Rio Grande do Sul

Entrevista

Movimento Independente 50-50 celebra um ano de existência

Advogada e uma das coordenadoras do MI 50-50, Denise Argemi explica como surgiu e os objetivos do movimento

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Movimento tem uma coordenação exclusivamente feminina, o que é intencional, já que o protagonismo é das mulheres - Divulgação

MI 50-50 completa um ano de existência nesta quinta-feira (17) . Ele nasceu a partir da insatisfação de advogadas com o objetivo de lutar para que mulheres e pessoas negras estejam em espaços de decisão nas instituições. Um destes espaços é a presidência da OAB RS, nas subseções e na nacional. 

Após um ano, mulheres e homens de todas as formações, pessoas negras e não negras, pertencentes e não pertencentes ao mundo jurídico, participam da iniciativa que se assume como um movimento social: feminista, antirracista e não homofóbico.

“Quando o Movimento Independente 50-50 foi criado, não pensávamos no alcance das nossas ideias de igualdade de gênero, de raça e de etnia e o quanto este movimento mudaria o curso das nossas vidas e a de outras pessoas”, afirma uma das coordenadoras, a advogada Denise Argemi.

Segundo ela, não se pode falar em democracia real nem em exercício pleno da cidadania, enquanto classificarmos as pessoas pelo seu gênero, pela sua raça e cor, pela sua etnia ou pela sua orientação sexual. “Todos devem ser considerados humanos, como de fato somos. Não estamos, nenhuma ou nenhum de nós abaixo da linha da humanidade como por séculos temos sido considerados. A nossa proposta, enquanto movimento social, é trazer a reflexão para toda a sociedade de que no século XXI não se pode mais viver e conviver com rótulos antigos e clichês que há muito deveriam ter sido superados.”

Confira a íntegra da entrevista com Denise Argemi, advogada, Especialista em Direito Internacional Público, Privado e da Integração pela UFRGS, Mediadora e Conciliadora no TJRS.

Brasil de Fato RS - O Movimento Independente 50-50 de advogadas gaúchas completa 1 ano nesta quinta-feira (17). Quais foram os principais desafios e conquistas neste período?

Denise Argemi - Os principais desafios foram, primeiro reunir a Advocacia gaúcha em torno das nossas propostas. Porém, pelo cenário brasileiro atual, pautas identitárias estão fadadas a permanecer no nicho onde são criadas. O próprio capitalismo e o patriarcado têm mecanismos de defesa que blindam proposituras de igualdade e abertura de espaço para as minorias. Minorias essas que quantitativamente são maiores do que o número de pessoas que fazem as políticas públicas, as leis e as executam. Também no Judiciário não é diferente, a ausência ou um número inexpressivo de mulheres e pessoas negras neste poder “moldam” de certa forma as decisões.

Segundo, demonstrar que enquanto minorias temos competência e expertise para ocupar todos os espaços, inclusive os de maior relevância como presidência e diretorias, não só da OAB, mas de qualquer instituição. Terceiro, despertar o desejo de protagonismo e superar temores inculcados pela própria sociedade estruturada no patriarcado, sobre nós, que sempre fomos excluídas dos cargos e funções onde se pode exercer poder discricionário e decisional. E por fim, encontrar alternativas assertivas e positivas para vencer a resistência de pessoas conservadoras, machistas (mulheres, tantas, muitas - e homens), racistas e homofóbicas.

BdFRS – O movimento nasceu com o objetivo de lutar para que mulheres e pessoas negras estejam em espaços de decisão nas instituições. Um destes espaços é a presidência da OAB RS, nas subseções e na nacional. Como foi se deu esse debate neste 1 ano?

Denise - O debate tem sido profícuo e positivo. Constatamos que efetivamente milhares de pessoas não se sentem pertencentes às instituições, em especial as mulheres, negras e não negras, as pessoas negras e as indígenas. Permanecemos com o objetivo de trazer relatos de vida de pessoas, através de entrevistas virtuais postadas em nossas redes, que sejam “espelhos positivos” para quem ainda pensa que não pode participar ou que “aceita” as portas que se fecham, visando uma ampla reflexão perante a realidade em que vivemos. Podemos e devemos participar e contribuir.

Estamos articulando com diversos movimentos nacionais de mulheres (de advogadas e não advogadas) e irmãs e irmãos negros para trazer à luz as nossas pautas, colocar em evidência que queremos e devemos ser protagonistas das nossas trajetórias profissionais dentro e fora das nossas instituições, bem como criar um ambiente positivo e efetivo para podermos transpor essas barreiras, quase sempre invisíveis, mas muito tangíveis, que nos impedem de ter acesso ao exercício da cidadania e do poder.

Em 2021 haverá eleições na OAB em todo o Brasil: no CFOAB – Conselho Federal da OAB, atualmente Felipe Santacruz é o nosso presidente, em todas as Seccionais (Estados da Federação e DF) e nas Subseções (municípios onde existe a OAB).

BdFRS – O 50-50 foi criado por um grupo de advogadas gaúchas de Espumoso, Itaqui, Júlio de Castilhos, Porto Alegre e Uruguaiana. Como surgiu a proposta?

Denise - Na noite de 17 de junho de 2020, desmotivada por ver a aceitação das colegas advogadas em não debater pautas democráticas e político-institucionais que interessam às mulheres, extenuada de ver a nós mulheres em posição de subalternidade e resignação, por volta das 20h, postei um vídeo no grupo virtual da CMA – Comissão da Mulher Advogada da OAB-RS, a qual estou vinculada desde a sua criação em 2007. Argumentei que era chegada a hora de os nossos colegas homens nos apoiarem e nós mulheres passarmos a protagonizar dentro da nossa Instituição.

Porém, desde o início da atual gestão, que tomou posse em 2019, a CMA tornou-se um ambiente refratário às nossas reivindicações por um debate mais amplo, que contemplasse não só as questões institucionais e estritas da comissão, mas as de âmbito regional e nacional. Algumas de nós sentiram a necessidade de argumentar dentro da CMA, visando a busca de maior espaço para colocar essas pautas que julgávamos importantes: da igualdade, da alternância de poder, visando colocar as mulheres advogadas em primeiro plano, bem como, inclusive, pedindo uma maior participação das nossas irmãs negras.

Logo após eu ter postado o vídeo, as colegas Nelnie Lorenzoni e Luciana Teixeira, ambas de Porto Alegre, e Maria Leonor Leal Mascarenhas, esta presidenta da CMA-OAB-RS da Subseção de Júlio de Castilhos se manifestaram. Maria Leonor sugeriu: por que não criamos um movimento que seja independente da instituição OAB-RS onde possamos externar as nossas inquietações e anseios de inclusão e maior participação feminina?

Em menos de meia hora estava criado o MI 50-50. Em 2 semanas, com o aumento da chegada de pessoas não advogadas querendo aderir e o grande afluxo repentino de pessoas querendo participar, o MI que inicialmente era apenas de advogadas e advogados, passou a ser um verdadeiro MOVIMENTO SOCIAL.

A Coordenação do MI 50-50 continuará sendo integrada apenas por mulheres. A atual, em ordem alfabética, é composta por: Brenda Ipe (estudante de Direito em conclusão de curso, Cachoerinha), Circe Mondadori Lisiak (advogada de Espumoso), Denise Argemi (advogada nascida em Uruguaiana), Lélia Lemos de Quadros (advogada de Bagé e presidenta da CMA-OAB-RS de Bagé), Luciana Almeida da Silva Teixeira (ex-presidenta da CMA da Seccional da OAB-RS, Porto Alegre), Maria Leonor Leal Mascarenhas (presidenta da CMA de Júlio de Castilhos – OAB-RS), Nelnie Lorenzoni (advogada de Porto Alegre), Neusa Ledesma (presidenta da CMA de Pelotas e da ABMCJ/RS  – Associação Brasileira de Mulheres de Carreiras Jurídicas do RS).

BdFRS – Quem integra hoje o movimento?

Denise - Hoje o MI 50-50 conta com cerca de 200 integrantes, são pessoas, grupos e movimentos que têm interesses comuns com os nossos objetivos: 1) mulher na presidência das instituições, a igualdade de gênero, equidade de raça e etnia.

Há pessoas que foram esquiladores, psicólogas, assistentes sociais, advogadas(os), policiais antifascistas, professoras(es), militantes dos direitos humanos, o MNU - Movimento Negro Unificado, o CAB- Coletivo Advogadas do Brasil (Goiás), o MMM – Mais Mulheres na OAB Nacional, (Roraima, grupo criado dentro da própria OAB Nacional), o Mulher elege Mulher, de Rio Grande-RS, Coletivo Sobre Elas, Santiago- RS, o Vai Ter Mulher Sim-RS, o Paridade de Verdade (Mato Grosso do Sul), o Coletivo Voz – RS, CEIR-OAB de Bagé, CMA da OAB de São Paulo, CMA de Getúlio Vargas-RS, vice-presidência do IBDFAM-RS, vice-presidência da CEIR-RS, Secretaria-Geral Adjunta da CEIR – Comissão da Igualdade Racial da Seccional da OAB-RS; ex-presidente da OAB-RS de Cachoeirinha e Conselheiro da OAB-RS, Servidoras(es) Públicos do Judiciário, outras e outros expoentes da sociedade civil riograndense, brasileira e da instituição espalhados pelo Brasil, além de colegas advogadas argentinas, da Patagônia.

BdFRS - Desde o seu início o Movimento tem uma coordenação exclusivamente feminina, o que é intencional, já que o protagonismo é das mulheres. Como tem sido essa experiência?

Denise - Sempre tive a convicção de que mulher ser inimiga ou rival de mulher era uma criação do mundo masculino e do patriarcado estrutural. E, de fato, temos constatado que não só é possível como muito fácil trabalhar e construir coletivamente com outras mulheres. A competitividade é natural em qualquer ser humano. Esta não é uma questão de gênero como há séculos têm sido inculcado nas mulheres, no imaginário feminino. E sim, esta é uma estratégia oportunista masculina para permanecer com o status quo vigente. Em outras palavras, dividindo o lado adversário (as mulheres negras e não negras) nos tornamos cada vez mais fortes e invencíveis e seremos sempre nós, os mesmos homens a comandar.

No século XXI estamos nos dando conta do óbvio: saindo da esfera privada a que fomos relegadas por séculos, temos finalmente a oportunidade de fazer o que sabemos melhor: planejar, organizar e executar. O “estágio privado forçado” desenvolveu no feminino a “habilidade” de pessoas que não têm medo de problemas de maior complexidade ou de imprevistos. Ativou em nós o “modo permanente” de antever cenários sombrios podendo antecipadamente tomar decisões para administrar melhor as crises, crises de todo o tipo. E isso tem assustado muitos homens, não só no RS, mas no país inteiro e em outras nações.

No próprio Chile, há alguns anos, recordo que houve o reconhecimento público de que as mulheres estavam retirando dos homens o direito ao trabalho e era melhor que voltassem para suas casas com o fim de executar tarefas de suporte e secundárias, de forma particular e privada. O que traria de volta a sociedade antes estruturada, onde somente os homens deveriam estar na vida pública, atuando em qualquer setor da sociedade exercendo, unicamente eles, as atividades políticas e sociais do país. O que é impensável em 2021.

BdFRS - Quanto tempo ainda levaremos para alcançar a igualdade de gênero no mundo?

Denise - Segundo o “Relatório do Gap Global de Gênero 2018”, do Fórum Econômico Mundial, temos uma média global de 108 anos até chegarmos à paridade de gênero.

O Fórum Econômico Mundial prevê que os Estados Unidos só alcançarão este feito depois de mais dois séculos, outros países estão mais à frente – e vários ainda poderão alcançar a igualdade ainda nesta vida (ou na dos nossos filhos). Mas na maioria das nações, e de acordo com muitas métricas importantes, a igualdade de gênero ainda tem um bom caminho a percorrer.
Quando olhamos os dados (gráfico), observamos exatamente como as mulheres ficaram muito para trás – grande parte disso envolvendo medidas de poder e influência – que podem nos ajudar a lidar com essas áreas específicas.

Quinze países estão no caminho para fechar o gap nos próximos 50 anos, incluindo França (em 22 anos) e Islândia (em 23 anos). Trinta e cinco países devem obter isso em até um século, incluindo Canadá (em 51 anos), Suíça (em 54 anos) e Arábia Saudita (em 76 anos).

O Fórum Econômico Mundial aponta que uma criança nascida hoje poderá vivenciar a paridade nesses locais. No entanto, em mais da metade dos países no índice, uma criança nascida hoje nunca verá a paridade de gênero: estima-se que levará 208 anos nos Estados Unidos – e até 500 anos no Paquistão e Irã.

O Relatório Global sobre a desigualdade de Gênero do Fórum Econômico Mundial, publicado anualmente desde 2006, analisa 149 países através de quatro dimensões críticas em relação à igualdade de gênero: Participação econômica e oportunidade, Nível educacional, Saúde e sobrevivência e Empoderamento político.


Este é um dos 6 gráficos que ilustram o artigo "O gap de gênero em 6 gráficos" / Reprodução

BdFRS – Nos conte sobre o seu livro que foi lançado recentemente em São Paulo.

Denise - O livro “Construindo Relacionamentos Saudáveis – Conheça e Defenda seus Direitos”, é produto do trabalho do grupo de estudos sobre Empreendedorismo e Protagonismo Feminino da Law Talks. A ideia nasceu de uma Cartilha que se estava idealizando para mulheres vítimas de violência.

A Law Talks tem representação em todo o país e é presidida pela advogada e editora cearense, Gabriela Barreto, que me convidou a participar do grupo em 2020. O GE de Empreendedorismo é totalmente virtual e coordenado pela advogada Camila de Medeiros, de São Paulo, e pela administradora de empresas, Adelaide Giacomazzi, de Curitiba. Com a presidenta e as coordenadoras, totalizamos dez integrantes: Sandra Sadowa, cearence radicada em Manaus, Clarissa Alencar, de Uberlândia, Minas Gerais, Márcia Faria, advogada, de São Roque, São Paulo, Fabiana Macedo, advogada, de Aracajú, Nicole Melhem, engenheira, de Curitiba, Melissa Soler, residente no Porto, em Portugal e eu, de Porto Alegre e Capão da Canoa.

Na terça-feira (15), houve uma comemoração interna entre as integrantes, do lançamento virtual e presencial que irá ocorrer no próximos meses, o presencial será em São Paulo, provavelmente em novembro/2021. O material de divulgação está sendo preparado.

Quem tiver interesse em adquirir a obra diretamente é só acessar aqui.

BdFRS – Como será a comemoração de 1 ano do movimento?

Denise - Será uma festa virtual, resolvemos dar a forma de Sarau: haverá música, vamos ler textos breves, feministas e antirracistas, declamaremos poesias e teremos músicas executadas pelas(os) integrantes do grande grupo do MI 50-50.

O Sarau virtual será através da plataforma Zoom. Não será no modo webinar, com transmissão direta pelo canal do MI 50-50 no youtube, como havíamos pensado, porque recentemente fomos invadidas durante uma reunião por homens nus. Um, inclusive, se masturbando. Mas vamos gravar e depois disponibilizar nas redes.

Teremos também o sorteio de alguns brindes e livros, dentre estes: o “Para Fazer Análise de Conjuntura”, escrito pelo Frei Sérgio Antônio Görgen ofm, gentilmente doado pelo Instituto Cultural Padre Josimo, de Candiota-RS, e um exemplar da nossa obra coletiva “Construindo Relacionamentos Saudáveis – Conheça e Defenda seus Direitos”.

Edição: Marcelo Ferreira