A perspectiva de instalação do processo de impeachment contra o presidente tende a crescer
Muitos setores de direita perceberam o beco sem saída onde o bolsonarismo os jogou. O último recurso retórico de defesa de Bolsonaro, de que seria um governo incorruptível, se desmanchou feito escultura de gelo ao sol.
A CPI da Pandemia já havia cumprido um papel de relevância ao sistematizar um conjunto de evidências demonstrando que o governo Bolsonaro planificou uma ação baseada na negação do conhecimento, na desinformação e diversionismo, na distribuição de medicamentos ineficientes, na sabotagem ao isolamento social e na obstrução à vacinação.
Mas havia uma lacuna a ser preenchida. Qual a motivação para uma política tão desastrosa? Tão contrária a valores básicos, modernamente óbvios e primários como o direito à existência e ao respeito?
Partes das motivações já eram mais evidentes. Algumas estão baseadas na rejeição prévia à igualdade e à reparação sobre as injustiças históricas, à ideia de diferentes supremacias como as raciais e as de classe. Essas motivações, no entanto, estão localizadas no campo da ideologia.
Também identificamos motivações no campo da economia. O vínculo de Bolsonaro com o agronegócio e setores empresariais periféricos, como o comércio de importações de quinquilharias, deu sustentação a uma política econômica assentada fortemente na redução do custo do trabalho através da redução e flexibilização de direitos trabalhistas e na liberação total ao desmatamento e ao uso de venenos agrícolas. Bolsonaro utilizou a catástrofe, que ele ajudou a concretizar, como contexto favorável para implementar medidas contra o emprego e os salários. Uma espécie de picada por onde passa a boiada. Hoje, do ponto de vista das relações do trabalho e da agregação de valor e inovação tecnológica, o Brasil regrediu aos primórdios do capitalismo.
Mas ainda assim faltava a revelação de mais alguma motivação. Sem ela a explicação parecia inconclusa. Faltava revelar-se uma explicação no campo tático-operacional. Uma razão que mobilizasse materialmente, no dia a dia, nos aspectos comezinhos dos interesses, a elite política e burocrática do bolsonarismo.
Faltava. Não falta mais. As denúncias dos irmãos Miranda, personagens do mundo bolsonarista, sobre captação de propina na compra da vacina indiana Covaxin, envolvendo ministros, ex-ministros e o líder do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados, completam as informações necessárias para compreendermos as motivações do bolsonarismo.
A perspectiva de instalação do processo de impeachment contra o presidente tende a crescer daqui por diante, caso setores periféricos da base do governo Bolsonaro se desloquem e estabeleçam nova correlação de forças no interior da CPI e do Congresso Nacional. Não me surpreenderia se o fizessem. Menos motivados por qualquer código moral de posturas e mais por se reposicionar na arena política ao perceberem que o barco está afundando. Muito dos setores de direita tradicional começam a cogitar o impeachment como forma de realinhar o tabuleiro das eleições de 2022. Retirando Bolsonaro da disputa, apostariam que o amplo espaço conservador seria ocupado por uma nova alternativa, que garantisse retorno ao centro do governo dos setores empresariais tradicionais e vinculados ao rentismo.
O problema para esses setores é “controlar todas as variáveis”. As pesquisas de opinião continuam a indicar a estabilização em alta da candidatura do ex-presidente Lula. O que pode sugerir que a hipótese da retirada de Bolsonaro da disputa e sua substituição por uma alternativa de direita centrista venha a ser ineficaz.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko