Rio Grande do Sul

Coluna

A solidariedade transformada em organização popular

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São mulheres que sustentam a experiência do Coletivo Multiplicidade em Porto Alegre, organizadas em 11 Cozinhas Comunitárias descentralizadas em todas as regiões da cidade - Foto: Lucas Leffa
O Coletivo Multiplicidade foi fundado pela vereadora Laura Sito e um grupo de militantes e ativistas

A vida política nacional passa por um período conturbado desde 2015, o impeachment da presidenta Dilma Rousseff abriu precedente para uma série de pautas e ações que os governos petistas vinham conseguindo conter na Câmara dos Deputados, pautas que refletem diretamente no bolso da população brasileira e ações que os governos Temer e Bolsonaro tomaram ou deixaram de tomar que agravaram de forma considerável a condição de vida do povo brasileiro. A pandemia foi o flagelo que acelerou a escalada de miserabilidade de nosso país, acrescida mais de meio milhão de mortos por omissões e erros por parte do governo federal.

A política de preços da Petrobras é um descontrole total, o trabalhador brasileiro já não sabe o preço do combustível quando sai de casa ou se vai ter dinheiro para comprar um botijão de gás para preparar o alimento diário. A opção de não investir em subsídios para a promoção da agricultura familiar e camponesa (responsável pela produção da maioria dos alimentos que chegam à mesa do povo brasileiro) tem causado o aumento constante do preço dos alimentos. O aumento constante do preço da luz e a iminência da volta dos apagões resultam em um contexto que nos faz lembrar um Brasil há muito esquecido. Um Brasil que a geração do pleno emprego, do Prouni, do Fies e do Bolsa Esporte não conheceu, mas infelizmente está precisando conviver.


As mulheres, predominantemente, são as lideranças principais e o rosto público da resistência, da solidariedade e da esperança / Foto: Lucas Leffa

É nesse contexto que o movimento comunitário renasce com força nas comunidades periféricas das cidades. Renasce da necessidade de reorganização coletiva e popular, a única alternativa possível para atravessar a tormenta. Como nos idos de 1970 com o Movimento Custo de Vida, também conhecido como Movimento Contra a Carestia, onde as mulheres, predominantemente, são as lideranças principais e o rosto público da resistência, da solidariedade e da esperança. Primeiro porque cerca de 45% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres, segundo porque geralmente, mesmo sendo responsáveis pelo sustento de suas famílias, as mulheres brasileiras ganham cerca de 27% a menos do que os homens, ou seja, conhecem o cotidiano de dificuldade e as adversidades diárias.

São mulheres como essas que sustentam a experiência do Coletivo Multiplicidade aqui em Porto Alegre. Organizadas em 11 Cozinhas Comunitárias descentralizadas em todas as regiões da cidade, elas produzem 1.600 refeições semanais que são entregues para as famílias em risco de vulnerabilidade social e insegurança alimentar e resgatam a importância da organização popular através das associações de moradores, como ferramenta de busca por melhorias para a população local. Com o apoio do MST, do comércio local, de famílias das próprias comunidades e de dezenas de doadoras e doadores anônimos essa ampla rede de solidariedade se fez possível, além das refeições e da reorganização de associações de moradores também são doadas cestas básicas, cobertores e roupas através dos roupeiros solidários.


O Coletivo Multiplicidade foi fundado pela vereadora Laura Sito com o objetivo de pensar a cidade, de uma perspectiva integrada, acolhedora e igualitária / Foto: Lucas Leffa

O Coletivo Multiplicidade foi fundado pela vereadora Laura Sito e um grupo de militantes e ativistas dos direitos humanos e direito à cidade antes da campanha eleitoral com o objetivo de pensar a cidade, de uma perspectiva integrada, acolhedora e igualitária. Todavia, a vereadora além de estimular e contribuir com o trabalho da rede de solidariedade entende que a fome e a insegurança alimentar são um problema social e que o Estado tem compromisso em apresentar soluções integradoras e de fácil operacionalização que possibilitem ações rápidas para o enfrentamento de períodos difíceis como esses.

Para tanto ela apresentou dois Projetos de Lei que em breve devem ser votados na Câmara de Vereadores. Discutidos com coletivos e movimentos e também com os Conselhos de Segurança Alimentar e Nutricional Estadual e Municipal, um projeto cria o Fundo de Segurança Alimentar e Nutricional e o outro o Programa de Aquisição de Alimentos Municipal da Cidade de Porto Alegre, baseado no Programa de Aquisição de Alimentos criado no governo Lula e que foi uma das principais ferramentas para a retirada do Brasil do Mapa da Fome da ONU.


As ações de solidariedade se proliferam nas comunidades periféricas da nossa Porto Alegre e Brasil afora / Foto: Lucas Leffa

As ações de solidariedade que se proliferam nas comunidades periféricas da nossa Porto Alegre e Brasil afora estão fazendo (re)emergir novos atores, com novos paradigmas de fé, esperança, modelo de sociedade e novos valores morais e éticos, que passo-a-passo tornam-se organização popular.


Movimento faz surgir novos atores, com novos paradigmas de fé, esperança, modelo de sociedade e novos valores morais e éticos / Foto: Lucas Leffa

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko