A ausência das manifestações contra Jair Bolsonaro nas manchetes e nas capas dos maiores jornais do país e a falta de destaque pelas redes nacionais de TV gerou perplexidade e mesmo indignação entre os jornalistas.
O propósito de ocultação ficou ainda mais evidente por conta do comportamento oposto de grandes jornais de fora do país, caso do inglês The Guardian, que destacam os protestos em 213 cidades, reunindo 420 mil pessoas. “As omissões nas edições dominicais dos atos contra Bolsonaro são muito ruins para os próprios meios de comunicação e para a democracia como um todo”, aponta o professor Rogério Christofoleti, do Observatório de Ética Jornalística (ObjETHOS), do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
“Prejudica os jornais na medida em que afetam a sua credibilidade. O país inteiro sabe que os protestos aconteceram e as pessoas se perguntam: por que os jornais não deram?”, indaga Christofoleti.
Na imprensa empresarial, apenas um grande jornal abriu sua primeira página para os acontecimentos. “A Folha de S.Paulo conseguiu”, diz ele. E pergunta: “Por que outros não? Sem explicar para o público porque ignoraram, esses jornais alimentam a suspeita de que ou subestimam seu público ou estão alinhados ao governo e pretendem protegê-lo com o silenciamento dos protestos”.
Mídia quer bolsonarismo sem Bolsonaro
“De novo a mídia assume uma tentativa desesperada de construção de uma terceira via que nada mais é do que um bolsonarismo sem Bolsonaro”, interpreta o professor de jornalismo Celso Schröder, da PUC/RS, ex-presidente da Fenaj e da Federação dos Jornalistas da América Latina e do Caribe (Fepalc).
Para Schröder, a imprensa apenas aparenta estar enfrentando Bolsonaro. “Na verdade, quando surgem manifestações contra um presidente mundialmente entendido como um sociopata, não traz as informações”, critica. Em vez disso, nota, “produz um tipo de visão que compara os motoqueiros anabolizados, que saem sem máscara ao lado do presidente que produz a morte, com as centenas de pessoas vacinadas, que usam máscaras e que não negam a vacina nem o isolamento”.
Ele cita o diário Zero Hora que, nesta segunda-feira (31), “embora tenha uma matéria tímida no interior da edição, não traz (o tema) para a capa, demonstrando que enfrentam o Bolsonaro, mas apostam num bolsonarismo sem Bolsonaro”.
“Para a democracia, o prejuízo é ainda maior”
Christofoleti repara que a atitude também é negativa sob outro aspecto. “Para a democracia, o prejuízo é ainda maior porque afeta o debate público, a agenda nacional e a nossa capacidade como nação de saber o que está acontecendo no país. É muito preocupante.”
Também o presidente da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), José Nunes, se manifestou sobre o assunto. “Entendo que os veículos de comunicação devem acompanhar atentamente os fatos e proporcionar à sociedade coberturas adequadas para que os cidadãos recebam informações independentes e confiáveis”, recomenda.
“Ninguém tem o direito de se omitir”
Presidindo uma entidade com 85 anos de atuação e que teve o escritor Erico Verissimo entre seus fundadores, Nunes lembra que “com o número crescente de notícias fraudulentas, especialmente pelas redes sociais, o papel dos veículos e dos profissionais de imprensa assume uma dimensão ainda maior”. Adverte ainda que “diante da realidade, ninguém tem o direito de se omitir. Ignorar fatos nada mais é do que uma maneira disfarçada de mentir e não condiz com a realidade de bem informar”.
Christofoleti dá um último recado: “Há um velho ditado nas redações: jornalista não briga com a notícia. Isso quer dizer que não dá pra ignorar, não dá pra fingir que algo não aconteceu”.
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Edição: Katia Marko