Desejar que a extrema direita não tenha força não lhe retira força, é uma realidade política
Há mais de um aspecto a se considerar nas movimentações e ameaças do bolsonarismo e de Bolsonaro para este Sete de Setembro. Bolsonaro assume uma retórica de denúncia sobre uma hipotética operação combinada entre “várias forças” para impedi-lo de governar. Esta aliança contra ele seria formada pelo STF, Rede Globo, governadores, ateus e pelos comunistas, em um conjunto indeterminado de sujeitos tão distintos entre si quanto improváveis.
Essa retórica se desenvolve em torno da estrutura argumentativa da vontade impedida. Bolsonaro teria uma vontade de realizar o que ele classifica de missão, sem, no entanto, determinar qual seria exatamente o objeto dessa realização, mas que estaria sendo impedido de fazê-lo pela “política tradicional”. Um imenso oceano de indeterminações que, por isso mesmo, abarcam um conjunto genérico de inimigos e obstruções, flexíveis conforme o segmento político e social que quer atingir.
A convocação para a extrema direita e sua base ativista se manifestarem nas ruas, no dia Sete de Setembro, tem duplo sentido político dentro desta retórica polissêmica e difusa.
De um lado a linha assumida pelo bolsonarismo diz respeito a um movimento defensivo: atacar previamente o Congresso e o STF para buscar retardar ou impedir o andamento das investigações e inquéritos que correm em diferentes esferas e processos. O esforço é marcar de ilegitimidade todo e qualquer processo de apuração de crimes cometidos pelo núcleo do governo bolsonarista e com isto postergá-los ou, mesmo, arquivá-los.
Outro sentido é o de um movimento ofensivo, que me parece ser o mais relevante. A pauta difusa cumpre o papel de organizadora de um bloco de extrema direita, reacionário, que cresce em ofensividade política, mesmo que a base de apoio de Bolsonaro diminua na opinião pública. Esse bloco é constituído de diferentes frações, desde setores da burguesia periférica, como o agronegócio e o comércio, até setores de trabalhadores periféricos organizados em grupos neofascistas e neonazistas, setores médios ultraconservadores e religiosos fundamentalistas. Mas o tom de confronto - que cumpre papel de mito agregador - é dado pelos setores autoritários no limite da legalidade das polícias e das próprias forças armadas.
Este sentido ofensivo que a extrema direita desenvolve no país tem a relevância de uma espécie de “guerra de posição”. A cada passo, em torno de uma pauta do absurdo e do bizarro, antidemocrática e anti-humanista, a extrema direita vai conquistando posições em sua escalada de disputa sobre a pauta política, deslocando-a cada vez mais para seu campo.
A desconsideração e o desdém sobre esse crescimento da extrema direita, e sobre a dimensão grave da luta política, são dos piores erros que o amplo campo democrático, mas especificamente a esquerda, pode cometer. Desejar que a extrema direita não tenha força não lhe retira força, desejar que não seja capaz de um aprofundamento da desdemocratização não lhe impede de fazê-lo. A extrema direita, liderada pelo bolsonarismo é uma realidade política, é organizada e está disposta a desobedecer a Constituição Federal. Assim deve ser enfrentada, sem hesitação quanto ao seu caráter e sua disposição.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko