As empresas de plataforma são a síntese do capitalismo atual no que se refere tanto à infraestrutura quanto a valores, defende Lucia Garcia. A economista foi uma das convidadas do encontro Novos negócios e sociedade de serviços, realizado nesta terça-feira (10).
Para compreender a trajetória que nos trouxe até este cenário, é preciso voltar um pouco no tempo. Para isso, o também economista Cássio Calvete traça um breve histórico das relações de trabalho predominantes nas últimas décadas, começando pelo pós-guerra, quando a sociedade ainda colhia os frutos da Segunda Revolução Industrial.
Calvete destaca que as relações nesse tempo eram marcadas pela rigidez de jornada e remuneração, bem como pela pouca autonomia dos trabalhadores, cada vez mais especializados e padronizados. Ainda segundo ele, nesse período predominavam os valores de longo prazo, baseados na lógica de investimento, produção e lucro. Era o tempo do chamado “bem-estar social”.
Mais tarde, destacadamente após a crise do petróleo de 1973, esse modelo de sociedade passou a ser questionado e negado. No bojo dessa transformação estrutural, vieram alterações no mundo da produção e serviço. Alguns dos efeitos mais eminentes foram a flexibilização de expediente, salários e vínculos trabalhistas. Pontua o professor que nessa época passaram a se sobressair os valores de curto prazo, com destaque para a financeirização da economia, que funciona a partir de uma dinâmica “mais fluida”.
Já no contexto que alguns chamam Quarta Revolução Industrial, as fronteiras entre comércio e serviço passaram a ficar “borradas”. Calvete caracteriza os tempos atuais a partir dos valores ditos de sucesso individual – “empreendedorismo” e “meritocracia” são termos-chave. O professor lembra que o discurso impulsionador das mudanças é o mesmo de períodos anteriores: em tese, a nova realidade traria autonomia e qualificação aos trabalhadores. Contudo, o que se observa na realidade é um aumento vertiginoso da precarização, com destaque nos dias atuais para os trabalhadores de plataforma.
Nesse sentido, Lucia reforça que a sociedade contemporânea está assentada na regressão de direitos – resultado de anos de desenvolvimento e transformação capitalista. Na avaliação da professora, esse contexto se estrutura sobre três pilares: doutrina neoliberal, lógica financeira de acumulação e base tecnológica de matriz informacional.
A economista questiona a narrativa de que a tecnologia digital seria “neutra”, capaz de ser direcionada rumo à formação de uma sociedade menos hierarquizada ou rígida. Para ela, essa estrutura tecnológica está profundamente enraizada a um momento capitalista “pouco afeito a estruturas sociais democráticas”.
Por fim, Lucia destaca a necessidade de se investigar e compreender o funcionamento das plataformas que regem nosso tempo, até mesmo para viabilizar formas específicas de regulação e tributação. Na avaliação da economista, é alarmante que nem o Produto Interno Bruto contabilize os valores gerados por plataformas estrangeiras atuantes no Brasil: “Quando a estrutura não é conhecida, ela é fugidia”.
O ciclo de debates Desenvolvimento, novas desigualdades e Justiça Fiscal no Brasil é organizado pelo Instituto Lula, em parceria com o Instituto Justiça Fiscal (IJF) e as entidades coordenadoras da campanha “Tributar os Super-Ricos”.
Assista aos encontros anteriores e se programe para os próximos:
17/08 – Mudanças na sociedade do trabalho e na estrutura de classes: Marilane Teixeira e Adalberto Cardoso
24/08 – O aprofundamento das desigualdades: Pedro Abramovay
31/08 – Geopolítica internacional: o que muda com a emergência de novos atores globais?: Elias Jabour e Neusa Bojikian
14/09 – O desenvolvimento econômico e social sob novos paradigmas: Cristina Reis e Gabriel Rossini
21/09 – Como superar as desigualdades no Brasil? Roberto Amaral e Regina Camargos
28/09 – Os caminhos e desafios para a justiça tributária: Dão Real Pereira dos Santos e Marina Marinho
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Edição: Marcelo Ferreira