Rio Grande do Sul

Energia

Artigo | Um poderoso tarifaço na conta de luz atingirá o povo brasileiro

A privatização da Eletrobras coloca em risco, especialmente, o acesso à energia com preço justo para a população

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"Se nada for feito para mudar a política energética nacional, as iniciativas do governo Bolsonaro resultarão em 'tarifaços' prolongados" - Dayane Oliveira

Seremos atingidos por grandes aumentos nas tarifas de energia elétrica em nosso país. Se nada for feito para mudar a política energética nacional, as iniciativas do governo Bolsonaro resultarão em “tarifaços” prolongados. Um choque de alta tensão no bolso dos trabalhadores.

Várias evidências comprovam essa tendência. Na fila dos aumentos está a chamada “Conta-Covid”. Em plena pandemia, o governo Bolsonaro publicou o Decreto nº 10.350/2020, que criou uma gigantesca dívida na conta de luz. Os recursos foram destinados para proteger os empresários da crise e manter os altos lucros dos agentes do setor elétrico.

Na primeira fase, foi autorizada a contratação de uma dívida de R$ 15,3 bilhões junto a 16 grandes bancos (71% privado). A operação com taxas de juros abusivas (CDI mais 2,8% ao ano) acumulará impacto superior a R$ 20 bilhões, que serão integralmente cobrados nas contas de luz da população brasileira nos próximos 54 meses, a partir de junho de 2021.

Na segunda e terceira fase deste processo, via Consulta Pública nº 35/2020, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) está analisando os impactos econômicos que as empresas alegam possuir referente à queda de arrecadação por falta de pagamento das famílias e por diminuição no volume de venda de eletricidade. Ninguém sabe ao certo o rombo e o tamanho do aumento, mas a ANEEL autorizará uma Revisão Tarifária Extraordinária (RTE) às companhias, a ser aplicada provavelmente em 2022.

Na prática, os consumidores cativos de energia terão que pagar o lucro cessante das empresas de eletricidade causado pela crise da covid-19.

Em outra fila está o impacto injustificável do esvaziamento dos reservatórios das hidrelétricas. No inicio da pandemia, em maio de 2020, o armazenamento nos reservatórios chegou alcançar um patamar de 60,5%. Mesmo com queda nacional no consumo de eletricidade e sem alterações significativas na intensidade das chuvas, após um ano de pandemia, os lagos estão com 42% de água, a segunda pior situação desde a privatização dos anos de 1990. A região Sudeste, que possui as principais hidrelétricas do país, entrará no período seco com seus reservatórios praticamente vazios.

O Operador Nacional do Sistema é um dos principais responsáveis por esse quadro de escassez. Como ONG sob o comando dos interesses empresariais do setor elétrico, o órgão prioriza o despacho das usinas para permitir a máxima lucratividade privada e o esvaziamento dos reservatórios que eleva os preços e permite todo tipo de pilhagem como: Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), Bandeiras Tarifárias, Risco Hidrológico (GSF), entre outros.

Até a eletricidade já paga pelos consumidores foi jogada fora pelos vertedouros da Usina de Itaipu, algo que deveria ser investigado seriamente. No início da pandemia, foi autorizada a abertura das comportas até afundar o lago a 80% da sua capacidade. Com isso, a usina teve a pior geração de eletricidade dos últimos 20 anos, com 25% a menos (2.500 MW médios). Essa situação beneficiou todas as usinas privadas situadas acima de Itaipu. Assim, as principais hidrelétricas de acumulação de água da Bacia dos rios Grande, Paranapanema, Tietê e outros aceleraram sua produção ao máximo. Ao final de um ano, elas tinham menos de 10% de água nos reservatórios, mas faturaram alto, mesmo com consumo em queda.

O fato é que o esvaziamento dos lagos favoreceu as empresas privadas proprietárias de hidrelétricas e, ao mesmo tempo, permitiu se beneficiar os proprietários de térmicas, que são os mesmos donos das hidrelétricas, já que em nome de uma suposta “crise hídrica” o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e a ANEEL autorizaram o funcionamento das usinas térmicas caras. Dados da ANEEL revelam que, enquanto as usinas hidráulicas cobram em média R$ 186 por 1.000 kWh, inúmeras térmicas a carvão, gás e petróleo, com preços cinco vezes mais caros, estão sendo autorizadas a funcionar. Essa diferença de custo acaba sendo transferida nas contas de luz.

Quanto mais vazios os lagos, mais o governo autoriza o acionamento das bandeiras tarifárias, o que significa 11% de aumento para as residências e custos na ordem de R$ 1,7 bilhões por mês aos consumidores cativos. Esse valor é destinado aos controladores do setor elétrico. Ou seja, quanto maior a crise hídrica, maior é o ganho das empresas, já que elas faturam com o uso extremo das hidrelétricas, ganham com acionamento das térmicas e ainda são premiadas com as taxas das bandeiras tarifarias.

Na fila dos aumentos também entrarão as consequências da privatização da Eletrobras. Além de entregar ao capital um gigantesco patrimônio público de 125 usinas com capacidade de 50.000 MW (80% hidráulica), 71.000 quilômetros de linhas de transmissão, 366 subestações de eletricidade e 11.000 trabalhadores de alta produtividade, a privatização causará aumento de aproximadamente 20% nas contas de luz da população brasileira por um período de 30 anos de concessão.

Atualmente, as usinas da Eletrobras vendem energia a preços infinitamente menores que as empresas privadas e são mais eficientes que elas. Enquanto o preço de comercialização da energia de suas hidrelétricas amortizadas é R$ 65 por 1.000 kWh, as usinas privatizadas cobram em média R$ 250 pela mesma quantidade. Ao se privatizar a Eletrobras, será permitido ajustar os preços ao valor de mercado e essa diferença será repassada em aumentos futuros nas contas de luz.

Até o valor utilizado pelo capital para comprar a Eletrobras, acrescido de juros e correções, poderá ser cobrado integralmente nas contas de luz em forma de reajustes nas tarifas, por meio de um mecanismo chamado de Retorno de Bonificação de Outorgas. O certo é que a privatização causará um tarifaço na conta de luz dos 75 milhões de consumidores residenciais. Também significará desemprego e falência de pequenas e médias empresas, queda na qualidade do serviço e novos apagões. Será a completa destruição da soberania energética. Estaremos nas mãos de bancos e fundos internacionais, que terão monopólio para especular e pilhar ao máximo por meio da conta de luz. E o povo? Pagará a conta.

Os impactos da Conta-Covid, do esvaziamento dos lagos e da privatização da Eletrobras não são os únicos motivos de aumentos futuros nas tarifas para alimentar os bilionários lucros das companhias energéticas e acionistas privados.

Devemos acrescentar nessa lista de fatores o enorme volume de sobra de energia instalada no sistema, que, mesmo não consumido, será cobrado nas contas. Atualmente, o consumo no sistema interligado nacional está abaixo de 70.000 MW médios no ano, mas existe um excedente de 21.000 MW médios já instalados e mais 9.500 MW médios que serão disponibilizados para serem operados até 2025. Essa bolha, ou superprodução, é paga integralmente pela população. Soma-se a isso também a crescente geração distribuída com mais de 5.500 MW sendo instalados, custos que recaem sobre consumidores que não possuem placas solares. Outra questão a ser considerada é a liberalização das tarifas por horário. Nesse caso, fica permitida a cobrança de uma tarifa até 80% mais cara no horário de pico ou, em alguns casos, como no Pará, até 130% mais alta.

Toda essa fila das consequências da privatização e da política energética nacional do governo Bolsonaro está por recair nas contas de luz e penalizar o povo brasileiro. Por enquanto, a ANEEL está jogando os aumentos para frente. Em algum momento, porém, eles chegarão. Assim, é provável que assumiremos o ranking da energia mais cara do mundo, mesmo possuindo os custos de produção mais baixos.

Está errado privatizar. É necessário resistir contra todas essas medidas desnecessárias do governo Bolsonaro no setor elétrico e lutar para que seja realizada uma reforma radical para construirmos algo melhor, com soberania, distribuição da riqueza e controle popular na política energética nacional. E, de imediato, é fundamental ao país impedir a privatização da Eletrobras.

* Dalila Calisto e Gilberto Cervinski fazem parte da Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.


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Edição: Marcelo Ferreira