No dia 1º de Agosto, em grande parte da América Latina, os povos se levantam e reverenciam a Vida em toda a sua beleza e harmonia, reconhecendo a Mãe Terra, Pachamama, como origem e fim de tudo o que existe. Essa compreensão ancestral abre espaço para uma resposta à crise climática e humanitária que ameaça a tudo e todos, movendo o vínculo de amor e ativismo pelo planeta.
Este é o Dia da Pachamama, quando abrimos as atenções e corações para agradecer a Ela através de um pago, uma oferenda andina que pede as bênçãos da Mãe da Vida. Este ato extrapola a dimensão religiosa, pois vem no contexto de violência e exploração contra os ecossistemas e os seres de toda natureza e de rompimento com os direitos humanos. Ganha corpo como um levante pela consciência de cuidado com o planeta e os seres, se impondo como um ato político, revolucionário, insurgente e de proposta de uma saída real, que pode ser posta em prática desde já, bastando que para isso despertemos.
É neste contexto que Nación Pachamama, movimento ecossocialista, floresce e atua.
As sociedades do mundo, imersas numa liturgia que orbita em torno da economia e suas necessidades infinitas de crescimento, e o sistema de geração de riquezas sustentado pela exploração da classe trabalhadora e esgotamento dos chamados “recursos naturais”, mascaram mas não logram esconder o rosto cruel e insensível do nosso modo de produção capitalista.
O capitalismo se mantém pela inconsciência de boa parte de nós, participantes e, em diferentes medidas, cúmplices de uma injustiça que já atingiu o ponto de não-retorno. Isto é, se faz imprescindível alimentarmos no seio dos corações e das mentes esta percepção antiga e tão clara, evidente, de que partilhamos o mesmo destino de toda a vida. Sem equilíbrio ambiental, sem respeito à vida, sem justiça social, não haverá um futuro para a raça humana.
O planeta não consegue mais nos sustentar e a reconexão profunda com este ser generoso e feminino que tudo nos dá, tudo provê, nos é imposta pela situação insustentável em que nos colocamos.
Espiritualidade comprometida com o social
Nesse intuito, o movimento Nación Pachamama, através da sua Escola Mística Andina preparou uma programação presencial e online de celebrações do dia de Pachamama, para contribuir, humilde mas bravamente, para a tomada de consciência de todos os filhos e filhas da Vida para a nossa responsabilidade diante de nossa Mãe.
Para além das práticas devocionais essenciais no despertar de uma relação afetiva que reavive nossa identidade como filhos desta terra, a Nación Pachamama também realiza outras ações diretas que impactam no cotidiano, através das suas Comunidades Espirituais Campesinas e da Prática dos 21 dias. Ações que abrem a percepção comunitária de amor à vida e desintoxicam os excessos individualistas que carregamos, compreendendo que nos dias que vivemos já não é mais possível conceber uma espiritualidade descomprometida com os desafios sociais e ambientais que nos circundam e afetam a todos.
Através da ONG Pachamama, associação sediada em Pelotas com abrangência nacional e internacional, por exemplo, realizamos enfrentamento aos impactos da covid-19 sobre populações vulneráveis; damos apoio para a autogestão e fortalecimento do povo indígena Qeros nos andes peruanos e promovemos atividades como o Ponto de Cultura RS.
Também participamos em políticas públicas de defesa de Pachamama, sendo o caso mais recente o da Lagoa da Conceição, em Florianópolis, com a proposta de uma Ação Civil Pública para o reconhecimento da lagoa como sujeito de direitos, em parceria com o Grupo de Pesquisa Direito Ambiental e Ecologia Política na Sociedade de Risco (GPDA/UFSC) e demais associações.
Para se somar a este levante dos povos da terra em defesa de Pachamama, basta que abramos nosso coração para sentir esse suave toque que surge quando estamos receptivos a ouvir o clamor da Mãe Terra, para ser ouvida, cuidada, amada.
Astreia Mendizabal é maestra do movimento Mística Andina e ativista da Nación Pachamama, compondo atualmente o conselho gestor da Lagoa da Conceição em Florianópolis.
Kristiano Puma Aguilar é kuraca do Ayllu Mística Andina e vice-presidente da ONG Pachamama. Atua como ativista em diversas frentes de defesa da vida e despertar para a consciência Pachamama.
* Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko