Rio Grande do Sul

Coluna

As máscaras, o trigo, a boiada

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"A sociedade “científica” discute à portas fechadas possível liberação de um trigo geneticamente modificado, já autorizado na Argentina de forma condicionada à sua licença de importação e consumo, pelo Brasil" - Reprodução
Tanto no caso do trigo como das máscaras, vemos avanço de interesses individuais sobre os coletivos

O estágio atual da discussão sobre o uso de máscaras como proteção da sociedade, contra a covid, ilustra o pensamento bolsonarista a respeito dos direitos e deveres humanos, em situação de crise.

Relembrando: Depois de enorme pressão internacional, a lei 14019/2020 tornou obrigatório o uso de máscaras de proteção individual, em espaços públicos. Como o presidente, que havia sancionado aquela lei em 3 de julho de 2020, não a cumpria, desde o dia 22 daquele mês uma ação judicial logo desmoralizada pela prática presidencial, o estaria obrigando a usar máscaras, em espaços públicos.

Pois agora (em 10/6/21), coerente em seus devaneios, Bolsonaro solicitou ao ministro da Saúde um “parecer que irá desobrigar o uso de máscaras àqueles que já estiverem vacinados ou ainda a quem já tiver contraído a covid-19”.

Se de um lado isto evidencia sua ignorância a respeito da pandemia, seus mecanismos e implicações, de outro, ilustra nossa desgraça. O desprezo presidencial ao coletivo e sua ausência de empatia sugerem que o homem é prisioneiro de uma psicopatia que o faz indiferente à morte de milhões.

O mundo sabe e aquele ministro não o ignora: uso de máscaras não se impõe apenas para proteção individual, mas principalmente pela urgência de deter a disseminação da virose. Trata-se de controlar sua expansão e, portanto o congestionamento dos sistemas hospitalares e a geração de novas formas patogênicas, que ameaçam igualmente todos. Pessoas que ainda não foram (ou que já o foram) vacinadas ou contaminadas, correm idêntico risco de afetação, sequelas e morte pela emergência das novas variantes da covid.

O não uso de máscaras, pretendido por Bolsonaro e minimizado por Queiroga, simplesmente acelera e amplia este processo. A sociedade, pasma e desorganizada, não reage a mais esta evidência de egocentrismo doentio e ameaçador à vida de todos apenas por não estar suficiente informada a respeito do que pode significar uma terceira onda? Ou se trata de naturalização da apatia, como aquela que se percebe na boiada que avança pacífica, rumo às charqueadas?

Parece ser este o caso. Vejam que neste universo de desinformação e alienação ameaçadoras, a sociedade “científica” discute à portas fechadas possível liberação de um trigo geneticamente modificado, já autorizado na Argentina de forma condicionada à sua licença de importação e consumo, pelo Brasil. O tema, que já foi discutido nesta coluna preocupa essencialmente pelos riscos de contaminação da farinha com resíduos de um herbicida que causa danos neurotóxicosgenotóxicos, ganhou nova coloração na 242º reunião da CTNBio (10/6/2020). Ali, segundo O Estado de S. Paulo, decidiu-se “solicitar informações adicionais para prosseguir com as análises sobre eventual liberação comercial de trigo transgênico para consumo humano e animal no Brasil”.

Como se trata de processo sigiloso, a sociedade não foi informada sobre detalhes. Ainda assim, cabe salientar que se trata de conteúdos aparentemente desprezados por especialistas em saúde humana e animal que atuam na CTNbio, e que desde novembro de 2020 já se manifestaram favoráveis à aprovação ao pedido (conforme item 1 das deliberações informadas pela CTNBio). E este é o ponto crucial. Se o trigo não será produzido no Brasil, e se as ameaças de danos genéticos, neurológicos, reprodutivos e cancerígenos são irrelevantes para os especialistas da área de saúde, que informações estão sendo solicitadas pelos especialistas da área vegetal ambiental, e qual o motivo de sua ocultação?

Quem ganha e quem perde com isso?

Seja como for, tanto no caso do trigo GM como no das máscaras, observamos avanço/primazia de interesses individuais sobre coletivos, com as instituições perdendo credibilidade e a democracia crescentemente ameaçada.

É como na música: os homens de preto dão gargalhadas e seguem em frente, tocando a boiada... e os bichos, coitados, não pensam nem nada, só vão pela estrada, direto à charqueada.

 

Confira aqui a coluna em áudio.

*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko