Rio Grande do Sul

Coluna

Colorada na arquibancada

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Em 2009, quando o clube completou 100 anos, houve a formação da 1ª T.O. só de mulheres, a Força Feminina Colorada FFC - Foto: Acervo coluna vermelha
Temos que combater a elitização, o embranquecimento das arquibancadas, o machismo e a LGBT+fobia

Não vai longe o tempo em que ser mulher e ir para a arquibancada de um estádio de futebol, por si só, era um desafio. O ambiente permitia aos homens falarem o que quisessem para as mulheres que arriscavam ir aos jogos, acompanhadas ou sozinhas - o que era raro. Eram preservadas as já conhecidas dos frequentadores, principalmente das Torcidas Organizadas (T.O). Isso acontecia em TODOS os clubes de futebol. No Inter não era diferente.

Contudo, devido a sua origem popular, o Inter foi vanguarda em muitas coisas. Surgiu da organização povo, que era impedido de jogar no Grêmio (1903), já que o clube só aceitava alemães no seu início. O clube do povo nasceu em 1909 da necessidade de que houvesse um clube em que outras pessoas pudessem jogar, por isso o nome Internacional.

Em 1918, o Internacional de Porto Alegre associou Maria Von Ockel, se tornando o primeiro clube de futebol do país a abrir espaço para mulheres. Devido ao machismo estrutural, a aceitação de mulheres em um ambiente totalmente masculinizado nunca foi fácil e o processo foi lento, acelerando com a também aceleração da organização das mulheres na sociedade.

Quando o clube completou 100 anos, em 2009, houve a formação da 1ª T.O. só de mulheres, a Força Feminina Colorada FFC, justamente para criar um espaço de protagonismo e seguro para nós. Dentro das demais T.O. do Inter também há espaços de auto-organização das componentes femininas. Essas iniciativas deixaram menos espaço para que homens se sentissem à vontade para assediar as mulheres. Contudo, nos postos de direção não vemos a mesma evolução da inserção de mulheres, ainda que o Inter seja o clube com o maior número de conselheiras no Conselho Deliberativo. Há muito ainda por fazer.

Minha experiência pessoal, como mulher lésbica, me permite também afirmar que LGBT+fobia é muito forte em toda e qualquer arquibancada no Brasil – provavelmente, no mundo – nos jogos do futebol masculino. Comecei a frequentar o Beira Rio em 2004. Após 2006 parei de frequentar por 2 motivos: 1º por falta de grana, já que houve um período em que somente quem era sócio poderia ir aos jogos e, em 2º lugar, porque começava meu processo de auto aceitação quanto à minha sexualidade e a arquibancada não era o local acolhedor para vive-la. Nunca deixei de acompanhar o Inter e em 2017 passei a acompanhar o time feminino que voltava ao clube depois de um tempo parado.

Somente em 2018 retornei ao estádio, graças aos torcedores(as) antifascistas do clube, porque sabia que ali teria um lugar seguro. A partir daí, pude ser sócia graças a modalidade de associação popular, conquistada pelo movimento “O Povo do Clube – PDC”, que define uma taxa básica para quem tem renda de até 1 salário mínimo. Passei a lutar pelo feminino, tanto para as condições de profissionalização das atletas, quanto para que tenham um maior apoio das torcidas e torcedores(as).

Apoiar elas e eles em campo significa passar horas fazendo faixas, viajar, fazer a festa na bancada. Isto exige organização, ou seja, é um dos poucos locais em que a classe trabalhadora aprende a se organizar e ter disciplina, portanto é um espaço legítimo e sério de atuação e resistência da nossa classe.

Uma forte motivação para atuar junto às T.O. é a luta contra o fascismo. Uma luta constante, que se mistura com o fato de sermos torcedoras(es). O Beira Rio passa por um processo de elitização, que se acentuou com a vinda da Copa do Mundo para o Brasil em 2014. Fazemos a luta pelo futebol popular e isso significa bater de frente com cartolas, que se utilizam desse esporte para ampliar suas fortunas. Eles não compartilham a ideologia e a emoção que o futebol proporciona pra quem o sente e vive.

Somos resistência, temos que combater a elitização, o embranquecimento das arquibancadas, o machismo e também à LGBT+fobia. A luta antifascista engloba tudo isso. Assim, como mulheres de luta, honramos nosso passado alvirrubro e nosso presente de luta. Por isto, afirmamos que a nossa bandeira sempre será vermelha e que nossa luta é Internacional!

* P.B. coluna vermelha 1909

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko