Os coletivos, mais do que lugar de trabalho e renda, são o espaço para construir o bem viver
A pandemia da covid-19 escancarou as desigualdades e injustiças que já vivíamos: aumentou a violência e o desemprego entre nós mulheres. De outra parte, os grupos que detém o poder político e econômico continuaram obtendo lucros elevados, colocando em risco a vida de trabalhadoras/es.
As grandes empresas do agronegócio, mineração, serviços e bancos, ampliaram suas atividades contribuindo significativamente para a morte de quase meio milhão de pessoas no Brasil. E o governo, enquadrado na estratégia dos capitalistas, praticou políticas que só agravaram esse genocídio.
Mesmo assim, nós mulheres organizadas (re)existimos tendo cuidado com a vida. Este cuidado é possível quando estamos em coletivo, tomando as decisões para nossa proteção.
Miriam, do Misturando Arte, diz que tem conseguido manter a renda, trabalhando de casa e cuidando da saúde porque faz parte de um grupo da economia solidária formado por mulheres.
Graziele, da Mundo Mais Limpo, conta que tiveram aumento da produção de sabão - incluído nas cestas básicas de redes de solidariedade. Para dar conta da demanda, ampliaram o número de cooperadas, acolhendo outras mulheres da comunidade que haviam perdido seus trabalhos. Agora que a demanda diminuiu, estão se organizando para encontrar alternativas para manter o trabalho e renda das atuais cooperadas.
A ASCAT decidiu pela “quarentena” da exposição aos resíduos e está revezando uma semana em casa e outra com trabalho no galpão. Mesmo com a renda reduzida quase pela metade, colocam a vida acima de tudo. Melânia enfatiza que o auxílio emergencial é insuficiente para atender às despesas das famílias. Ela ressalta que se todas/os estivessem vacinadas/os, poderiam trabalhar diariamente, mantendo ou até mesmo aumentando a renda, já que o valor dos materiais aumentou nesse período.
Para quem vive do artesanato, as feiras em praças e eventos eram os principais locais para comercializar. Agora, a internet passou a ser o espaço para vender, fazer reuniões e também abriu oportunidades de qualificar o trabalho.
A participação em redes da economia solidária tem sido fundamental para viabilizar vendas e acessar outros apoios. Como destaca Lisbet, do Alecrim Dourado, a pandemia é um tempo preocupante e instável, pois não é possível prever venda e renda. Maria, da ASSOCIARTE, lamenta as perdas de colegas e a solidão: “Muitas mortes poderiam ter sido evitadas se governantes se importassem com a população.”
A importância da ação coletiva também é compartilhada por Graciela, assentada da reforma agrária e integrante da Contraponto. Na sua comunidade as reuniões - presenciais com distanciamento ou pela internet - estão sendo fundamentais para a organização e denúncia da deriva e pulverização criminosa de veneno sobre as lavouras e moradias em Nova Santa Rita. Ela lembra que a pandemia veio após a estiagem do verão que prejudicou a produção, situação que se agravou com as derivas de agrotóxicos no final de 2020 e início de 2021.
Graciela recorda também que no começo da pandemia as feiras ecológicas e outros espaços de comercialização fecharam. Para garantir que os alimentos sem veneno cheguem na cidade, voltaram a entregar cestas agroecológicas semanais, o que está sendo possível graças a parceria e cooperação entre agricultoras/es e coletivos da Contraponto.
As companheiras contam sobre o aumento da ansiedade, depressão e trabalho para as mulheres neste período. Partilham os desafios de estar muito mais tempo convivendo com a família em casa, com as aulas remotas e o desemprego de companheiras/os, o que aumentou a responsabilidade das mulheres para garantir a renda. Em algumas famílias, a partilha das tarefas da casa acontece de forma igualitária; em outras a carga maior se mantém com elas.
Os coletivos, mais do que lugar de trabalho e renda, são o espaço para garantir cuidado pessoal, das famílias e de construir caminhos para o bem viver. Rumos diferentes desta sociedade que se sustenta na desigualdade, injustiça e violências.
Autoras
Graciela S. de Almeida - MST e Associação Contraponto
Graziele Gonçalves - Cooperativa Mundo Mais Limpo
Lisbet Pinheiro - Grupo Alecrim Dourado
Maria Amorim - ASSOCIARTE
Melânia Menezes - Cooperativa de Catadoras/es de Materiais Recicláveis da Cavalhada - ASCAT
Mirian Gonçalves - Associação Contraponto e Misturando Arte
Rosana Kirsch, Katiucia Gonçalves e Denise Laitano - Coletiva Feminista Outras Amélias: Mulheres de Resistência e Luta
* Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko