O trabalho em dobro para manter a segurança e garantir a qualidade do ensino na pandemia deixa pais, educadores, alunos e gestores em alerta e interfere no processo de ensino e aprendizagem
Passados mais de dois meses desde que o Rio Grande do Sul retomou as atividades presenciais de ensino no momento mais agudo da crise sanitária, quando começavam a ser identificadas novas variantes do coronavírus, diante do ritmo lento da imunização e do avanço da pandemia, o cenário ainda é de muita preocupação.
Em 3 de maio, quando as escolas reabriram, a vacinação de trabalhadores da educação, hoje em avanço, não passava de promessa, e, diante do quadro, educadores, servidores e alunos não ficaram incólumes às estatísticas, embora baixas, de contaminação pela covid-19. Ao longo desse período, a comunidade escolar vem driblando dificuldades, angústias e se adaptando para manter a rotina o mais próximo da normalidade.
Pelo último levantamento da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), divulgado no começo de junho, 1.118 pessoas foram infectadas entre as mais de 2,2 mil instituições em funcionamento.
Desse total, foram 564 educadores, 121 servidores e 433 alunos, “casos isolados”, segundo a secretária Raquel Teixeira. Enquanto os números não são atualizados, relatos de contaminação seguem chegando às entidades representativas da educação.
Contágios em escolas municipais, comunitárias e privadas
Na Capital, o mais recente boletim da situação da covid-19 nas escolas foi publicado em 15 de junho, com base nos formulários de monitoramento das instituições de ensino. Na semana epidemiológica de referência (30 de maio a 5 de junho), houve 40 casos positivos em escolas municipais, comunitárias e privadas. Nesse período, a prefeitura contabilizou mais de 37,6 mil alunos e cerca de 9 mil professores e funcionários em atividade presencial.
De acordo com a presidente do Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers-Sindicato), Helenir Schürer, o retorno ocorreu de forma arbitrária, em função do quadro da pandemia no RS, o qual já ultrapassou mais de 1 milhão de contaminados e a triste marca de 30 mil mortos.
“Mantemos a preocupação, apesar do início da vacinação da categoria e de os pais terem atendido ao nosso chamado e enviado poucos alunos à rede pública. O que fizemos, desde então, foi reforçar as informações às escolas, acompanhar o cumprimento de protocolos e colocar à sociedade que esse retorno não ocorreu em momento adequado”, salienta a dirigente.
A diretora do Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro/RS) Cecília Farias destaca que a categoria começou 2021 sob forte pressão para a retomada das atividades presenciais, embora a entidade considere o cenário desfavorável.
“Tivemos o agravamento da pandemia a partir de fevereiro, e não houve melhora significativa. A situação até pode ter estabilizado um pouco, mas em patamar muito alto. Por isso, fizemos um movimento de resistência muito forte à retomada”, enfatiza.
No entanto, em meio à batalha de liminares e processo de mediação judicial, o governo estadual publicou decreto liberando as escolas, no final de abril, e, com o início da imunização dos profissionais da educação, na primeira semana de junho, a campanha contra a retomada perdeu força.
“Este Termo de Compromisso responsabiliza Sinpro/RS e Sinepe/RS pela fiscalização do cumprimento dos protocolos sanitários. A vacinação dos professores foi um grande avanço no enfrentamento do covid-19, mas são fundamentais esses cuidados”, alerta Cecília.
Conforme ela, há poucos relatos de contaminação nas escolas privadas e, de forma geral, obediência aos protocolos.
Contudo, a condição de liberação da totalidade de alunos em sala de aula preocupa, junto com a falsa sensação de normalidade que veio com a imunização.
Uma das coordenadoras do grupo Direito ao Ensino Não Presencial na Pandemia, a advogada Cassiana Lipp reforça o alerta para os riscos da reabertura das escolas neste momento.
“As escolas estão abertas, mas não de uma forma segura. É por isso que se tenta minimizar eventuais casos de covid-19. Continuamos pleiteando para que os pais, que possam, permaneçam com os filhos em casa, pois o risco existe e é alto”, aponta.
Mediação e mais rigor nos protocolos sanitários
Em 14 de junho, o judiciário encerrou a mediação sobre a volta às aulas, propondo um acordo com os sindicatos de professores e das instituições de ensino privadas. O documento reforça o compromisso de alertar a comunidade escolar dos riscos e da necessidade de rigor com as medidas de proteção e procedimentos diante de suspeitas e contágios. O Cpers-Sindicato não havia firmado o acordo até o final de junho.
Professora de Biossegurança da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Melissa Markoski reforça que a retomada das aulas ocorreu em um período adverso. Entretanto, pondera que o cumprimento de protocolos parece ter contribuído para que os índices de contaminação não fossem alarmantes. “De positivo, há o registro de que não ocorreram óbitos relacionados à retomada das aulas. Além disso, nas últimas seis semanas, os casos de covid nas escolas não chegaram a assustar”, avalia.
Melissa comenta, porém, que a chegada do inverno pede atenção à circulação de ar nas salas e reforço ao distanciamento e uso de máscaras bem ajustadas.
“A orientação é para que se mantenha a boa circulação de ar, com janelas abertas, mesmo com uso de ar-condicionado. E quando os alunos não estiverem em sala, o ideal é provocar o deslocamento do ar, ligando ventiladores e mantendo janelas e portas abertas”, justifica.
Dificuldades com a rotina de enfrentamento à covid-19
Três professoras de diferentes instituições de ensino expressam suas percepções sobre os desafios da docência neste novo momento em sala de aula – com a condição do anonimato.
Uma delas, docente de Língua Estrangeira de uma tradicional escola privada da Capital, relata que os protocolos de enfrentamento à pandemia têm sido seguidos à risca, e que não houve contaminação no grupo. Lecionando para adolescentes, ela cita, no entanto, a resistência em manterem o distanciamento, e conta que, mais do que se adaptar a medidas como dar aula de máscara e com uso de microfone, tem dificuldade é com a nova rotina de ensino.
“Está tudo muito diferente, a aula virou uma palestra, sem participação dos alunos nem interação com os que estão em casa. Estamos nos adequando, mas é um jeito muito diferente de ensinar”, desabafa.
Outra educadora, de uma escola pública da Região Metropolitana, reclama da falta de testagem, mesmo após contaminação de funcionários. Também revela que, apesar de as salas serem higienizadas a cada troca de turmas, terem álcool gel e adotarem o distanciamento adequado, as máscaras oferecidas não são de boa qualidade. A falta de fiscalização na escola, onde há casos de colegas com máscara no queixo, também é relatada. “Precisamos trabalhar, mas tem ainda muito descaso e falta de cumprimento dos protocolos”, alerta.
Apesar da angústia com o retorno presencial, uma professora da educação infantil ressalta que a adequação às medidas preventivas já foi incorporada à rotina. Segundo ela, houve apenas casos isolados de contaminação na escola, e os alunos se adaptaram rapidamente. “O que mais sentem é falta de compartilhar brinquedos e objetos, o que está totalmente proibido”, acrescenta.
Edição: Extra Classe