A morte de José Paulo Bisol, hoje (26), não serve apenas para dizer que uma personalidade superior se foi. Sua partida também joga luz na decadência da qualidade da representação política do Rio Grande do Sul. Houve época em que, à direita e à esquerda, o estado colocava protagonistas no palco da política nacional. Recuando-se no tempo, vale lembrar Getúlio Vargas, João Goulart, Leonel Brizola. Sob a tirania civil-militar de 1964, surgiram Paulo Brossard e Pedro Simon. Na redemocratização foi a vez de Dilma Rousseff, Antonio Britto, Tarso Genro, Olívio Dutra e novamente Brizola. Bisol é desta última leva.
Hoje, no lugar de Bisol, quem atrai as atenções no Senado é um ex-deputado obscuro chamado Luiz Carlos Heinze, de apelido Rancho Queimado e Tio da Cloroquina, que opera mais propriamente no segmento de diversões públicas do que da política. Na Câmara, a pior da história da República, refulge Bibo Nunes, outra obra-prima picaresca enviada pelo Rio Grande para aquele teatro de variedades.
No Senado, ao qual chegou via PMDB, que trocou pelo PSB para ser vice de Lula em 1989, Bisol foi figura central nas CPIs de Collor e dos Anões do Orçamento. Assumiria novamente a vice de Lula em 1994, da qual se afastaria após campanha demolidora dos jornalões que o criminalizaram por conta de emenda ao Orçamento que, supostamente, beneficiaria uma propriedade rural sua - o inquérito seria simplesmente arquivado pela Justiça, mas o estrago já fora feito.
Bisol voltaria à cena como secretário estadual de Segurança do governo Olívio Dutra (1999-2003). De imediato, comunicou à Brigada Militar que a prática de perseguir e executar sumariamente qualquer pessoa que matasse um policial estava acabada. Valeria a lei. Depois, em um programa de televisão, declarou que havia alto nível de corrupção na Polícia Civil. Foi fulminado por três processos diferentes movidos por 141 delegados, alegando dano moral. Bisol derrotou todos eles.
Ainda como secretário, em 2002, terminou com final feliz um sequestro que já durava 27 horas no centro de Porto Alegre. Entrou na van onde o sequestrador fizera nove reféns e o abraçou, convencendo-o a se entregar. “Mas eu já sabia que ele era doente. Como não ia abraçar um doente?”, explicaria depois em entrevista ao jornal Sul21 em 7/5/2017.
Seu assassinato de reputação na campanha de 1994 custaria caro aos donatários das capitanias hereditárias da informação. O ex-senador levou vários deles, entre os quais o grupo RBS, às barras do tribunal e colheu polpudas indenizações por calúnia, injúria e difamação.
Com a RBS, porém, o relacionamento nem sempre foi de conflito. Na afiliada da Rede Globo, fez carreira apresentando com Balala Campos, o programa TV Mulher nos anos 1980. Mas, ao contrário da imensa maioria dos nomes ejetados às campanhas eleitorais pelo conglomerado da família Sirotsky - Lasier Martins, Ana Amélia Lemos, Yeda Crusius, Sérgio Zambiasi e Antonio Britto entre outros - Bisol nunca rezou pela catecismo neoliberal da empresa. Pode-se dizer que nunca se dobrou em troca do microfone ou das luzes do estúdio. Nunca negociou suas convicções.
Manteve-se à esquerda, mesmo com críticas pontuais aos seus antigos companheiros de jornada. Nas últimas décadas, retirara-se para Osório, no litoral gaúcho, com a esposa Vera. Com o avanço da idade vieram o diabetes e a insuficiência renal crônica, além dos problemas cardíacos e respiratórios que o levaram. Queixava-se de não poder mais ler, seu maior prazer. O corpo estava muito debilitado pela doença, mas a alma estava intacta.
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Edição: Katia Marko