Rio Grande do Sul

Coluna

Das ruas e nas ruas

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"Anos 2020, resistir, resistir, resistir. Luta, luta, luta. Democracia, democracia, democracia. Paulo Freire, Paulo Freire, Paulo Freire, sem descanso, sem medo" - Foto: Alass Derivas | @derivajornalismo
Não há tempo a perder. Com fé e coragem, marchar, marchar, marchar com Paulo Freire. Na rua

7 de setembro de 2021, vigésimo sétimo Grito das Excluídas e dos Excluídos, UM MUTIRÃO PELA VIDA, estávamos nas ruas de Porto Alegre, do Rio Grande do Sul e de todo Brasil. Na luta por participação popular, saúde, comida, moradia, trabalho e renda, já! E por democracia.

Anos 1960, Campanha da Legalidade e o Hino da Legalidade, que aprendi de cor ouvindo pelo rádio, eu guri, aprendendo a conhecer as coisas e entender o mundo no Seminário franciscano em Taquari: ’Protesta contra o tirano,/ se recusa à traição./ Que um povo só é bem livre,/ se for livre sua Nação’. Veio o golpe militar, que instaurou longa ditadura: repressão, prisões, assassinatos, exílio. Paulo Freire foi preso e foi para o exílio, onde e quando escreveu suas celebradas Pedagogia do Oprimido e Educação como Prática da liberdade. A geração/68 resistiu à ditadura nas ruas, lutando, contra os tiranos, por liberdade e democracia.

Anos 1970, a capital na minha vida, Vila Franciscana, Porto Alegre. Cursar Filosofia, Teologia, entrar no movimento estudantil, ser expulso da PUCRS. Em consequência, guinada de vida, morar na periferia de Porto Alegre-Viamão, na Lomba do Pinheiro. E, saindo de uma manifestação estudantil na rua João Pessoa, em frente à UFRGS, ser colocado no camburão pela Brigada Militar na Praça Argentina, e ser levado ao DOPS na Avenida Ipiranga, para ser devida e oficialmente fichado. A luta popular segue a todo vapor, com as CEBs, Comunidades Eclesiais de Base, Teologia da Libertação, Associações de Bairro, as grandes e oportunas greves em plena ditadura, as primeiras ocupações de terra. Paulo Freire, Betinho, depois de mais de década de exílio, tantas e tantos, finalmente de volta ao Brasil. E todas e todos na rua, em plena ditadura, por liberdade e democracia.

Anos 1980, ainda ditadura, as Diretas Já, luta por uma Constituinte livre e exclusiva, milhões na rua. Aos poucos, a redemocratização, mandatos populares pela primeira vez, governos democrático-populares e OP, Orçamento Participativo, primeiras eleições presidenciais diretas depois de décadas. E Paulo Freire Secretário municipal de Educação, juntando a escola formal com a educação popular. Todas e todos na rua, consolidando a democracia.

Anos 1990, Governo Paralelo, o impeachment do Presidente eleito diretamente, todas e todos na rua contra o neoliberalismo destruidor da democracia, Ação da Cidadania contra a Fome e pela Vida, primeira Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e constituição do CONSEA. Paulo Freire escreve suas últimas Cartas Pedagógicas, publicadas no seu Pedagogia da Indignação, lutando contra o neoliberalismo reinante, a favor do poder-serviço. E dizendo, pouco antes de sua morte, que ‘mudar o mundo é difícil, mas é possível’, com justa raiva e anunciando a Pedagogia da Esperança, o ESPERANÇAR: não esperar acontecer, mas fazer acontecer na luta e na rua.

Anos 2000, Fórum Social Mundial em Porto Alegre, ‘um outro mundo possível’, urgente e necessário, ampliar a democracia e a participação popular. Lula eleito Presidente, ‘sem medo de ser feliz’: Fome Zero, MESA, COPO, PRATO, SAL, TALHER, a Rede de Educação Cidadã por todo Brasil. Mais a reconstrução CONSEA, as grandes Conferências nacionais, Paulo Freire e a educação popular presentes, com a Economia Solidária, o Programa de Aquisição de Alimentos, programas de apoio à agricultura familiar e camponesa, inclusão social para os mais pobres entre os pobres, Brasil reconhecido no mundo. Reeleição de Lula, e Dilma eleita a primeira mulher presidenta do Brasil. Consolidar a democracia na rua, com políticas públicas e participação popular.

Anos 2010, ampliar a inclusão social, construção do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, PLANSAN, do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, PLANAPO, Política nacional de Participação social, Marco de Referência da Educação Popular para as Políticas públicas, Plano de formação da Economia Solidária, Política nacional de Educação popular e Saúde, de programas para as juventudes, as mulheres, a população negra, a população indígena, população em situação de rua, catadoras e catadores de material reciclável. Dilma reeleita, o golpe começa a ser construído. Para a elite brasileira historicamente conservadora, os mais pobres entre os pobres e os oprimidos, à luz de Paulo Freire, estavam indo longe demais, ocupando espaço social e político grande demais, assim como a soberania nacional e o ser Nação pela primeira vez na História. O golpe e o impeachment trazem o neoliberalismo de volta, a democracia está aos frangalhos. Paulo Freire, como nos anos 1960, torna-se de novo ‘subversivo e ignorante’. Resta organizar a Campanha Latino-americana e Caribenha em Defesa do Legado de Paulo Freire. E, como sempre, fazer, na rua, a luta por democracia, contra o governo genocida e ultraneoliberal, que acabou com todas as políticas sociais e toda participação popular. A resistência ativa está na rua, por soberania e democracia.

Anos 2020, resistir, resistir, resistir. Organizar as celebrações do centenário de Paulo Freire no Brasil, na América Latina, no Caribe, na África, no mundo inteiro: não repeti-lo, mas superar e reinventar Paulo Freire, como era seu desejo. Povo na rua, freireanamente, educação popular, Comitês Populares contra a Fome, já que o Brasil voltou ao Mapa da Fome, muita formação na ação. Luta, luta, luta. Democracia, democracia, democracia. Paulo Freire, Paulo Freire, Paulo Freire, sem descanso, sem medo, juntando a Pedagogia do Oprimido com a Pedagogia da Indignação com a Pedagogia da Esperança.

Não há tempo a perder. Com fé e coragem, marchar, marchar, marchar com Paulo Freire. Na rua.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko