O sentido do movimento político de Michel Temer foi criar um pacto político para evitar impeachment
O dia sete de setembro de 2021 durou bem mais do que 24 horas. Efetivamente a manobra política das manifestações convocadas por Bolsonaro tinha o objetivo de criar as condições para uma sucessão de medidas de concentração de poder, cujo limite não poderíamos imaginar. Caso a mobilização da base fascista tivesse sido maior, efetivamente o STF poderia ter sido colocado sob cerco.
Contudo, a mobilização não tinha condições objetivas de aglutinar mais forças. O desempenho do governo, em relação ao desemprego e à pandemia, reduziu o apoio entre a massa de trabalhadores, mas, fundamentalmente, o conjunto de medidas pouco eficazes para ampliar os ganhos, desconstituiu grande parte do apoio entre frações do empresariado, sua mais importante base de apoio.
Às vésperas do ato, uma profusão de manifestos, contra e a favor das manifestações, já expressavam o dissenso entre os capitalistas sobre Bolsonaro. Enquanto os latifundiários mantiveram o apoio inclusive operacional ao ato, a burguesia envolvida com o mercado internacional de commodities agrícolas criticou as manifestações. Tais diferenças se manifestaram entre outras frações da burguesia. O fato é que Bolsonaro entrou no dia sete sem ter sido capaz de manter o bloco no poder aglutinado em torno de si.
Certamente Bolsonaro sofreu uma forte derrota ao ver a oposição se avolumar pelo deslocamento de partidos e setores da direita neoliberal, como PSDB e PSD, ameaçando engrossarem o coro em favor do impeachment. O dia seguinte às manifestações foi marcado por um conjunto de fatos relevantes que indicaram o tamanho do estrago ao governo no empresariado brasileiro. A queda dos índices da Bolsa de Valores, a alta do dólar, a ameaça de desabastecimento em decorrência do lockout de caminhoneiros, ameaçaram erodir a base econômica que dá unidade ao bloco no poder.
Acendeu o painel de alerta naqueles que, a despeito do genocídio, da destruição ambiental e do desemprego, têm com Bolsonaro um forte acordo de favorecimento. A burguesia de conjunto, todas as suas frações, acumulou lucros intensos em função das políticas de Bolsonaro. A desconstituição das leis trabalhistas se aprofundou, a imunidade tributária dos super-ricos foi mantida, foi liberalizado o desmatamento e a apropriação de áreas indígenas com a política de “passar a boiada” e a austeridade fiscal foi aprofundada para transferir dinheiro público para o mercado financeiro.
Enfim, são muitas as possibilidades de amealhar mais da riqueza em jogo e muitos os interesses econômicos e financeiros, para permitir que a equação neoliberal/neofascista se desmanche sem que sua substituição esteja sob controle. Sem a garantia de que a sucessão de Bolsonaro se dê em bases de continuidade.
Exatamente este é o ponto, entre o desmoronamento do Bolsonaro e o crescimento da alternativa de centro-esquerda, em relação ao qual o campo neoliberal se vê espremido e exasperado. Ao menos até o passo em falso deste sete de setembro. Entre o impeachment de Bolsonaro e a possibilidade de crescimento da viabilidade da alternativa de centro-esquerda, com os riscos que isso pode representar aos interesses ou ao menos parte deles, da direita neoliberal preferiu trabalhar para manter o bloco no poder. Aproveitando-se do enfraquecimento de Bolsonaro e dos setores militares, tenta mais uma vez submetê-lo à sua direção para que suas ações e retórica não tornem o esforço de construção de uma alternativa neoliberal, a terceira via, não se inviabilize definitivamente.
Esse foi o sentido do movimento político protagonizado por Michel Temer. Estabelecer um pacto político para impedir o impeachment. Esse pacto pressupõe um recuo político dos setores neofascistas, a partir do próprio Bolsonaro, que se realinhem em torno de uma política de “direita moderada”. Sua patética carta, seu aceno ao ministro Alexandre Moraes e a desarticulação do lockout rodoviário foram o preço para que essa direita não embarcasse no impeachment. Em troca, serão mantidas as políticas austericidas, hoje comandadas de dentro do governo por Paulo Guedes, enquanto a direita neoliberal, “terceira via” no dialeto eleitoral, tenta construir melhores condições políticas para uma alternativa eleitoral à Lula.
A incongruência de classe com a alternativa de centro-esquerda faz com que, ao menos momentaneamente, a burguesia prefira manter a coroa na cabeça de Bolsonaro, a fim de manter sua bolsa cheia.
Mas um dos piores erros que se pode cometer, em um momento tão dramático, é subestimar a força da extrema direita no país e achar que o Bolsonaro, o organizador dos reacionários, tenha saído destruído deste episódio e, principalmente, considerar Bolsonaro uma carta fora do baralho. Um refém sempre pode escapar!
A crise econômica mundial concreta e os efeitos desastrosos de quase 3 anos de Bolsonaro, podem atrapalhar tal plano dos adeptos da “terceira via”. A extrema direita efetivamente tomou o lugar da centro-direita na preferência política de parte da população. Devolver este conjunto de neofascistas, neonazistas, monarquistas, libertarianos, militaristas, milicianos, esquadrões paramilitares, lúmpen burguesia e grileiros de toda a espécie ao porão da política, pode ser impossível para a direita neoliberal.
Essa direita arquitetou o golpe do impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff e a farsa da operação Lava Jato, mas perdeu o controle político sobre os resultados do governo de extrema direita que emergiu das eleições de 2018. A interpretação que MDB, PSDB e outros setores dessa direita parecem dar à conjuntura, após sete de setembro, é de uma “oportunidade” de retomar o controle político. Não será tão simples!
Os atos chamados pela direita neoliberal para este domingo dia 12 demonstraram as consequências de terem perdido a direção política e a hegemonia do campo de direita conservadora. Enredados em uma alternativa de pouco apelo político - Nem Bolsonaro Nem Lula – a direita neoliberal não tem credibilidade suficiente para garantir ao demais setores democráticos, entre eles a esquerda, de que os atos se tratavam de uma defesa da democracia e não uma reedição das jornadas golpistas que culminaram com o impeachment de Dilma. A direita neoliberal apostou em uma força nas ruas que só obteve circunstancialmente, entre 2013 e 2018, por força de sua adesão e militância ao golpismo, ao antipetismo e por derrubar os governos de centro-esquerda. Exatamente a pauta que melhor vestiu no neofascismo.
Mas esse não é o único problema para a operação de salvação da terceira via. A mais consolidada alternativa de centro-esquerda continua crescendo. Lula vai ampliando seu campo de alianças, em uma verdadeira frente ampla entre setores dos trabalhadores e também com setores da burguesia e se constituindo como o mais provável sucessor do atual governo.
O incontornável é que a política de austeridade aprofunda a pobreza e reduz a capacidade soberana do país para crescer, o que não se resolve com uma operação exclusivamente de marketing eleitoral. Impedir o impeachment em troca da unidade entre a centro direita e a direita em torno da terceira via parece insuficiente para a continuidade do processo golpista.
A crise, a pobreza, o atraso tecnológico e a desestruturação da economia do país são tamanhas, até mesmo para uma economia de mercado. É preciso estabelecer um programa que lance as bases e uma estratégia de reconstrução e aglutinar confiança em torno dele. Nisto Lula já está muito à frente da terceira via!
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko