A Comissão de Segurança e Serviços Públicos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul realizou, nesta quinta-feira (17), uma audiência pública para tratar da PEC 32/2020, que dispõe sobre a reforma administrativa proposta pelo governo federal, que afeta também estados e municípios. Solicitada pela deputada estadual Luciana Genro (PSOL), o encontro debateu os impactos que a reforma trará para os servidores, e especialmente para o serviço público e a sociedade como um todo.
“A PEC 32 vem sendo apresentada como uma alternativa de enxugamento de gastos públicos e eficiência na prestação de serviços, mas isso é uma grande mentira. O Tribunal de Contas da União corroborou os números apresentados pela Auditoria Cidadão da Dívida e o grande problema da dívida pública não é o quadro funcional” afirmou Luciana Genro. Para a parlamentar, a reforma busca precarizar os serviços, privatizá-los e tornar as políticas públicas fonte de lucro para as empresas privadas, ampliando o desamparo da população que não terá acesso a serviços de saúde, educação e segurança.
Para o assessor da Frente Parlamentar Mista do Serviço Público e um dos painelistas da audiência, Vladimir Nepomuceno, a urgência que move o governo para aprovar a PEC 32/2020 não se trata de reforma administrativa, mas de fragilizar a estrutura do Estado brasileiro. “A proposta da PEC é simples, o que puder dar lucro, favorecer o mercado e empresas, entrega aos coronéis patrimonialistas”, afirmou.
De acordo com Nepomuceno, a base da proposta governista está no artigo 37-A, da Constituição Federal, que permite às empresas privadas assumirem espaços na administração pública. “Dizem que estamos a caminho da administração pública do século 21, mas com práticas do final do século 19 e início do século 20. Isso significa voltar 47 anos atrás, quando a ditadura militar tirou quase a totalidade do funcionalismo público da cobertura de um estatuto próprio, jogando todos para a CLT. Não vemos nada de moderno! Vamos ter saúde, educação para quem puder pagar. No momento que a população é afastada dos seus direitos, o servidor não poderá exercer suas funções como deveria e boa parte do dinheiro que deveria ser investido na estrutura do Estado, será direcionado para a iniciativa privada. Nossa função é esclarecer que ninguém está livre dessas mudanças, caso se concretizem. Atinge as três esferas, os três poderes e a população,” expôs.
Na avaliação da coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida Pública, Maria Lúcia Fattorelli, a PEC 32 é uma forma de garantir a terceirização e a privatização de forma generalizada para todas as categorias. Conforme pontuou, o que onera os cofres públicos não é o funcionalismo, mas o gasto de mais de 40% do orçamento todo ano com os juros de uma dívida que já está paga.
“A proposta da PEC traz uma falsa alegação de que o problema das contas públicas estaria no gasto com os servidores e isso é mentira. Aqueles que recebem acima do teto, que estão no topo, membros de poder, estão fora da reforma. Mentem ao dizer que tem excesso de servidores, número que tem caído em termos gerais e em relação a população. Essa PEC coloca no horizonte o fim dos serviços públicos, gratuitos, universais, prestados de forma competente pelo funcionalismo,” apontou Maria Lúcia.
Em sua explanação ela explicou que o objetivo da Recuperação Fiscal é corrigir os desvios que afetam o desequilíbrio das contas públicas, mas que faz o contrário. “Não é enfrentado o que provocou o desequilíbrio, que foi a dívida refinanciada pela União que subtraiu, de 1998 a 2019, R$ 30 bilhões do RS. Dos R$ 10,4 bi financiados à época, quase R$ 3 bi eram de passivos do Banrisul e virou dívida do estado (de R$ 7,8 bi passou para R$ 10,4 bi). O RS já pagou R$ 30 bi mas na atualização da dívida a conta está em R$ 67 bi, ressaltando a importância da auditoria para fechar as contas. Soma-se a isso as perdas do estado com a Lei Kandir, R$ 50 bi, que o estado receberá menos de 10% escalonado em 18 anos e não terá mais ressarcimento de novos créditos.”
Por sua vez, a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL) destacou a importância da mobilização dos servidores de forma a pressionar os deputados para que essa Emenda Constitucional não seja aprovada. Lembrou ainda que os ataques aos trabalhadores acontecem há um certo tempo e a lógica da privatização permeia toda essa proposta.
“A PEC abre margem para que qualquer cargo da administração pública seja ocupado por cargo comissionado. Ela não só não faz economia, como a previsão do Senado é que pode resultar em gastos de até R$ 1 trilhão em cargos de confiança. Essa é a PEC da República Velha, da rachadinha, da corrupção, do desmonte do Estado brasileiro e da facilitação de negócios espúrios,” criticou a parlamentar.
Movimentos unificados na luta
Além dos painelistas, servidores de diversas entidades participaram da audiência pública. Eles trouxeram suas demandas e preocupações frente à possibilidade de aprovação da PEC 32. Em suas falas, os manifestantes reforçaram os prejuízos do projeto.
Representando o Afocefe Sindicato, Altair Rech Ramos reafirmou que esse é um momento de dificuldade não somente para os servidores, como para toda a população, já que essa foi uma proposta feita de cima para baixo e não contempla nenhum setor senão o privatista.
Para Filipe Costa Leiria, presidente da União Gaúcha em Defesa da Previdência Social, a Constituição está sendo "carcomida por baixo", ficando praticamente uma carcaça. “Esse processo inicia com a Emenda do Teto dos Gastos, repercutindo na Reforma Trabalhista do setor privado e chegamos, agora, nessa proposta. No campo da Previdência nós temos um olhar muito atento aos efeitos da PEC 32, em especial o fato dos regimes jurídicos serem colocados em extinção, trazendo uma série de aspectos negativos,” ressaltou.
Amauri Perusso, presidente da Federação das Entidades dos Servidores dos Tribunais de Contas, chamou a atenção para a dívida pública, apresentada como justificativa do governo para aprovar essa PEC. Amauri disse que as instituições públicas têm que assumir a verdade de que R$ 1 trilhão foi esterilizado de setores públicos para um setor que nada produz através do mecanismo da dívida pública.
Representando a Associação das Defensoras e Defensores Públicos do RS, Maína Pech assegurou que mais do que preservar a Defensoria, instituição tão importante, é urgente preservar a educação, o SUS, os psicólogos que atendem pelo CAPS, a autonomia dos fiscais do meio ambiente, a liberdade da assistente social. “É uma luta por dignidade que atravessa essa proposta que vai atingir não só servidores, mas também os usuários destes serviços”, realçou a defensora pública.
Para Aires Ribeiro, da Confederação Nacional dos Servidores Públicos Municipais, o sucateamento do funcionalismo e a diminuição do Estado vão na contramão das demandas da população. Sabrina Oliveira Fernandes, do Sindicato dos Servidores da Procuradoria Geral do Estado, reafirmou que diante disso é mais do que necessária a mobilização do funcionalismo, mas também da comunidade, os usuários desta infinidade de serviços públicos que hoje é oferecida.
Representando o CEAPE, Josué Martins afirma que o debate não se trata de uma questão corporativa, mas de uma reversão neocolonial da economia brasileira e também dos direitos, já que é um claro desmonte da Constituição. “Ao desestruturar o Estado, impedindo que se controle o principal da riqueza, permite-se uma superexploração da economia e do trabalhador,” explica.
Para Luis Fernando Alves da Silva, presidente da Associação dos Servidores da Justiça, agora seria o momento de discutir pacto federativo, repartição das receitas nas devidas esferas do poder e não uma PEC como essa. Ele destacou que o serviço público não foi deteriorado por completo porque tem servidores que levam como missão fazer um trabalho de qualidade à população.
O Diretor do Sindifisco nacional, Marcos do Carmo Assunção, afirmou que essa proposta de Emenda Constitucional parece tentar desvincular o serviço público do servidor público, do trabalhador que garante o funcionamento de diversos setores. Ele afirmou que ainda que se essa reforma atendesse a algum anseio, esse não seria o momento para discutir essa pauta.
Representante do Sintergs, Ângela Antunes lembrou que o sindicato tem um papel fundamental nas mobilizações para conscientização da sociedade, bem como no trabalho de base, unificando as ações que podem derrubar a PEC 32. Sugeriu, ainda a construção de uma frente ampla de entidades para massificar a campanha contra mais esse ataque ao funcionalismo.
Já Fabiano Salazar, do Sindjus RS, assinalou que se a reforma passar tudo vai piorar, desde acessar saúde, educação, e segurança a justiça. Afirmou que PEC 32 representa o desmonte do estado social que foi adquirido a duras penas na Constituição de 88 e vem se deteriorando.
Pela Intersindical, Berna Menezes apontou se essa reforma for aprovada, a luta política pelos direitos dos trabalhadores e também pelas melhorias do serviço público estará com os dias contados. Falou da perseguição política vivida pelo técnico administrativo e sindicalista Rui Muniz, que também estava na audiência e reiterou a necessidade de barrar essa tentativa de reforma que vai desmontar, ainda mais, o serviço público.
Representando a Assufrgs Sindicato, Rui Muniz disse não ser possível que se continue admitindo não só o extermínio do Estado, como também do povo, com a miséria crescente e o desemprego. “A pandemia pode matar, mas isso é um assassinato fomentado por esse governo. O que está acontecendo na UFRGS hoje se sustenta nessas ações de autoritarismo e rompimento com a democracia”, finalizou.
No final do debate, a deputada e as 21 entidades de servidores públicos nacionais, estaduais e municipais presentes anteciparam a unificação das ações de esclarecimento sobre a PEC 32/2020 e seus propósitos. Em especial para alcançar as bases eleitorais dos deputados federais, buscando informar a população para que pressionem contra a aprovação dessa reforma na Câmara Federal.
Também convidaram para os atos deste sábado, 19 de junho, em Porto Alegre e diversos municípios gaúchos, de protesto contra a política genocida do presidente Jair Bolsonaro na condução da pandemia, que se aproxima de 500 mil mortos no país, e para dar visibilidade aos propósitos desse governo com o desmonte dos serviços públicos.
*Com informações da Assembleia Legislativa e Assessoria da deputada Luciana Genro.
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Edição: Marcelo Ferreira