A luta entre os países para dominar as capacidades digitais e as peculiaridades da estratégia de desenvolvimento chinês foram foco das abordagens de dois professores especializados em relações internacionais no painel sobre “Geopolítica internacional: o que muda com a emergência de novos atores globais?”.
Este foi o tema da sétima aula do ciclo de debates formativos Desenvolvimento, novas desigualdades e Justiça Fiscal no Brasil, realizado nesta terça-feira (31) que teve a mediação da integrante da Secretaria Nacional do Projeto Brasil Popular, Teresa Maia.
O consenso entre os palestrantes é de que tanto os EUA como a China têm muita clareza sobre seus projetos de nação, enquanto o atual governo do Brasil opera com uma visão atrasada e atrapalhada frente aos desafios contemporâneos.
“O poder digital transmite o poder geopolítico, econômico e militar. Essas são as tendências de mudanças da geopolítica”, observou Neusa Bojikian, doutora em Relações Internacionais e integrante do Instituto Nacional para Estudos sobre os Estados Unidos. “O domínio dessa capacidade garante a segurança nacional no conceito de território, mares, comércio, fluxo de bens, serviços e dados (não os pessoais)”, complementa.
Na era digital há diferentes sujeitos que vão além do Estado-Nação ou do capital, mas também usuários, hardware, software e os dados. Quem opera a estrutura no espaço cibernético depende da estrutura física, explica a pesquisadora.
“Quanto mais ameaçados os Estados se sentem mais restrições impõem para proteger dados e defender seus próprios interesses”, analisa. Ela observa que estas variáveis encerram a ideia do Estado nuvem da globalização, pela fragmentação, o desacoplamento dos sistemas tecnológicos para evitar espionagem. “Não é uma luta convencional, mas uma disputa”, resume Bojikian.
“A internet não desbancou a geopolítica, mas a digitalização faz parte da geopolítica e adiciona essa complexidade e determinará o futuro da sociedade. O jogo segue na mão das grandes potências na era digital”, confirma.
A especialista aponta para atores não estatais, com capacidade para apoiar ou enfraquecer pautas de regimes. E alerta que países em desenvolvimento e suas empresas terão dificuldade de sobrevivência na era digital, sendo dependentes de tecnologias estrangeiras. “A velocidade dos eventos não tem precedentes com variáveis desconhecidas sendo impossível prever as consequências políticas de segurança nacional.”
Neste sentido a pesquisadora resgatou exemplos dos impactos das campanhas digitais nos resultados políticos em vários países, no Brexit ou mesmo nos protestos de Hong Kong.
Novas regularidades incompreendidas
Para Elias Jabour, o Ocidente vive uma crise de pensamento que impede de observar e compreender o desenvolvimento econômico chinês e a migração de hegemonia da América para a Ásia.
“Existem novas regularidades que demandam superar esquemas mentais de socialismo de época anterior, que nunca existiram”, observou o professor na Pós-Graduação em Ciências Econômicas e Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Para o pesquisador, há muitas formas de ver o processo desde a revolução socialista de 1949. Jabour entende que o país tem a engenharia social mais avançada construída e merece ser mais bem compreendida. “É uma das únicas sociedades governadas pela ciência e é o grande legado do Partido Comunista Chinês, utilizando a razão como instrumento de governo, onde o socialismo é uma possibilidade científica e não fantasia ou utopia.”
O setor produtivo da economia faz uma migração para um grande setor improdutivo que são os serviços de saúde, educação, cultural, esporte, lazer, etc., numa transição para o Estado de bem-estar social, explica o professor.
Grande exportadora de bens públicos, a China tenta entregar uma globalização diferente da neoliberal americana, vigente nos últimos 40 anos.
Para o professor, o país asiático apresenta inovações tecnológicas disruptivas especialmente nos últimos 15 anos. Com 96 conglomerados industriais estatais, atuando também em setores estratégicos - 5G, Big Data, inteligência artificial -, o Estado chinês tem capacidade de planificar sua economia com elevação do domínio humano sobre a natureza, e arrasta para frente as ciências humanas e sociais.
Assista à aula na íntegra:
O ciclo terá outras três aulas:
14/09: O desenvolvimento econômico e social sob novos paradigmas - Cristina Reis e Gabriel Rossini
21/09: Como superar as desigualdades no Brasil? - Roberto Amaral e Regina Camargos
28/09: Os caminhos e desafios para a justiça tributária - Dão Real Pereira dos Santos e Marina Marinho
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Edição: Marcelo Ferreira