financeiro”. Conclui que a articulação autodenominada como terceira via brasileira não se enquadraria naquilo que classicamente foi convencionado chamar como tal. Identifica que grande parte das lideranças envolvidas no centro do esforço não está vinculada aos fundamentos da democracia e “já se mostraram identificadas com agendas conservadoras no campo social e, em alguns casos, com pautas reacionárias”; grande parte, inclusive, muito próximas ou já tendo estado próximas de Jair Bolsonaro.
Decidi fazer referência a esse artigo do professor Sergio Abranches, construtor do conceito muito utilizado tanto nas ciências sociais quanto no jornalismo do presidencialismo de coalizão, ao tomar conhecimento de que o governador de São Paulo, João Doria, registrou sua candidatura ao processo de prévias presidenciais do PSDB. Em sua intervenção durante o evento de inscrição, João Dória dá materialidade e contornos políticos à assertiva do professor Abranches. O governador de São Paulo, apesar de protagonizar fortes enfrentamentos com o governo Bolsonaro em função da gestão da pandemia, deliberadamente centra sua crítica aos governos petistas de Lula da Silva e de Dilma Rousseff, deixando de lado qualquer consideração crítica à política e à candidatura de Jair Bolsonaro.
Dória apoiou abertamente Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 e parece montar uma estratégia eleitoral centrada na cooptação do eleitorado conservador, e até mesmo reacionário, para o primeiro turno das eleições presidenciais e, principalmente, para um segundo turno, no qual a pesquisas de opinião convergem no sentido de que Lula já tem lugar garantido. Pretende se apoiar no antipetismo do eleitor de direita para demonstrar ser uma candidata mais viável para derrotar o fantasma da esquerda, do que a de Bolsonaro.
As diferentes e distintas lideranças e agrupamentos políticos que buscam se articular sob o slogan “terceira via” abertamente flertam ou são egressos dos movimentos e quadros da extrema direita brasileira. Uma interpretação generosa que tem circulado, em especial nos grande jornalões conservadores, mas também em declarações de analistas, é de tratar-se de uma estratégia eleitoral. Portanto a aproximação com o campo reacionário seria uma imposição tática do processo eleitoral.
A convergência, no entanto, dessas lideranças com o reacionarismo é algo mais sólido do que uma mera tática eleitoral, ainda que em política tática eleitoral não seja nada efêmero. Diferente da origem clássica na social democracia descrita por Abranches, o campo que se auto define como “terceira via” no Brasil tem origem na direita brasileira não democrática. A adesão ao processo que deu origem à emergência de Bolsonaro e à complacência com a desdemocratização - como compensação ao compromisso de Bolsonaro com o programa neoliberal - é uma evidência substanciosa de que o conceito democrático não é fundante desta “terceira via”. Este campo político não está no meio caminho entre esquerda e direita, mas em uma posição de variante derivada da direita brasileira.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko