Rio Grande do Sul

Impacto ambiental

Projeto das torres do Beira-Rio avança em meio a críticas por falta de debate

Impedido pela atual legislação, Câmara de Porto Alegre deve votar em breve nova lei que permitirá a obra do clube

Sul 21 |
Inter quer erguer o maior prédio do RS ao lado do estádio Beira Rio - Luiza Castro/ Sul21

O polêmico projeto da construção de duas torres ao lado do estádio Beira-Rio – uma delas o maior prédio do Rio Grande do Sul, com 130 metros de altura – tem avançado na Câmara de Vereadores da Capital. Nos últimos dias, o presidente da Casa, vereador Márcio Bins Ely (PDT), chegou a cogitar colocar o projeto em regime de urgência para ser votado, mas a ideia não foi adiante devido ao pedido do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), que quer mais tempo para negociar as contrapartidas com o Sport Club Internacional.

No projeto, a previsão é o clube arcar com o alargamento da Avenida José de Alencar, a construção de um píer na área do Parque Gigante — localizada junto à Orla do Guaíba — e promover reformas no Asilo Padre Cacique e em uma unidade de saúde. Melo avalia que as contrapartidas são insuficientes.

A intenção do Inter em construir duas torres ao lado do Beira-Rio atualmente é impedida pelo Plano Diretor da Capital, que não permite o desenvolvimento de atividades residenciais e comerciais no local. Conforme a Lei nº 6.150, de julho de 1988, a área está destinada para a construção de um parque esportivo, que não poderá ser utilizado para outro fim, exceto para a implantação de equipamentos e comércio de apoio ao fortalecimento da área. O projeto do clube prevê ainda lojas e restaurantes. A região onde se localiza o estádio foi doada ao clube em 1956 pela Lei nº 1.651.

O projeto teve parecer favorável da Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento (CAUGE), mas teve o Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) rejeitado pelo descumprimento da legislação de doação. Em dezembro do ano passado, o projeto recebeu parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, o que o autorizava a ser votado em plenário. Entretanto, com o fim da legislatura, a proposta foi arquivada, e agora desarquivada a pedido do prefeito.

“As torres serão construídas desde que haja a lei que permita”, explicou Felisberto Seabra, membro do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA), em entrevista para o recente especial Que Porto é esse?, do Sul21.

O conselho tem a prerrogativa de analisar o licenciamento dos empreendimentos que descumprem alguma regra estabelecida no Plano Diretor e, portanto, precisam de aprovação especial. Conselheiro titular da Região Geral de Planejamento 1, Seabra é o relator da análise do processo das torres do Beira-Rio no CMDUA. Em seu parecer, ele sugeriu a desaprovação das construções por considerar que o regramento urbanístico da área seria alterado para além das características da região.


Projeto apresentado para a construção das torres ao lado do estádio Beira-Rio / Reprodução

Impactos da obra

O vereador Leonel Radde (PT) avalia o projeto das torres do Beira-Rio como negativo à cidade. Além de estar em desconformidade com a legislação vigente, destaca o tamanho da construção, projetado para ser o maior prédio do RS, e o impacto que terá nas residências do entorno, considerando bloqueio do sol e circulação de ar. Ele ainda enfatiza a lógica de privatização da orla, com a construção de grande empreendimentos, e os prejuízos que isso pode causar.

“É uma utilização que só vai permitir que aqueles com mais recursos possam usufruir do espaço. Acredito que isso esteja descolado do debate que temos que fazer sobre a ocupação da orla, qual a função social dos terrenos cedidos à iniciativa privada. Tem vários debates cruzados, fora as pessoas que moram no entorno e serão prejudicadas com algo monumental”, afirma.

O vereador destaca que o Rio Grande do Sul foi pioneiro no debate ambiental, com a criação da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), referências como o ambientalista José Lutzenberger, e a lei de uso de agrotóxicos – agora desfeita pelo governo de Eduardo Leite (PSDB).

“Porto Alegre era considerada a capital mais arborizada do País, já esteve dedicada pra despoluição do Guaíba, e isso tudo foi sendo deixado pra trás dentro de um discurso econômico e de modernidade e, na verdade, a gente não vê benefícios pra maioria da população dentro dessa lógica”, analisa.

Radde faz ainda referência aos parques federais no RS cedidos à iniciativa privada, como o Aparados da Serra e da Serra Geral, e a mesma intenção do governo Leite com os parques estaduais. “Me preocupa que os principais locais de acesso ao ambiente natural estejam sendo privatizados. A gente começa a impedir a população de ter acesso à natureza e a compreender a relevância da conservação e preservação dos ecossistemas”, lamenta.

Quando temas ambientais são envolvidos na lógica econômica, diz o vereador, acaba  por prevalecer o interesse econômico em detrimento do debate ambiental. “Agora nevou no Rio Grande do Sul, mas as pessoas não fazem a reflexão sobre como neva numa semana e logo depois estamos com clima de verão”, pondera, lembrando o atual incêndio de grandes proporções na Grécia, as enchentes na Alemanha, o calor altíssimo no Canadá e as queimadas na Amazônia.

Debate

O rápido avanço do projeto das torres do Beira-Rio levou a Comissão de Urbanização, Transportes e Habitação (Cuthab) a convocar uma reunião para a próxima terça-feira (17). Vice-presidente da comissão, a vereadora Karen Santos (PSOL) diz que o órgão não tem sido consultado sobre o projeto.

A parlamentar afirma que a audiência pública realizada em 2020, em meio à pandemia, não envolveu as comunidades do entorno que serão afetadas pela obra. “É muito preocupante, (o projeto) andou muito rápido na pandemia, uma mega construção, e nada foi discutido, o impacto ambiental, as escolas de samba que estão ali…”

Karen também critica o processo de privatização da Orla do Guaíba e diz que a população de baixa renda só irá entrar nesses espaços “se for pra trabalhar”. Estão convidados para a reunião da Cuthab, o secretário do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm; o conselheiro do CMDUA, Felisberto Seabra; e representantes do Ministério Público Federal, do Internacional, da Associação de Moradores Vila Padre Cacique, do Quilombo Lemos, das escolas de samba Praiana e Imperadores do Samba, Banda da Saldanha, além do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá).

No especial Que Porto é Esse?, o conselheiro Felisberto Seabra contou que, atualmente, a composição do CMDUA é amplamente favorável ao mercado imobiliário. “Eles têm uma visão de que os grandes empreendimentos beneficiam a cidade, que isso faz a cidade se tornar moderna, tem a alegação de que isso vai gerar IPTU, mas o gasto com mobilidade, com uma série de fatores que o grande empreendimento traz não compensam muitas vezes. Mas o estrago está feito. E aí reclamam que tem engarrafamento.”

Porém, quando o projeto propõe a descaracterização do regramento de tal forma que poderia vir a ser rejeitado no CMDUA, as últimas gestões na Prefeitura ou na Câmara têm apresentado leis para regularizá-los. “Passa tudo. E, quando não passa, vai para a Câmara de Vereadores para alterar e facilitar a passagem. Porque, às vezes, mesmo com toda a boa vontade dos técnicos da Prefeitura, não tem porquê, tem a responsabilidade de assinar e, às vezes, a gente pode judicializar a aprovação do projeto. Então, eles procuram viabilizar através de uma lei na Câmara. É o caso das torres do Internacional, que vão incluir a questão habitacional”, diz o conselheiro

Edição: Sul 21