Afinal, colonizar é preciso, mesmo que seja o espaço, mesmo que sejam as mentes!
Num falo voador – e a todo vapor – elevou-se ao estrato-céu o bilionário.
Supernovas, quasares, sóis de primeira grandeza e outros astros gigantes a mirar e a foder. A grande explosão, na vida terrena, a origem do mal-estar, continua a renda distribuída assimetricamente. Há um universo que briga por um quinhão e um pedaço de coisa sem sal para aplacar a expansão do vácuo – no estômago.
Desde a janela de lançamento, um camarote para desassistir a Terra. O bilionário Jeff Bezos se julga deus! Esqueceu-se do mundo miúdo das coisas sem significância, do microcosmos, da vida vivida das pessoas, da rotação ao redor do eixo dos grandes problemas enquanto procura, cinicamente, o canto de omissão em seu universo paralelo.
O dinheiro, queridas, essa ordem astronômica, a tudo compra e a todos banaliza. Rabo de foguete, para gente comum, é o dia a dia – grana pouca ou nada, projeteis e projetos meteóricos a desintegrar o corpo e as esperanças, e um dia a mais na conta se os átomos permitirem a vida. Aqui, chão de concreto, quando não se pode pagar, viagem de luxo mesmo é ganhar uns trocos lá na esquina ou comprar um livreto qualquer no cyber espaço intermediado pela Amazon, a empresa do novato astronauta.
Enquanto orbita o planeta, o bilionário goza alegrias. Não lê ou equaciona a escala suportada na ordem minúscula do buraco – negro, latino, asiático, palestino; tampouco nas coisas encontradas cá, abaixo: linhas imaginárias dos trópicos, linhas reais de pobreza, meridianos de apartheid e brigas, muros divisórios e desigualdade. No espaço, a discrepância se uniformiza – quem, de fato, quer ver o que há para ser visto e superado? Quem, de fato, preocupa-se com o tempo e a gravidade da vida? Sobra o esforço perdulário poupando-nos anos-luz de conquistas. Afinal, colonizar é preciso, mesmo que seja o espaço, mesmo que sejam as mentes!
O falo erigiu estratosférico e rasgou a cortina do céu numa trepada galáctica de 10 minutos. Rápido. Precoce. Violento. Feios “bezos” espaciais e gozação.
Mulher, sim, havia na nave! A fortuna incalculável do dono da Amazon deu asas a uma aviadora – 82 anos de espera, 82 anos de negação de suas habilidades por agências espaciais comandadas por homens, 82 anos desejantes do cosmos até um rasgo de esperança e, voilá, lá se foi Wally Funk ao alto, porém subordinada à pulsão machista do desbravo espacial do patrão empresário.
No mundo da lua, problemas não entram no mapa, não se captam por satélite e nem são televisionados. O astronauta ri da cosmogonia miserável e errática de ponto azul na galáxia... Ele, Jeff Bezos, não é o Sul; é o Norte! É quem se meteu nos corpos celestes e expropriou os terrestres, é quem deseja rumar para Marte ou para a necropolítica enquanto avoluma suas cifras, é quem, lá do alto, toma o restante do globo por um ponto geográfico fetichizado, mercantilizável e desprezível. Sem vida, sem pulso, sem o trem para as estrelas; indigente.
Fabiana Carvalho é bióloga de formação, professora adjunta do Departamento de Biologia da Universidade Estadual de Maringá (UEM – PR), escritora e “artivista” feminista.
O texto foi produzido no contexto da “Oficina de Escrita e Criatividade FeminiSta”, coordenada pela poeta e escritora mariam pessah.
* Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko