A expressão mais pura da nossa cultura, estão nas mãos, almas e corações dos grandes mestres
Ataque contra a Amazônia, desmatamento exacerbado, ataque contra os índios, quilombolas e o fim da demarcação de terras, o fim do Ministério da Cultura, são algumas das práticas inconsequentes, genocidas e insanas do atual governo, eleito por um grupo que faz questão de deixar claro o seu amor pelo Brasil. Precisamos entender que amor é esse? Amor bandido, amor insano, amor daqueles que dispensamos, pois só nos faz mal. Isso não é amor, mas obsessão pela destruição de um povo e de um país que representa - e muito - para o mundo e sua história.
Fome, miséria, desigualdade e atentados contra os direitos humanos que foram conquistados com muita luta, assim vem nos mostrando esse senhor no pouco tempo em que se encontra no poder do Estado. A irresponsabilidade é tamanha que o mundo inteiro, inclusive países dominantes do sistema capitalista, se surpreenderam a ponto de impulsionarem campanhas e mais campanhas contra as ações de Jair Bolsonaro e seus comparsas.
A pandemia e a crise sanitária destacaram ainda mais as faltas de competência e humanidade a que estamos submetidos (as) nesse momento trágico de nossa história. Batemos recordes com as mortes derivadas da covid e o que presenciamos foi o total descaso do governo que se apoderou do Estado para transformá-lo em pódio para massagear os egos de uma família que, por muitos anos se sustenta do dinheiro público e utiliza a vida pública como troféu enquanto o povo sucumbe.
A Amazônia, nosso grande patrimônio vem sendo constantemente atacada, assim como os índios, suas terras e cultura ancestral que vem sendo ameaçada e esmagada ora com a violência política por meio de decretos, projetos e interesses de uma minoria, ora com a força física, torturando e matando nossos ancestrais que ainda mantêm vivas as tradições e identidades de um povo rico em fontes naturais e culturais.
A tragédia que se instaurou em nosso país e o momento conturbado que estamos vivendo, vêm nos empurrando para a luta, a resistência, a defesa e proteção do que é nosso e ninguém irá tirar. É nesse contexto que despontam obras artísticas que buscam denunciar, questionar, conscientizar e despertar todo um país que, adormece em seu isolamento social e sofre com as consequências desse momento com doenças, mortes e depressões profundas que, muitas vezes nos paralisam.
São obras, são artistas, são músicas e poesias que buscam a arte como meio de comunicação simbólica e resistência cultural, gerando pontos de intersecção em diversos segmentos e são capazes de entrar na vida de cada um (a) de nós, conduzindo-nos à ação de resistência.
Um desses grandes exemplos é o do grupo paraense Kuatá de Carimbó. Criado em 2010, na Vila de Alter do Chão (PA), coração da Amazônia, o Kuatá faz um carimbó tradicional e tem como referência os Mestres Verequete, Lucindo, Chico Braga, Chico Malta e Grupo Espanta-Cão. Tocaram com nomes consagrados da música amazônica como Dona Onete, Silvan Galvão, Patrícia Bastos, Trio Manari e Gaby Amarantos. Liderada por Hermes Caldeira (banjo/voz) e conta com Diogo Borges (banjo/voz/maracas), Sérgio Corrêa (sax), Rudá Nóbrega (curimbó/maracas/reco-reco), Edelson Borari (curimbó/maracas), Erik Erlan (curimbó/caixa), Luiz Manoel (maracas) e os dançarinos Sandra e Hinho.
Seus integrantes mantêm vivas as tradições culturais que os inspiraram, espalhando por onde passa as sementes do carimbó e ritmos presentes nas manifestações culturais de sua região. Essa é a grande resistência dentro de um sistema que tenta, a todo custo, massacrar as expressões e os processos de formação social e cultural de um povo.
Os agentes e artistas da cultura popular também são capazes de se (re) significarem, apropriando-se das novas ferramentas e meios de comunicação para que possam seguir com seus trabalhos e criações, resistindo ao tempo, tecnologia e globalização. A expressão mais pura da nossa cultura, estão nas mãos, almas e corações desses grandes mestres e descendentes da ancestralidade da terra.
O álbum "De cabôco pra cabôco" chegou ao público em 30 de julho pelas principais plataformas digitais, mostrando o novo momento do grupo que, com mais de uma década de história nas ruas e nos palcos - em Alter do Chão, Santarém, São Paulo e Rio de Janeiro -, focou na qualidade musical de estúdio trazendo nove faixas com produção de Boro/Alter do Som, gravação e mixagem de Júlio Tapará e masterização de Gustavo Lenza.
O compasso acelerado da música em relação ao “carimbó chamegado” da região - uma performance belíssima dos percussionistas quando estão no palco -, a voz potente e marcante do líder Hermes Caldeira, e as letras sobre cotidiano da vida cabocla dos seus próprios integrantes são a marca do Kuatá.
Além de tocarem juntos há mais de dez anos, quase todos os integrantes do Kuatá cresceram juntos às margens do Tapajós, tendo inclusive participado ativamente do movimento de revitalização do Carimbó, tombado como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro em 2014: Hermes Caldeira (banjo/voz), Rudá Nóbrega (banjo/voz/curimbó), Edelson Borari (curimbó/maracas), Erik Erlan (curimbó/caixa) Sérgio Corrêa (sax) e Luiz Manoel (maracas). O único músico de fora de Alter é o argentino Francisco Alvarez (flauta), que toca com o Kuatá há quase cinco anos e soma com o grupo também na sua experiência com a música num sentido mais formal. Graduado pela Universidade Federal de La Plata, Francisco teve papel fundamental nessa nova fase de adaptação do trabalho para o estúdio.
Para que possamos resistir ao momento onde nossa própria história e cultura é demonizada na sociedade por setores conservadores e autoritários, faz-se necessário que tenhamos, assim como o grupo Kuatá, muitos outros grupos e coletivos para não nos deixar esquecer quem somos, de onde viemos e para onde iremos.
Para saber mais, acompanhe a entrevista que vai ao ar no próximo domingo às 20 horas com Hermes Caldeira e ouça o novo trabalho do grupo Kuatá de Carimbó.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko