Rio Grande do Sul

Comemoração virtual

“Só teremos soberania se tivermos terra, essa terra é que vai dar o nosso território de luta”

Programa Terra, Território e Territorialidade celebra um ano da parceria com o Brasil de Fato RS e a Rede Soberania

Brasil de Fato | Porto Alegre |
As lives do programa são conduzidas pela sabedoria e conhecimento das Iyalorixás “Sagradas Mulheres Águas, a Tradição que Alimenta e não violenta” - Divulgação

Neste final de semana, o Programa Terra, Território e Territorialidade completou um ano de existência. Para celebrar a data, foi realizado no último sábado (24), um encontro virtual, onde também foi destacado o Dia Internacional Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha e o Dia Nacional Tereza de Benguela. 

Organizado pela coordenação de mulheres do Fórum de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana do Rio Grande do Sul (Fonsanpotma/RS), em parceria com o Brasil de Fato RS e a Rede Soberania, os debates acontecem quinzenalmente. A live foi mediada pela Iyá Vera Soares d'Oyá da Nação Oyó Povo Yorubá. Iyalorixá do Centro Memorial de Matriz Africana 13 de Agosto, integrante da coordenação Nacional de Mulheres do Fonsanpotma, Executiva do Fonsanpotma RS, e conselheira do Consea/RS. Também faz parte da Anlu/MNU-RS (Movimento Negro Unificado do RS).

O programa teve a participação da jornalista, doutora em Ciência Política, ativista feminista da Marcha Mundial de Mulheres, Denise Mantovani, da responsável pela Assessoria da Coordenação de Mulheres de Viamão e Coordenação de Articulação Política Estadual, professora, designer de Moda Alásè, IYa Fabiana, da Filha de Oxum, filha de Ledia, mãe do Douglas, avó da Antonella, afro empreendedora, e integrante do Fonsanpotma RS, vice-presidente Odaba, e integrante do Conselho do Consea e do Conselho do Povo Negro POA, Itanajara Almeida. Também participaram a Iyalorixá integrante da Coordenação de ancestralidade do Fonsanpotma/RS, coordenadora do Projeto “Quem tem pouco ajuda quem não tem nada” e co-vereadora do mandato coletivo Vamos Juntas, com Reginete Bispo (PT), IYa Nara de Oxalá, e a jornalista, coordenadora de comunicação do Fonsanpotma/Porto Alegre e do RS, Editora chefe do blog Rede Brasil Voz da Comunidade, presidente da Assessoria de Imprensa Ação e Expressão, Alessandra Flyver. 

O debate contou com a performance musical da artista, educadora e terapeuta Tatá Cristalina.

“Não choraremos o luto, teremos luta” 

Em mais um dia marcado por mobilizações em todo o país, Iyá Vera Soares começou a live com o Fora Bolsonaro, destacando o contexto atual, assim como o processo de extermínio, genocídio, das desigualdades e dos retrocessos das conquistas advindas ao longo dos anos. Conforme ressaltou a coordenadora, a democracia entra em um estado moribundo com um poder público como o representado pelo governo federal. 

“Não podemos ser mais alienados a uma realidade que nos grita nos olhos, nos agride, aonde a fome aumenta, a dor, a morte nos rodeia e nós não sentimos a segurança e o compromisso com essas questões. Só teremos soberania se tivermos terra, e essa terra é que vai dar o nosso território de luta, de sobrevivência, de criar os descendentes. É a territorialidade que nos faz ser tradicionais. Não existe saúde sem alimento”, reforçou. 

Em sua fala, a jornalista Denise Mantovani lembrou do Dia Internacional Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha e o Dia Nacional Tereza de Benguela. Ela também pontuou o papel da colonização, do patriarcado e da segregação entre os povos, a falsa ideia da supremacia masculina, exploração do capitalismo, que refletem nas questões da violência, racismo e preconceito. “Não temos como falar de democracia em um país onde 76% das pessoas assassinadas por arma de fogo são negras, 54% desses são jovens negros, é um genocídio da população negra”, destacou 

Segundo destacou Denise, a pandemia expôs a violência contra as mulheres, contra a cultura africana, contra os povos originários. “Estamos vivenciando uma devastação desse capitalismo predador. Bolsonaro é uma síntese desse momento predador de devastação do meio ambiente, das nossas águas, das nossas plantas, dos nossos alimentos."

Também destacou a força das mulheres da tradição da matriz africana e de como a ancestralidade dos povos de matriz africana e dos povos originários ameríndios influenciaram toda a cultura brasileira. “Para mudar o mundo precisamos começar a pensar como reverter essa exploração do capitalismo, o que significa enfrentar o racismo e o machismo. Para mudar o mundo acho que a gente precisa incorporar esses saberes ancestrais que rompem com essas formas de dominação.”

“Sou uma mulher empoderada, empodero muitas mulheres”

Complementando o que foi apontado por Denise, Iyá Fabiana pontuou que está cada vez mais difícil a valorização da mulher. “Tanta coisa tem sido feita contra nós mulheres e fica impune. Quero pedir que cada vez mais as mulheres não se calem, porque a nossa pior dor é a dor psíquica. É muito triste que a nossa ancestralidade sofreu tanto para que pudéssemos ter uma liberdade. Quantas das nossas mulheres se jogaram ao mar para não serem violentadas, e ainda hoje, no ano de 2021, acontece esse tipo de absurdo”, expôs. 

Para ela é preciso estar atenta à violência doméstica. “Quantas mulheres são assassinadas por dia por homens que se acham donos como senhores feudais? E isso já passou há muito tempo. Então, mulheres, sejamos livres, precisam nos respeitar, não fiquem às escuras, não fiquem à mercê de homens violentos. Empoderem-se mulheres, todas nós podemos, todas as mulheres são sagradas, se amem, procurem ajuda, se valorizem.”  

Itanajara falou da mobilização em torno do fora Bolsonaro e também das mais de 500 mil mortes. “Somos acometidos por dois vírus, e um deles é o Bolsonaro.” Também tratou da importância da articulação das mulheres negras na participação das manifestações e mobilizações. “A passos muito lentos conseguimos chegar a alguns lugares, mas a gente precisa entender que se nós não estivermos à frente de um processo que é político, seletivo, desigual, nós vamos demorar muito mais.” 

Em alusão ao Dia Internacional Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha e Dia Nacional Tereza de Benguela, Itanajara destacou a trajetória e história da líder quilombola. “Quantas Terezas de Benguela precisamos nos transformar para estar à frente desse tempo, quantas mulheres ainda serão necessárias que morram como Marielle Franco, como tantas outras mulheres morreram porque tentaram estar à frente do seu tempo e lutar pelo seu povo. Isso não deve nos parar, isso deve nos dar uma força maior.” 

Em sua exposição lembrou sobre o banco comunitário constituído pelo Fonsanpotma e da moeda chamada grão. “Que a gente pare de enriquecer aqueles que realmente não nos querem perto, que realmente não nos quer vivas. E dizer que lugar da mulher de tradição além e para além da unidade territorial tradicional, também é dentro dos parlamentos porque ela precisa ocupar todos os espaços de poder porque foi isso que Tereza de Benguela fez.” 

“Dia 25 é um dia de reflexão, que precisamos pensar que rumo tomar”

Iya Nara de Oxalá, em referência ao dia 25 de Julho, saudou todas as mulheres que fazem parte da sua ancestralidade como sua mãe Ilka Duarte Batista e Ernestina Duarte Batista, sua avó, e de algumas mulheres negras que marcaram e marcam a história, como Tereza de Benguela, Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, Iya Vera Soares, Reginete Bispo. “Viva toda mulher negra, forte, resistente, viva nossa terra, nosso ar, nossas águas, viva nós mulheres d’água."

Para ela o dia 25 é um dia de reflexão, em que é preciso pensar o rumo que se quer tomar. “Pensar se o que falamos é só da boca para fora, ou se estamos realmente fazendo "eu sou porque somos ou ninguém larga a mão de ninguém”. Falou da volta da febre amarela na periferia e também da falta de recursos que acomete principalmente a população negra. “Eu pergunto onde estão os nossos governantes? Eu perguntaria se eles gostariam de pelo menos 24 horas ser um homem preto, uma mulher preta. Será que eles iam querer, será que iriam sobreviver?”, questionou. 

Conforme destacou, é preciso lutar por conquistas, mas não esquecer o seu povo. Pontuou também a campanha que as mulheres negras vem fazendo como ir atrás de alimento para o seu povo, assim como também produtos de higiene, como absorventes íntimos para as mulheres que estão necessitando e não estão conseguindo comprar.  

“Hoje estamos sendo alimentados por comida contaminada, por isso as mulheres água vêm pedindo ajuda de todos para que possamos lutar por nossos direitos, direito de ter a terra, nossa água potável, o direito de falar com nossos orixás, o direito de ter a natureza. Hoje estamos rodeados de arranha-céus. Vamos pedir aos nossos orixás que esse senhor (Bolsonaro) se retire, que não volte mais ao nosso chão, que fique no canto dele. Esse que diz ser presidente. Mas que é um presidente da dor, da discórdia, do racismo, da falta de educação, de amor, de acolhimento”, finalizou

Por fim, Alessandra destacou que não é fácil ser mulher negra. Para ela dia 25 é um dia que muitas comemoram e outras choram, uma data importante porque trata de um legado. “Uma data importante porque a gente fala de uma pessoa que representa o quilombo, que representa a nossa raiz, a nossa história, o quanto nós batalhamos, o quanto nós somos representadas e não somos valorizadas, porque nem nosso salário equipara a de outras pessoas. E isso é uma fala comprovada.

Assim como Iya Nara, a jornalista ressaltou a situação das pessoas de matriz africana que estão vivendo precariamente. “Quando a Iya Nara diz que não tem absorvente para as mulheres é para as pessoas entenderem a crise que não é só do país, mas da sociedade em si. Se você não tem dinheiro para comprar um objeto íntimo quem dirá comprar um pão, arroz”, apontou. 

Ao falar do um ano do programa destacou ser um tempo em que se vem tratando das questões da segurança alimentar, um ano da violência contra a mulher, das ajudas, da cultura negra dentro do RS, do turismo que o RS traz e que poucos sabem, da luta pelo Mercado Público, pela valorização do Bará do mercado. “Um ano que o Fonsanpotma/RS vem lutando e continuará lutando. As pessoas precisam saber que temos um legado, as pessoas precisam conhecer a história do povo tradicional de matriz africana”, salientou. 

 
Programa Terra, Território e Territorialidade - Retrospectiva de Aniversário Coordenação de Mulheres Fonsanpotma RS

Programa Terra, Território e Territorialidade organizado pela coordenação de mulheres do Fórum de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana do Rio Grande do SUL (Fonsanpotma/RS), numa frutífera parceria com o Brasil de Fato e a Rede Soberania. As lives serão quinzenais e conduzidas pela sabedoria e conhecimento das Iyalorixás “Sagradas Mulheres Águas, a Tradição que Alimenta e não violenta”. *O tema da Live do dia 24/7 é uma comemoração de um Ano, onde abordamos diversos temas e realizamos inúmeros encaminhamentos e com isso faremos uma Live de “Retrospectiva de Aniversário Coordenação de Mulheres Fonsanpotma RS” Mediadora - Iyá Vera Soares d'Oyá da Nação Oyó Povo Yorubá. Iyalorisá do Centro Memorial de Matriz Africana 13 de Agosto. Coordenação Nacional de Mulheres do Fonsanpotma. Executiva do Fonsanpotma RS. Conselheira do CONSEA RS. Membro da Anlu/ MNU. -RS. Performance Musical TATÁ CRISTALINA - Educadora, terapeuta e artista. Participação: DENISE MANTOVANI – jornalista, doutora em ciência política, ativista feminista da Marcha Mundial de Mulheres. IYA FABIANA- Assessoria da Coordenação de Mulheres de Viamão e Coordenação de Articulação Política Estadual, Professora, Designer de Moda Alásè VIVIANE NEVES - Cacique de Umbanda, Gestora de Recursos Humanos. ITANAJARA ALMEIDA - Filha de Oxum, filha de Ledia, mãe do Douglas, avó da Antonella* Afro empreendedora, Coord. executiva Fonsanpotma Porto Alegre, Coord. Financeira Fonsanpotma RS e Assessoria técnica de finanças Fonsanpotma Nacional, Vice presidente Odaba, Conselho Consea, Conselho do Povo Negro POA. IYA NARA DE OXALÁ – Yalorixá integrante da Coordenação de ancestralidade do Fonsanpotma/RS, coordenadora do Projeto “Quem tem pouco ajuda quem não tem nada” e co-vereadora do mandato coletivo Vamos Juntas, com Reginete Bispo (PT) ALESSANDRA FLYVER - Jornalista, coordenadora de comunicação do Fonsanpotma/Porto Alegre e do RS; Editora chefe do blog Rede Brasil Voz da Comunidade; presidente da Assessoria de Imprensa Ação e Expressão.

Posted by Brasil de Fato RS on Saturday, July 24, 2021

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Edição: Katia Marko