O governo Bolsonaro e sua corrente política são baseados em uma racionalidade disruptiva
A constatação de que Jair Bolsonaro mantém forte apoio político na sociedade brasileira, o que pode o levar ao segundo turno das eleições de 2022 e eventualmente vence-la, é como se fosse a maior das tormentas se aproximando, vista no horizonte ou identificada por algum radar meteorológico. Ainda que não estejamos sentindo todas as suas consequências, temos consciência do poder de destruição e das sequelas que pode acarretar. Porém, identificada tempestivamente nos permite tomar medias para evitá-la ou diminuir seus efeitos colaterais.
Para enfrentar um movimento político tão regressivo, com tamanha capacidade destruidora, é preciso tratá-lo com a gravidade devida e com estratégias que guardem proporcionalidade ao problema a ser enfrentado.
Em primeiro lugar reconhecer que não se trata de um simples jogo de alternância democrática, o que quer que isto queira dizer. Rejeitar aquela ideia desmobilizadora e minimizadora, em certa medida autoindulgente, que delimitaria o problema a uma simples questão política.
Bolsonaro não é apenas uma opção política errada. Não se trata de julgar exclusivamente se houve - e como houve - medidas políticas ineficazes, ineptas ou incompetentes. Não é um concurso de boas práticas de gestão, no qual fatalmente Bolsonaro sequer se capacitaria a participar, mas de reconhecer que o governo Bolsonaro e sua corrente política é baseada em uma racionalidade disruptiva. Sua intenção é destruir um sistema de valores incipiente que emergiu de um período pós autoritarismo e que imaginou poder superar a hegemonia conservadora e retrógrada no país.
Quando Bolsonaro, para enfrentar a pandemia do coronavírus, opta por medidas diversionistas, incapazes, não científicas e sem base técnica, age não com incompetência, mas com racionalismo com o objetivo de deslegitimar e sabotar o sistema público de saúde. Age para reorganizar, através do desespero e medo, o sistema de proteção dos trabalhadores e de valorização histórica dos salários, empurrando para baixo, através da ampliação da crise, o preço do trabalho. Age para criar as condições de legitimação da expansão deletéria - tanto ambiental quanto economicamente - do agronegócio sobre as áreas de floresta, reservas minerais e destruindo setores potencialmente modernos da economia brasileira, quando incentiva e arma o garimpo ilegal a invadir e destruir territórios indígenas e matar sua população.
Trata-se de uma estratégia de “terra arrasada”, cuja intenção é estabelecer uma correlação de forças ultra desfavorável às ideias de igualdade e justiça social. Seria uma proposta de regressão na escala de conquistas sociais que, a duras penas, foram conquistadas nestas 4 décadas.
A obstrução à essa regressão portanto, para ser resolutiva, não pode se ater ao campo da política, precisa ser também uma interdição no campo da ética e da moral. Precisa se dar no campo dos valores sociais.
Precisa ser dito, com toda a nitidez, que a rejeição a Bolsonaro e à sua estratégia não é apenas uma escolha por um outro polo de alternativas políticas, mas uma rejeição de conjunto ao retrocesso civilizatório. Uma contraposição de ordem ética que afirme a superioridade dos direitos e da igualdade sobre a barbárie da cidade das milícias, dos coronéis e dos grileiros.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko