Rio Grande do Sul

Especial Religiões 

“A verdadeira espiritualidade é o ato político mais poderoso”

Beatriz Maria Berghahn explica a doutrina espírita e a necessidade urgente da expansão da consciência  

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Beatriz Maria Berghahn conduz grupos espirituais e de Terapia Sistêmica e Constelações Familiares - Arquivo pessoal

Qual o papel da religião em meio a uma pandemia com a dimensão da covid-19? O que líderes religiosos pensam destes tempos que estamos vivendo? Estas e outras respostas buscamos neste Especial Religiões, onde vamos entrevistar lideranças religiosas das mais diferentes matizes, do espiritismo à matriz africana, da igreja luterana ao budismo.   

Bacharel em Letras pela Universidade de Passo Fundo (UPF) e pós-graduada pelo Instituto de Psicologia Social da UFRGS, com especialização em Análise Institucional, Beatriz Maria Berghahn conduz grupos espirituais e de Terapia Sistêmica e Constelações Familiares. Também cursou a especialização em Psicologia Transpessoal da Unipaz Sul e a Escola de Formação em Biodanza, Sistema Rolando Toro. 

Como servidora da Caixa Econômica Federal atuou em projetos sociais pela ONG Moradia e Cidadania. É autora dos livros No Coração de uma Mãe (2019), Me Toque – A Expressão da Emoção (2011), A Cruz e as Laranjas (2016) e co-autora do livro Mulheres Extraordinárias, resultado de sua participação na oficina literária com o escritor Alcy Cheuiche, organizada pela APCEF/RS. Também do livro Poemas do Caminho da Associação PATWORK do RS e SC lançado em 2020.

Nesta primeira entrevista do Especial Religiões do Brasil de Fato RS, Beatriz defende que “a verdadeira espiritualidade é o ato político mais poderoso, que quando posto em prática, te faz perceber isso, e não só a você perceber isso, também permite que outras pessoas possam perceber isso”. 

Confira.

Brasil de Fato RS - A partir da experiência que você tem com sua comunidade, orientação religiosa, qual a avaliação da situação pela qual passa o país, no contexto social e político?

Beatriz Maria Berghahn - Cresci e tive a minha infância e adolescência conduzida pelos dogmas da igreja Católica. Os valores morais que norteavam essa parte da minha existência, eram baseados em honestidade, dignidade. Os valores que incluíam a ética praticada na comunidade em que eu vivi, numa cidade interiorana gaúcha habitada basicamente por descendentes de origem alemã, holandesa e italiana, eram esses. Hoje a situação pela qual passa o país me deixa perplexa, completamente incrédula, diante do quase digamos violento alterar-se desses valores morais.  

Eu sei que cada fase da vida exige uma adaptação, exige uma capacidade adaptativa que vai além do que podemos supor na nossa infância. Muitas vezes, entretanto eu sou uma pessoa que realmente continua em estado de quase susto permanente, em ver que esses valores que outrora nortearam a minha vida perderam tanto a importância. Então essa banalização, essa naturalização da corrupção, do trapacear, do conseguir tirar vantagem em tudo, que me parece uma prática cada vez menos possível de ser fiscalizada, tamanha a abrangência do controle tecnológico que norteia nossa vida. Eu realmente me sinto vivendo num país que não confere mais com a realidade na qual eu fui criada, educada, e esse momento que o Brasil vive com certeza é fruto de uma situação não prevista e não imaginada pela maior parte das pessoas da minha geração. 

A interferência do catolicismo na minha vida, principalmente na infância, adolescência e juventude se deu de forma muito direta. Portanto eu me sinto totalmente respaldada para dar um depoimento sobre a interferência maléfica do nazismo na vida do ser humano. Regimes totalitários conduzidos por pessoas que literalmente, como diz o Evangelho, ‘Perdoai-os, Senhor, porque não sabem o que fazem’. Isso é muito impactante, forte e real na minha história de vida. Tudo na minha infância, tendo em vista essa aliança do poder constituído, em forte parceria com a igreja Católica, era sempre uma política social respaldada por regimes totalitários como o nazismo. Sou descendente de alemães, por isso minha convicção na afirmação. Minha mãe, quando foi alfabetizada, primeiro o foi em alemão. Mesmo tendo nascido no Brasil ela só veio aprender o português a partir da terceira série primária.  


Beatriz lançou seu primeiro livro chamado "Me Toque – A Expressão da Emoção" em 2011, onde já falava de espiritualidade e questões sociais / Divulgação

Pessoas a princípio que não tinham sequer elaborado mentalmente um pensar local, em termos de comunidade miscigenada, acabam vibrando na linha dos regimes totalitários, inocentes úteis. Neste contexto, a minha infância foi totalmente pautada pelos dogmas castradores, punidores, bloqueadores do prazer, notadamente para as mulheres era terminantemente proibido o prazer. Às mulheres só era dado o direito de ocupar o seu espaço na cozinha, enfim servir ao seu amo e senhor.

Eu tenho 62 anos, e vejo que essa onda de fascismo que existe atualmente no Brasil e no mundo, é de pessoas que nunca viveram isso na pele. Nunca passaram por uma experiência que foi dominada pelo nazismo como algo natural. Não conheceram outra realidade e isso vem entranhado nos cromossomos genéticos da pessoa, que muitas vezes são pessoas imensamente boas de coração. Então a minha mãe e meu pai que eram pessoas excelentes, de caráter ilibidado, honestas, eram também dominados por esse dogma, oficializado, instituído em parceria com a igreja Católica. Como se a cor da pele definisse que ela é melhor do que outra e que valha mais perante Deus.

Todos somos um quer dizer: se nós continuarmos destruindo os ecossistemas que já estão comprometidíssimos com inundações, devastações, terremotos, maremotos, incêndios aqui no Brasil, principalmente, na Amazônia, no Pantanal como vimos recentemente. Isso tudo vai se refletir em redução na sobrevida saudável do ser humano, isso tudo vai se refletir de uma maneira que vai afetar a vida na terra de uma maneira irreversível.


 
BdFRS - Costuma-se dizer que viver é um ato político, a religião, a espiritualidade também seria? 

Beatriz - Nascer já é um ato político. Sem dúvida nenhuma, viver é um ato político que cada vez mais implica em decisões que muitas vezes precisam ocorrer mesmo involuntariamente, mesmo quando desejamos permanecer acomodados, permanecer numa neutralidade que outrora também chamávamos de em cima do muro, isso não é mais possível. 

A religião é diferente da espiritualidade. A religião é uma prática religiosa agremiativa que reúne pessoas que deliberadamente optaram em professar uma crença, uma forma de entender algo maior, que é a espiritualidade. Reúne pessoas que sintonizam com uma concepção espiritualista e com a qual na verdade se identificam muitas vezes, porque não querem ultrapassar voluntariamente, ou por preguiça mesmo, esse entendimento de como a espiritualidade pode ser concebida. 

Portanto, é fundamental que entendamos que a religião é diferente da espiritualidade, porque a espiritualidade e a religião sem dúvida são atos políticos, mas precisamos entender primeiro que são coisas diferentes. A verdadeira espiritualidade respeita todas as pessoas ainda que tenham credos religiosos diferentes entre si. 

A verdadeira espiritualidade é o ato mais politicamente poderoso neste momento na Terra, na minha opinião. Por quê? Porque a espiritualidade permite você entender que a transcendência pode ser praticada de diferentes formas, todas as formas de busca do invisível, da sintonia com uma energia que não é tangenciável pelos nossos olhos, muitas vezes pelo nosso sentir, pelo nosso olfato. A espiritualidade abrange várias vertentes de entendimento da transcendência, e a grande evolução espiritual pra mim, está em entender isso, de que as pessoas muitas vezes têm uma visão limitada da espiritualidade, porque são totalmente enquadrados, e fazem questão de se manter enquadrados, nos limites que a religião que professam define. Muitas vezes vindas de seus ancestrais que vinham praticando aquele culto religioso. Não questionaram nunca esses dogmas, e portanto tem uma visão limitada sobre esse aspecto.

A verdadeira espiritualidade é o ato político mais poderoso, que quando posto em prática, te faz perceber isso, e não só a você, também permite que outras pessoas possam perceber isso.  

BdFRS - Qual o papel da religião e da fé diante do que estamos vivendo?

Beatriz - O papel da religião e da fé diante do que estamos vivendo é fundamental pra abertura da visão e da percepção do que está acontecendo no contexto social. A religião e a fé são vertentes da sociedade humana que precisam ser utilizados para a abertura da consciência de que todos os seres vivos têm direito à vida, de que todos os seres que habitam o planeta Terra têm direito as condições mínimas necessárias de sobrevivência, tendo acesso a saúde, ao alimento básico, fundamental, a viver em harmonia por meio de acesso aos meios sociais que promovem o lazer, que promovem a inclusão social, para que a verdadeira cidadania possa ser exercitada por todos. 

Na visão kardecista, quando nascemos já viemos com uma data marcada para morrermos. Na visão dessa vertente religiosa, quando a pessoa nasce já está determinado e pré-estipulado quando ela morrerá. A palavra desencarne é sair do corpo, é terminar a sua trajetória física neste corpo neste momento da sua vida. Seu espírito permanecerá vivo. Se transformará em energia cósmica.

Então muitas vezes a fé nos permite passar por esse período, por esse momento, com um pouco mais de serenidade. A fé é fundamental para que consigamos, neste contexto em que vivemos, suportar digamos esses limites da existência que muitas vezes estão além realmente daquilo que nós desejamos. Eu não falo nem dos limites do nosso controle, porque você pode ter uma vida saudável ou não, cuidar do seu corpo que você habita ou não.


Apesar de ter crescido na igreja Católica, nos últimos anos, Beatriz se tornou praticante da doutrina codificada por Allan Kardec / Reprodução

Apesar de ter crescido na igreja Católica, ter passado a minha infância, adolescência e boa parte da minha vida adulta professando a fé que a igreja Católica difunde, eu me tornei, nos últimos anos, praticante da doutrina codificada por Allan Kardec, com a qual eu passei me identificar imensamente mais do que aquilo que a igreja Católica me passava. E eu na doutrina espírita encontrei uma sintonia muito grande de valores, de maior exercício de liberdade do meu pensamento e do meu agir, inclusive enquanto cidadã ansiosa por exercitar a solidariedade. 

BdFRS - Qual a importância da espiritualidade na vida das pessoas?

Beatriz - Ela é fundamental. O papel da espiritualidade na vida das pessoas neste momento em que vive a humanidade é absolutamente imprescindível pra suportarmos uma realidade inimaginável enquanto perda de vidas na Terra. Nesse sentido a espiritualidade promove muito conforto pra desafios de aceitação de um contexto que nos foge ao controle, e que muitas vezes afeta diretamente nossas famílias, nossos vínculos relacionais afetivos mais importantes. 

A espiritualidade é imprescindível para que possamos com mais tranquilidade aceitar esta realidade social. Eu trabalho numa entidade espírita no bairro Menino Deus, e percebo na prática o quanto a espiritualidade ajuda a todos os que buscam alívio pra suas dores por meio desta transcendência possível que nos leva a entender aquilo que as fronteiras do pensamento racional geralmente não proporcionam. 

BdFRS - Nesse mais de um ano de pandemia, o Brasil é o segundo país com o maior número de vítimas fatais. Apesar da morte ser algo inerente à vida humana, como sua tradição religiosa lida com ela, em especial nesse momento? Há lições para tirar desta pandemia?

Beatriz - Os seres humanos são livres, e por incrível que pareça, mandatários de nações também num regime democrático são eleitos livremente, e esse voto, ele pode ser, com frequência, o de alguém que está num processo quase rudimentar de evolução espiritual, segundo a visão kardecista. Uma pessoa que é eleita pra representar o que no fundo os seus votantes desejavam, que era representar o bem, a vida, que ele representasse a oportunidade de todos serem felizes, este ser humano desapontou. Inclusive os que têm a prática do bem e votaram nele. Quando você elege alguém, está delegando que essa pessoa te represente. Eu não acredito que as pessoas que elegeram o atual presidente da nação desejassem eleger alguém que não defendesse a vida acima de tudo, que não fosse um defensor da vida para todos. À medida que nós atribuímos a alguém a confiança de que ele fará algo por nós, obviamente ele está representando uma parte de nós que muitas vezes nem nós conhecemos.

Dessa forma, se o Brasil é o segundo país com maior número de vítimas fatais atingidos pela covid-19, com certeza, na minha opinião, a maior parte dos seus eleitores não previa que essa pessoa ia ter essa prática no exercício do comando do Executivo nacional para o qual foi eleito. Entender a inclusão social, de como se organiza uma sociedade, principalmente num país pobre como o nosso cuja população possui um percentual que esmagadoramente está na base da pirâmide, exige sair da zona de conforto. Inclusive dos limites da religiosidade.

As lições que todos temos pra tirar dessa pandemia, e que certamente os eleitores de pessoas que atribuíram confiança a esse ser que atualmente governa o Brasil, essas lições certamente vão ficar na história da humanidade, não só do Brasil, da humanidade! A comunidade científica, os estudiosos de todas as nações do planeta Terra, ficaram incrédulas com a prática não voltada pra defesa da vida que esse senhor infelizmente executa. 

Então as lições dessa pandemia pra mim são: muitas vezes você atribui a uma pessoa algo que ela não é, porque você a desconhece, porque o ser humano é uma incógnita, e porque também muitos se identificavam certamente com uma vertente obscura do caráter que essa pessoa possui, e que em última análise, por superficialidade, por preguiça de pensar em quais são as causas da miséria da sociedade brasileira, acharam que ele ia ser um salvador da pátria, que ele iria resolver aquilo que governos anteriores não conseguiram.

Concluindo a resposta a essa pergunta sobre lições da pandemia, eu quero só dizer o seguinte ainda: as grandes lições dessa pandemia a despeito de entendimento político-partidário, de análise de comando positivo ou negativo deste ou daquele governante, são de que só a transcendência de fato explica o tempo que permanecemos na Terra, de que existem ordens acima de nós, comandos acima de nós, algo maior regendo a vida, que nos foge ao controle a despeito de cuidados que muitas vezes temos com a saúde. Porque como justificar que jovens, que teoricamente teriam mais saúde do que idosos, tenham falecido, e idosos já com uma uma vitalidade comprometida tenham passado por essa pandemia sem terem sido afetados ou vitimados pela covid. Eu conheço pessoas que têm familiares relativamente jovens que faleceram, enquanto os anciãos da família permaneceram imunes. Isso pra mim também é um exemplo bem contundente do quanto existe algo que rege o nosso viver na terra, que efetivamente controla nossa existência, e que não está sob nosso comando. E isto abrange a transcendência e a potência, e a expansão da espiritualidade que eu mencionei em outras respostas. 

Quando você nasce sem recursos materiais, vitimada por todo tipo de necessidades, sem dúvida os teus desafios pra evoluir, espiritualmente inclusive, são muito maiores do que aqueles que já vêm encarnados numa condição social onde há muito mais conforto

BdFRS - Como a religião pode ser um caminho para a construção de uma sociedade mais justa e um planeta mais sustentável? 

Beatriz - Na minha experiência enquanto possibilidade de construir um caminho pra uma sociedade mais justa, quando trabalhava na Caixa Econômica Federal, na década de 1980 a 1992, e depois até 2000, tive oportunidade de perceber que a religião sempre é uma porta aberta pra se ampliar a consciência das pessoas. Tudo está conectado com o todo. Podemos sim conviver socialmente com quem pensa diferente de nós, com quem pensa de uma forma antagônica a nós inclusive. É um desafio, mas a verdadeira solidariedade está em você construir um ambiente onde você consiga dar espaço de voz e fala para que a pessoa se expresse, e ao se expressar também permita ao outro a expressão da sua opinião.

O que realmente constrói uma sociedade mais justa e um planeta mais sustentável é o exercício da tolerância, da solidariedade, que passa essencialmente pela criação da oportunidade do indivíduo se sentir um ser humano que merece e tem o direito de sentir-se um cidadão. E o que é cidadania? É acesso a possibilidade de saúde, alimento básico, educação, possibilidade de lazer e de uma moradia. As condições necessárias nesse sentido é que proporcionam o entendimento de que tudo isso também nos leva a entender que o planeta necessita as mesmas condições, de ter possibilidade de respirar, de poder transmutar aquilo que é descartável. 


Beatriz trabalha numa entidade espírita no bairro Menino Deus e contribui em outras instituições como na Ação de Natal do Hospital Espírita de Porto Alegre em 2018 / Arquivo pessoal

Então nesse meu trabalho de 5 anos de coordenação agora nos últimos tempos na casa espírita, onde tínhamos um grupo que refletia textos espiritualistas, a gente conversava muito sobre isso, sobre o que é ajudar o planeta a ter uma sobrevivência que dê sustentação a vida de todas as espécies. Ali falávamos sobre a importância da separação dos lixos, sobre a importância de podermos auxiliar na sustentabilidade da vida de todos os seres. A religião com certeza pode ajudar o ser humano a entender o quanto tudo está conectado com tudo, e que todos somos realmente um. 

A gente ouve muito essa frase "todos somos um", mas com frequência não entendemos exatamente o que ela quer dizer. Todos somos um quer dizer: se nós continuarmos destruindo os ecossistemas que já estão comprometidíssimos com inundações, devastações, terremotos, maremotos, incêndios aqui no Brasil, principalmente, na Amazônia, no Pantanal como vimos recentemente. Isso tudo vai se refletir em redução na sobrevida saudável do ser humano, isso tudo vai se refletir de uma maneira que vai afetar a vida na terra de uma maneira irreversível. Os sinais estão aí muito vivos, e eu vejo que entre os que realmente buscam o exercício verdadeiro da espiritualidade estão nesta compreensão e percebendo isso. Ou seja, de que existe uma força cósmica que vai além do nosso mesquinho imediatismo de prazer a qualquer custo, de forma imediata.

Eu vejo que as religiões que terão sobrevivência num futuro breve são aquelas que farão com que a pessoa perceba que a religião precisa ser um degrau pra expansão da consciência. Que faz ela olhar pro seu entorno e ver que as árvores, todos os meios de manifestação da natureza, também são uma expressão de Deus, e que Deus colocado em prática percebe tudo que somos, tudo o que fazemos, sabe tudo sobre nós. As consequências do livre arbítrio, de muitas vezes virarmos as costas pra isso, podem gerar o que na religião kardecista refere-se ao merecimento de cada um.

BdFRS - Como tu vês as perseguições a alguns padres e líderes religiosos que criticam o governo Bolsonaro?

Beatriz - As perseguições que o governo totalitário, autoritário, atualmente impõe a alguns padres e líderes religiosos conscientes disso tudo que já abordamos nas perguntas anteriores, elas fazem parte dessa dormência, alienação ou rigidez de caráter de personalidade que já comentamos um pouco. Não revela em momento alguma abertura de consciência para o essencial da vida, e que está muito além daquilo que a sua vã consciência, supérflua consciência possui acerca do sagrado da vida. Então essa perseguição a alguns padres e líderes religiosos que criticam governos totalitários, autoritários, austeros, quase patéticos como o atual governo brasileiro, elas fazem parte do incômodo que pessoas assim geram pra essas pessoas rígidas, que não querem enxergar além dos seus estreitos olhares pra vida.

São pessoas que não têm percepção nem de si mesmas, pessoas autoritárias, prepotentes, que acham que podem brincar com a vida da forma como brinca esse governo federal, sobre a sacralidade da vida. Isso revela que esses padres e líderes religiosos têm esse poder espiritual de enfrentamento, porque são pessoas amparadas por uma outra força. Quando você tem coragem de afrontar um sistema que se considera o mandatário maior, não só de uma ação governamental, mas da própria vida do povo, e não providencia vacinas como esse governo fez, ele só pode se sentir incomodado, porque essas pessoas, esses padres, esses líderes religiosos, eles revelam muita força espiritual, eu estou convencida disso. Quando você é destemido e consegue continuar na tua prática solidária, tranquila, de estar fazendo o bem, de estar fazendo aquilo que efetivamente agrada a Deus, ao Deus de amor, ao Deus justo, ao Deus soberano. 

Essas pessoas estão protegidas e por isso incomodam tanto, e são criticadas, porque no fundo, no fundo, até o ser mais maléfico, mais imbuído de maldade, há uma parte dele que entende que quem o enfrenta, que quem o afronta pelo bem, pelo exemplo de amor, esse ser possui uma força que ele não consegue interferir. 

BdFRS - Existem praticantes espíritas que justificam problemas sociais como parte de um processo de evolução, como se as pessoas que sofrem desigualdades precisassem sofrer para evoluir espiritualmente ou para pagar erros de outros vidas. Esse tipo de pensamento não está ligado a uma visão de meritocracia e de manutenção de desigualdades?*

Beatriz - Essa pergunta é muito interessante. Acerca de a pessoa precisar sofrer para evoluir espiritualmente, é sempre algo intrigante pra quem questiona a vida. Por quê? Porque realmente segundo o entendimento kardecista, todos viemos não só já predeterminados quanto ao dia do desencarne, do irmos, do deixarmos o nosso corpo, como também temos, pra evoluirmos espiritualmente, algo a fazer neste momento reencarnatório. 

A evolução espiritual via de regra se dá pela dor ou pelo amor. Pelo menos a maior parte dos casos que eu conheço, quem procura com muita fé uma ajuda transcendente de algo invisível de um ser superior, essa pessoa está movida por um impulso muito forte. Infelizmente muitas vezes e geralmente é pela dor, o amor nos torna mais suaves, o amor nos torna mais capazes de exercitarmos a compaixão. Então, nesse sentido, para evoluirmos espiritualmente, segundo Alan Kardec, é necessário para que na próxima vez que nós viermos a reencarnar, nós teremos evoluído um pouco. Para alcançarmos a evolução completa, aquilo que chamamos de iluminação, nós precisamos voltar muitas vezes até nos transformarmos num espírito puro. 


Em seus livros e grupos espirituais, Beatriz trabalha a busca da consciência / Divulgação

Nesse sentido, a desigualdade social não é uma imposição que leva necessariamente ao sofrer, a desigualdade social. Ela é fruto do livre arbítrio das pessoas, livre arbítrio das pessoas que já vêm acompanhando aquele espírito desde a sua primeira reencarnação. Então o meio social em que você vive é uma escolha espiritual, não racional, é uma questão que o espírito vem acumulando. E quando você nasce sem recursos materiais, vitimada por todo tipo de necessidades, sem dúvida os teus desafios pra evoluir, espiritualmente inclusive, são muito maiores do que aqueles que já vêm encarnados numa condição social onde há muito mais conforto, recursos financeiros, materiais, físicos, porque os desafios serão menores nesse sentido. Porém, não é pela camada social em que a pessoa nasce que se percebe a evolução espiritual, porque entre os pobres se vê pessoas de muito bom coração, com pequeníssima ambição, entre os pobres encarnados que vêm com um coração amoroso existe uma pessoa muito rica, porque ela sofre menos por não ter aquilo que com frequência pessoas ricas querem cada vez mais. 

Então, essa visão não está ligada necessariamente ao merecimento de ter ou não ter recursos materiais. O sofrimento do espírito, ele se justifica sob outros parâmetros de avaliação, a pessoa possui não o mérito de receber este ou aquele dom, ela é resultado de uma história já vivida pelo espírito. O mérito, usando a tua palavra da pergunta, meritocracia, de ter nascido um ser humano mais sensível que consegue com mais facilidade ter compaixão, praticar o bem, ser tolerante, este sim é um merecimento do espírito, e não os recursos materiais que ele tem. Os recursos materiais com frequência são facilitadores para uma evolução espiritual que inclui geralmente maiores desafios, a quem muito é dado, muito será cobrado diz o Evangelho. Quando uma pessoa pobre nasce com uma quase natural bondade, facilidade de conviver com recursos básicos, ela está revelando que aquele espírito nasceu já trazendo um merecimento de outras vidas, porque aquilo pelo qual sofremos é que mostra em que ponto está a evolução espiritual que temos acumulada em nós. 

*Com colaboração de Pedro Neves Dias


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Edição: Katia Marko