Não há motivo algum para se tratar a extrema direita com desprezo, ela é um perigo real e profundo
Nesta sexta-feira, dia 3 de setembro, Jair Bolsonaro caracterizou os atos antidemocráticos como um “ultimato”. Segundo a matéria do Brasil de Fato, Bolsonaro afirmou “Não podemos admitir que uma ou duas pessoas, usando da força do poder, queiram dar outro rumo para o nosso país. Essas uma ou duas pessoas têm que entender o seu lugar. E o recado de vocês, povo brasileiro, nas ruas na próxima terça, dia 7, será um ultimato pra essas duas pessoas”.
Os sentidos da palavra ultimato, segundo o Dicionário Online da Língua Portuguesa, convergem para a ideia de ato terminal de uma negociação: exigência definitiva e irrevogável; numa guerra, o pedido encaminhado ao oponente determinando sua rendição imediata, sendo que a recusa poderá implicar numa declaração de guerra.
As declarações de Jair Bolsonaro, indubitavelmente, tendem ao mesmo ponto: ampliar a tensão política. O sentido, nitidamente, é aglutinar a base social para dar sustentação política ao seu governo, tal como sua tática continuada, desde as eleições de 2018. Desde então, aposta na mobilização direta dos setores mais reacionários e de direita do país, buscando estabelecer uma ofensiva conservadora sobre as instituições da democracia liberal. Neste momento em que o bloco no poder que sustenta seu governo faz água, mais ele aposta nesse caminho de ampliação da tensão e aglutinação das forças mais reacionárias. As divergências, notas e contra notas das diferentes frações da burguesia são evidências da erosão desta aliança.
A fragilidade desta tática, porém, se de um lado mantém aglutinados os setores mais radicalizados do médio capital e da pequena burguesia, lhe tirou grande parte da sustentação entre a burguesia internacionalizada que vê neste caminho o risco da desestabilização do ambiente propicio à continuidade das reformas neoliberais abertas com Temer. Em especial fragilizou sua relação com a principal fração desse bloco de sustentação, o grande empresariado rentista. A incapacidade de estabelecer condições estáveis para a continuidade das reformas neoliberais o tornou um governo inepto para o capital e aumentou a intensidade dos movimentos à busca da terceira via.
As questões que emergem é para quem Bolsonaro dá o ultimato e em relação a quem ele pretende estabelecer tal determinação de rendição?
Em certa medida pode-se dizer que é uma ameaça sem sustentação, um blefe. Bolsonaro não tem apoio entre quem teria força ou capacidade política para impor uma rendição efetiva à oposição. São fortes as evidências de que não teria apoio internacional para uma ruptura institucional. Talvez não tenha apoio específico para este objetivo entre a própria cúpula das Forças Armadas e do empresariado, ainda que várias lideranças destes setores contribuam para construir essas condições. Para certos dirigentes desses setores, a situação política e econômica demonstra que Bolsonaro não teria valor suficiente para tamanho sacrifício e custo.
Mas o fato desse ultimato ter forte sentido de logro não significa que deva ser desconsiderado ou negligenciado. Bolsonaro objetiva com essa retórica ultimatista organizar sua base mais extremada, constituída da burguesia do agronegócio, pequena burguesia e policiais armados, e demonstrar possuir cartas suficientes para não ser excluído da luta política e manter condições de interferir nos próximos momentos. Bolsonaro está consolidando uma base de extrema direita suficientemente forte para manter-se protagonista da política mesmo depois de uma, cada vez mais possível, derrota nas eleições de 2022.
O quadro aponta para que um eventual governo de centro-esquerda, que assuma a partir da vitória nas eleições de 22, venha a enfrentar uma objeção ativa, de caráter ideológico, contra suas políticas. Cotas, respeito aos gêneros, relações internacionais sul-sul, revalorização do trabalho, reforma agrária, desarmamento e outras políticas igualitaristas e democráticas serão enfrentadas, não mais com desfaçatez, mas sim de maneira aberta e frontal.
A extrema direita está se movimentando para, em um cenário além das eleições próximas, garantir base social maior e melhores condições políticas para tentar, então, um golpe futuro. Não há motivo algum para se tratar a extrema direita com desprezo, ela é um perigo real e profundo às conquistas civilizatórias da classe trabalhadora e dos valores democráticos. Deve ser enfrentada sem desídia, arrogância ou minimização. A história do século XX mostrou o absurdo e o despropositado do fascismo, manifestos em sua puberdade, se transformarem em tragédia quando em sua maturidade.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko