O Projeto de Lei (PL) 6299/02 está tramitando na Câmara dos Deputados com o objetivo de facilitar o acesso ao uso de agrotóxicos no país. Além disso, propõe que se deixe de levar em conta os perigos para a saúde humana na hora de avaliar a liberação dos chamados "defensivos agrícolas", permitindo que substâncias tóxicas ou comprovadamente cancerígenas sejam comercializadas e utilizadas na produção rural.
Devido a esses perigos, o PL está sendo chamado de “Pacote do Veneno” por diversas entidades da sociedade, que estão se mobilizando contra sua aprovação. Segundo a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, o avanço desta pauta vai se somar ao cenário preocupante atual, em que mais de 2 mil tipos de agrotóxicos já foram liberados nos últimos quatro anos.
:: Campanha realiza seminários sobre o perigo do novo Projeto de Lei dos agrotóxicos ::
Para levantar esse debate, a Campanha tem realizado seminários virtuais em cada uma das regiões do Brasil. Com os estados da região Sul, o evento foi realizado nesta quarta-feira (18), onde representantes dos três estados traçaram um panorama do uso de agrotóxicos nos seus territórios.
Reproduzimos a live na íntegra e, logo abaixo, um resumo da fala da Naiara Bittencourt, que é advogada popular e acompanha a tramitação dos diversos projetos de lei que tramitaram na Câmara, em comissões, até o substitutivo que reúne todas as propostas de alteração que hoje se chama de Pacote do Veneno. A fala da advogada começa a partir dos 5 minutos e 50 segundos do vídeo, confira:
Pacote do Veneno traz riscos à saúde da população
Naiara afirmou que o debate sobre o PL 6299/02 precisa ser ampliado, pois traz inúmeras ameaças a saúde da população. Mas não somente isso, também apresenta um risco à biodiversidade e à soberania nacional.
Ela começa relatando que a lei atual dos agrotóxicos é do ano de 1989, sancionada um após a aprovação da atual Constituição Federal, trazendo algumas conquistas importantes quanto à proteção e fiscalização do uso de agrotóxicos. Desde então, relatou, diversos ataques tentam afrouxar a legislação para facilitar registro de agrotóxicos.
Afirmou também que, ao longos dos anos, diversas entidades realizaram estudos e notas técnicas sobre os perigos do atual Pacote do Veneno. Essas informações estão compiladas no Dossiê Contra o Pacote do Veneno e em Defesa da Vida (clique aqui para ver).
O primeiro perigo importante que citou foi que o PL muda o nome de agrotóxico para pesticida, camuflando o que o produto realmente é. O objetivo, segundo a advogada, é tornar um termo que já é bastante conhecido mais brando, menos agressivo.
Naiara chama muita atenção para um risco iminente à saúde: atualmente, a lei define que não podem ser comercializados ou produzidos agrotóxicos que tenham substâncias teratogênicas (que podem causar danos a fetos ou mulheres grávidas), carcinogênicas (que provoca ou estimula câncer), mutagênicas (que induzem ou produzem mutações), distúrbios hormonais ou danos ao aparelho reprodutor.
Se aprovado, o Pacote do Veneno irá retirar todas essas proibições e estabelecer que não poderão ser produzidos ou comercializados somente os produtos que contenham "riscos inaceitáveis".
"Eu pergunto para vocês: o que é um risco 'inaceitável'? Esses riscos são baseadas em estatísticas, ou seja, quantas vidas a gente pode sacrificar para dizer que um risco é aceitável ou não?", questiona Naiara.
Órgãos técnicos responsáveis por análise de riscos irão perder poder
Além disso, relata que no modelo atual três órgãos são responsáveis pelo processo de aprovação ou não de um agrotóxico, sendo um da área da saúde, outro do meio ambiente e um terceiro da agricultura.
Respectivamente, cumprem esse papel a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Se a lei for aprovada, o Mapa passará a concentrar um "superpoder", nas palavras de Naiara. O Ministério poderá aprovar o veneno e o Ibama e a Anvisa irão somente homologar ou não as avaliações.
"O Ibama e a Anvisa terão suas competências diminuídas. O Estado passa a dar uma 'super prioridade' para eficácia agronômica, em detrimento da saúde humana e do meio ambiente", relata com preocupação a advogada.
Pacote do Veneno facilitará a utilização desses produtos
Outro fato considerado alarmante é o fim da possibilidade de reavaliação da aprovação de um agrotóxico. Com a lei atual, a aprovação vale para sempre, mas diversas entidades podem requerer um processo de avaliação, com base em dados e experiências científicas.
Se aprovado o PL 6299/2002, a possibilidade de reavaliar o uso de um agrotóxico vai ficar exclusivamente nas mãos do Ministério da Agricultura, dificultando essa reanálise.
Naiara cita também que os servidores públicos serão obrigados a fazer muito rapidamente análises que são complexas e que podem botar a vida das pessoas em risco. Além disso, colocará nas mãos dos engenheiros agrônomos maiores responsabilidades, como a autorização para misturar produtos.
Hoje, uma mistura de dois ou mais agrotóxicos tem que ser aprovada pelos órgãos de regulação e controle. Se o PL 6299 virar lei, essa responsabilidade vai ficar a cargo da figura do engenheiro agrônomo.
"Essas misturas de produtos químicos podem gerar um produto novo, as reações desses produtos podem ser inesperadas, cujo efeito não conhecemos. Além disso, a prescrição de receituário agronômico antes da ocorrência da praga pode gerar uma proliferação de um mercado de receituários de gaveta", afirmou Naiara.
Antes de finalizar a fala, a advogada também falou da questão da regulação da propaganda, algo que o Pacote do Veneno simplesmente ignora, ao possibilitar a propagação desse tipo de comunicação.
Também lançou um alerta sobre a competência legislativa de estados e municípios. Com a lei atual, os governos estaduais podem criar leis sobre o consumo, produção, comércio e armazenamento de agrotóxicos, sendo que os governos municipais podem criar leis sobre o uso e o armazenamento. O Pacote do Veneno fala que os estados e municípios podem legislar sobre esses mesmos temas, desde que "fundamentado cientificamente", transferindo a responsabilidade dos órgãos técnicos e específicos para as Câmaras de Vereadores e Assembleias Legislativas.
Edição: Marcelo Ferreira