Rio Grande do Sul

Coluna

Pela volta às aulas presenciais segura para todos e não somente para quem pode pagar

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"Voltamos ao patamar de colapso de março/abril e em um contexto de volta às aulas açodada com muitas indefinições e pouco diálogo nas comunidades escolares e governos" - Elias Eberhardt / Divulgação / CP Memória
Escola aberta na hora certa porque vidas em primeiro lugar. Só vai ter educação com vida

Nós da Associação Mães e Pais pela Democracia (AMPD) surgimos em 2018 para lutar por uma educação livre, plural, democrática e voltada aos Direitos Humanos. Surgimos porque violaram as fotos dos nossos filhos, só porque eles fizeram uma manifestação na escola clamando por resistência, depois da eleição do Bolsonaro em 2018. O mesmo ódio que se voltou à filha da Manuela, do mesmo povo, daqueles que defendem o “Escola Sem Partido” (só o partido dos outros que não pode), o homeschooling e que “lugar de criança é na escola” (só para algumas e as que querem). Quem odeia não têm limites e a pandemia escancarou isso. Minha solidariedade e de todos da AMPD à Manuela. Senti isso na pele com a nossa ação de suspensão das aulas na bandeira preta no RS. Mas não nos silenciarão!

Momento duríssimo. Início da terceira onda. Voltamos ao patamar de colapso de março/abril e em um contexto de volta às aulas açodada com muitas indefinições e pouco diálogo nas comunidades escolares e governos. Há dois dias, já estávamos no RS com 99,3% a ocupação de leitos de UTI da rede privada do estado, 130 óbitos em 24h e totalizamos 28.484 vidas perdidas aqui em relação à covid-19. Mesmo com todos os aprendizados, segue a falsa dicotomia entre economia e saúde, um libera geral de tudo, inclusive das escolas que foram as únicas que conseguiram manter quarentena na pandemia. O que é mais grave é a flagrante desresponsabilização dos governos e a incapacidade estatal frente à envergadura de uma pandemia descontrolada como a nossa.

Vislumbrando o cenário que novamente se apresenta, infelizmente, ingressamos com a Ação Civil Pública de suspensão das aulas na bandeira preta no RS, no final de fevereiro, pois houve, à época, duas decisões governamentais importantes: a redução do teto de 50% de alunos por sala de aula e bandeira preta com liberação de aulas, mudando a regra do Modelo de Distanciamento Controlado. Agora, vemos que foi um grande feito e que salvou dezenas de vidas. Foram dois meses de suspensão de aulas na bandeira preta no RS – de 26 de fevereiro a 27 de abril – período que mesmo com a suspensão das aulas houve o colapso da saúde em março. Março fechou com 36% dos casos de covid no RS até aquele momento. Abril conquistou resultados da quarentena e foi nesse refluxo, em um patamar muito elevado de mortalidade e contaminação, que houve o retorno das atividades presenciais na educação.

No dia 26 de abril, aconteceu o julgamento da suspensão das aulas que ratificou a decisão liminar, suspendendo as aulas que estariam liberadas para a Educação Infantil e 1º e 2º anos do Ensino Fundamental. 12h depois do julgamento pelo Tribunal, em 27 de abril, o governador burlou o Modelo de Distanciamento Controlado e autorizou, mesmo em bandeira preta, pintada artificialmente de vermelha, a volta, não só da Educação Infantil e 1º e 2º anos do Ensino Fundamental, mas de todos os anos. Uma volta irrestrita, sem planejamento, sem reunião de COE Estadual - que só houve agora no final de maio, sem COE Municipal em Porto Alegre instituído, sem testagem dos profissionais e sem rastreamento dos casos. 

Registro que houve a invasão de hacker no sistema do Tribunal de Justiça, que retardou a nossa petição. Entendo que isso “pesou” na decisão judicial frente à intransigência do governo do estado do RS, o que levou a ação para o CEJUSC, onde hoje completamos dez audiências de conciliação - com governo do estado e prefeitura de Porto Alegre, MP, CPERS e SIMPA.

Neste mês de maio, como resultado dessa volta às aulas insegura, apoiada por muita gente de esquerda, diga-se de passagem - e registro que 81% das mães e pais pela democracia mantém somente o ensino remoto, o que para nos demonstra a nossa força e consciência de luta também - o que vimos foram mais de 40 municípios com suspensão de aulas por conta de surtos em escolas e nas cidades. E isso aconteceu mesmo com poucas escolas funcionando e com número bem reduzido de estudantes nas escolas públicas.

Soubemos que nesse período mais de 330 escolas estaduais tiveram casos de covid (pesquisa CPERS). Em Porto Alegre seis escolas fecharam (segundo o SIMPA informou), uma realidade que se repetiu em diversos municípios, inclusive com mortes de professores e desleixo com as condições sanitárias após casos de surtos. Importa se a contaminação ou as mortes se deram em decorrência das escolas estarem abertas? Não. A escola não é uma bolha, mas o que acontece na sua comunidade impacta na sua dinâmica e não tem protocolo que seja imune a isso. Mas como se não bastasse, teve até escola que abriu com pai de aluna tendo falecido por covid. É a escola voltada à necropolítica, o que mobiliza a nossa luta e resistência. Há que se respeitar ao menos o luto ou naturalizamos e aceitamos as mortes de vez.

Quando falamos de volta às aulas, a volta às aulas é para quem? A suspensão de aulas segue para os mais pobres e vulneráveis e não se vê mais o movimento “lugar de criança é na escola”.  Problema das escolas clandestinas foi resolvido com modelo de rodízio? E fome? E as violências sexuais com as crianças? Claro que não. O que aconteceu e vem acontecendo desde o ano passado com o apagão educacional é o agudizamento das desigualdades sociais e educacionais. Isso precisa ser denunciado. A falácia da essencialidade, a partir da aprovação de lei que torna obrigatório o oferecimento da educação, empurrou a obrigatoriedade de presença, mesmo não sendo obrigatória para alunos, e dispensou os governos da obrigação de garantir o direito ao ensino remoto e não presencial aos mais vulneráveis. Educação presencial virou quase uma imposição no RS e aqueles que optaram pelo ensino remoto ficaram muito prejudicados. 

O grande consenso da importância da educação e do prejuízo educacional e de sociabilidade que vivem nossos filhos não pode resultar em manutenção das aulas presenciais de forma irrestrita, pela falsa ideia de obrigatoriedade da presença. Sem transparência da segurança garantida nas escolas e um contexto de pandemia descontrolado, com o recente início da vacinação dos profissionais da educação, conquistado com muita greve e luta, com alto patamar de mortalidade e com 7 mil casos de contaminação de covid-19 por dia no RS, a escola deveria estar resguardada para que não haja a “imunização de rebanho das crianças”, como defendido pela Médica Maysa na CPI da Covid no Senado Federal, para o controle da pandemia. Não, nossos filhos não são cobaias de laboratório e não aceitamos mais nenhuma morte.

E o que seria volta às aulas segura? Protocolos rígidos, incluindo vacinação completa de professores e funcionários de escola e testagem em massa da comunidade escolar. Além da taxa de transmissibilidade (RT) abaixo de 1,2 e fiscalização rígida. Saliento que o órgão de fiscalização, o COE, com a mudança em 15 de maio na portaria 001/2020 do Conselho Estadual de Educação, retirou-se a obrigatoriedade da validação dos planos de contingência para a abertura das escolas. Isso, na minha opinião, fragiliza bastante a fiscalização das irregularidades, inclusive a definição de surto para o fechamento de turmas e escolas, e o compartilhamento dessas informações com toda a comunidade escolar, que é o fator que mais tem gerado insegurança em mães, pais e professores. É visível, igualmente, a exaustão de professores. Tem professor do setor privado dando aulas para duas turmas ao mesmo tempo no presencial e ainda para a sala de aula virtual, ou seja, ministrando aula para três salas ao mesmo tempo. Além de atender alunos em qualquer hora do dia e da semana - devido às dificuldades de aprendizagem dos alunos.

Desde o dia 04 de maio, há 1 mês, a Mães e Pais pela Democracia participa das audiências de conciliação no CEJUSC na Justiça gaúcha. Houve avanços, embora muito lentos e atrasados - dada a complexidade da pandemia e a lentidão da vacinação da população em geral. Conquistamos, no entanto, o COE em Porto Alegre, criado em 04 de maio, e já houve três reuniões; aconteceu reunião do COE Estadual em maio, depois da volta às aulas, pasmem!; e a mais importante: desde o dia 1ª de junho começou a vacinação de professores em Porto Alegre e logo começará em todo o estado, pois houve mudança no Plano Nacional de Imunização, a partir de de mediação com Ministério da Saúde e governadores.

A Associação Mães e Pais pela Democracia tem trazido a Agenda Prioritária de Volta às Aulas Segura e defendido que, ao menos enquanto não concluído o processo de imunização dos trabalhadores da Educação, seja aplicada a testagem em massa na comunidade escolar, de forma periódica, como política pública de prevenção da covid. Temos salientado que neste período de inverno os riscos de contaminação e outras doenças associadas são mais elevados. É muito importante o acesso público ao diagnóstico da SEDUC e da SMED acerca dos problemas sanitários em cada escola (janelas emperradas, banheiros inexistentes, falta de água potável, etc.), além de informações de PPCI, casos de cavid nas escolas e irregularidades de protocolos e o plano de contingência para solução dos problemas diagnosticados.

Sugerimos a construção pelo estado de uma ferramenta para, em conjunto com os sindicatos dos professores, entidades estudantis e associações da sociedade civil, como a AMPD, facilitar a coleta de denúncias de não cumprimento dos protocolos pelas escolas e situações de surtos e mortes. Por fim, compreendemos que é de suma importância criarmos os balizadores para manutenção ou suspensão das aulas presenciais, com certa urgência, em razão do recrudescimento da pandemia e da terceira onda.

Escola aberta na hora certa porque vidas em primeiro lugar. Só vai ter educação com vida. E nós lutamos por uma educação voltada à vida! Na luta por menos luto e para isso precisamos reduzir contaminação, garantir isolamento, distanciamento social e vacinação em massa para todos já - por uma volta às aulas presencial realmente segura para todos e não somente para aqueles que podem pagar por isso. E essa é a luta que travamos, porque defendemos uma educação com amor e liberdade, e por isso nós somos resistência!

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira