Diversas entidades brasileiras e da América Latina estão organizando este ano atividades para lembrar o centenário de Paulo Freire. O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), além de integrar iniciativas de universidades e organizações populares, está realizando uma jornada específica com o objetivo de enraizar o pensamento do educador no movimento.
Segundo a integrante da coordenação nacional do MST e coordenadora político-pedagógica da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), Rosana Fernandes, estão sendo desenvolvidas várias ações nas frentes de arte, cultura, nos debates, nas reflexões sobre o legado de Paulo Freire, no curso da Realidade Brasileira, sobre a obra Pedagogia do Oprimido.
Além disso, ela destaca a iniciativa de construir uma simbologia nos centros de formação, escolas, espaços comunitários, especialmente nos assentamentos, com a entrega de bustos de Paulo Freire. “A ideia foi inspirada pelo busto de José Martí, em Cuba, por respeito, por acreditar nesse legado e no seu pensamento. É uma obra de arte, mas que significa Paulo Freire vivo, vivo nas nossas ações, vivo nas nossas práxis. Então essa iniciativa é uma forma de homenageá-lo, ao mesmo tempo de reafirmar o nosso compromisso com a educação popular, e com o legado de Paulo Freire”, afirma.
30 anos da visita do educador
O primeiro busto foi entregue no assentamento Conquista da Fronteira, em Hulha Negra, no Rio Grande do Sul, no dia 26 de maio, quando foi inaugurado o Bosque Paulo Freire na Escola 15 de Junho. Conforme Rosana, a escolha foi para marcar os 30 anos da visita do educador a um assentamento do MST. “Esse assentamento representa um dos territórios onde Paulo Freire esteve presente com todas as condições adversas para chegar lá, estrada de chão, chuva, falta de infraestrutura para acolhê-lo naquele dia 25 de maio de 1991”, recorda.
Naquele dia, era inaugurado o primeiro projeto de alfabetização de trabalhadores/as assentados e acampados do MST. “Então essa simbologia de colocar o primeiro busto neste assentamento, onde tem uma escola de educação básica, e alguns educadores estavam presentes no dia que Freire esteve no assentamento, é bastante significativa.”
“Paulo Freire veio de coração aberto, desarmado e cheio de esperança para encontrar e ouvir os jovens, corajosos e dispostos a fazerem, 26 anos depois, um pouco daquilo que ele sonhava ter feito na década de 1960, um sonho interrompido pela ditadura. Muitas pessoas o aguardavam ansiosas para vê-lo, abraça-lo e ouvi-lo”, afirmou a educadora popular Isabela Camini, durante o Ato Político-Cultural Viva Paulo Freire: Um Educador do Povo.
Segundo Isabela, em uma mensagem deixada após a visita ao assentamento, Paulo Freire reconhece na organização do MST a potencialidade para enfrentar a pobreza e tornar os Sem Terra herdeiros no sonho de alfabetizar a nação, por meio da conscientização, pelo diálogo e amor à humanidade.
Rosana destaca que o movimento seguirá durante todo o ano encaminhando os bustos para os demais estados. “Vários assentamentos e escolas estão encomendando. Queremos organizar as místicas, a reflexão sobre o legado de Paulo Freire com as nossas famílias, com os nossos sem-terrinha especialmente. Carlos Rodrigues Brandão, um educador popular reconhecido nacional e internacionalmente e amigo do MST, escreveu um caderno sobre a biografia de Paulo Freire, especialmente para as crianças sem-terra, “O menino que lia o mundo”. Então vamos com o busto de Paulo Freire retomar, reafirmar, enraizar o seu legado.”
Bustos foram criados por Murilo Sá Toledo
A criação dos bustos de Paulo Freire ficou nas mãos do escultor Murilo Sá Toledo, de Santana de Parnaíba, em São Paulo. Rosana diz que a relação do MST com o artista plástico já vem de alguns anos, a partir de obras que ele produziu para o movimento e de sua afinidade com as ideias e lutas do MST e defesa da reforma agrária, o que acontece com muitos artistas de diferentes áreas.
“O escultor Murilo Sá é uma expressão do que nós consideramos um artista popular, um artista que defende e produz as suas obras vinculadas às questões sociais, dos povos indígenas especialmente, dos povos negros, da resistência de lutadores e lutadoras que deixam legados históricos na nossa história brasileira particularmente.”
Murilo é conhecido por suas esculturas figurativas e obras públicas, como o monumento em homenagem a Frei Agostinho de Jesus (defronte ao antigo convento beneditino) e o monumento aos “Bandeirantes” (série de 30 esculturas) ambos em sua cidade natal, também é autor da escultura oficial do Apóstolo São Paulo, Padroeiro da Cidade de São Paulo localizada na Praça da Sé. O artista trabalha principalmente com cerâmica e bronze.
Seu ateliê localizado na cidade de Santana de Parnaíba concentra fragmentos de obras que já foram fundidas, como cabeças de personagens da história dos bandeirantes paulistas e estudos de obras sacras. Ao adentrar em seu ateliê um pouco rebaixado no declive do terreno de sua chácara, inicia-se uma entrada ao mundo onde a terra, argila tornam-se presentes no ar que se respira.
Ao ser convidado para criar o busto, Murilo afirma que sentiu a importância de ressaltar a imagem de Freire nesse momento que o Brasil tá passando. “Freire é atacado injustamente, um verdadeiro preconceito, um conceito de quem realmente não conhece o Paulo Freire e as suas ações. Mas isso eu já percebo que existe desde Cristo. Numa semana colocaram as roupas pra Cristo passar, na outra falaram para crucificar. A massa muitas vezes não tem razão aí ela fica sendo manipulada por ideias que parecem ser mais fáceis de ser assimiladas. Mas o que fica é a verdade, eu acredito muito nisso”, ressalta.
“Paulo Freire está nos corações e mentes das pessoas”
Murilo conta que seu processo de criação é sempre do mesmo jeito. “Eu peço a Deus sabedoria, e gosto de ler sobre a vida da pessoa, olhar os vídeos, observar através de pequenos atos qual é a personalidade da pessoa, o jeito, e o que ele mais representava, a imagem dele.”
Segundo o escultor, Freire acreditava que a educação era a chave da evolução pessoal da estima e do desenvolvimento humano. “Eu percebi que ele, do jeito dele, parecendo até de uma certa forma uma pessoa delicada, suave, era firme e constante, e tinha uma esperança de defender a sua ideia até o final da vida. Por isso, eu me inspirei na esperança, na confiança, nessa certeza de defender até o final aquilo que ele acredita não como uma alienação, mas como conhecimento da verdade.”
Murilo trabalha como escultor há mais de 20 anos com obras por encomenda. Ele destaca que foi um grande prazer fazer um busto de uma pessoa que considera muito relevante, “e que não morre, ela fica nos corações, nas mentes das pessoas, como uma luz pra conseguir enxergar a perspectiva de outra forma sem exagero, isso eu acho importante, são balizadores. E a escultura, independente que seja eu que faça, ela ajuda a perpetuar através da imagem, a lembrar como um quadro de uma pessoa falecida na nossa casa, você vai perpetuando para gerações alguém que realmente mereceu ser perpetuado”.
Além disso, ressalta que sempre admirou o MST pela passividade e por lutar por aquilo que acredita. “Eu costumo dizer que nunca vi um dono de fazenda dar um metro de terra pra qualquer caseiro... Eu acredito que se não reivindicar não se faz a justiça da Constituição, porque a reforma agrária é uma questão de lei. É preciso se unir e correr atrás dos direitos de todo mundo ter o seu chão, sua terra, as mínimas possibilidades pra concorrer com mais igualdade, porque se não fica muito injusto um aleijado correr com uma pessoa normal, que é o que acontece.”
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Edição: Marcelo Ferreira