Rio Grande do Sul

POVOS ORIGINÁRIOS

Comunidade Mbya Guarani de Barra do Ribeiro (RS) denuncia ameaça de despejo

Indivíduo que se diz representante de vinícola insiste que eles devem deixar a área; proprietário desconhece esta pessoa

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Representantes de entidades de apoio aos indígenas visitaram a comunidade nesta terça-feira (18) - Roberto Antonio Liebgott / CIMI SUL

A comunidade Mbya Guarani Ñhu'ú Poty, localizada nas margens da BR 116, km 316, no município de Barra do Ribeiro (RS), informa que, nas últimas semanas, está recebendo visitas de um indivíduo que se diz representante do proprietário da Vinícola Laurentia. Nestas visitas, segundo denúncia do Conselho de Articulação do Povo Guarani (CAPG), esta pessoa insiste em dizer que os Mbya Guarani devem sair da terra onde vivem. O proprietário da vinícola afirma desconhecer pessoa que tenha feito isso em nome da empresa.

O CAPG enfatiza que a presença indígena na região é ancestral, que a terra em questão, também conhecida como Passo Grande – nome de um arroio que circunda a área – está em processo de demarcação pela Funai. O processo inicial através da portaria 902, de agosto de 2009, quando foi constituído o grupo de trabalho para proceder os estudos circunstanciados de identificação e delimitação das terras Mbya Guarani Arroio do Conde, Petim e Passo Grande.

Os estudos foram coordenados pela antropóloga Maria Paula Prates. Naquele período, a vinícola era de propriedade do cardiologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Gilberto Schwartsmann que, em função da repercussão dos estudos da Funai, confeccionou um contrato de comodato. Assinado por ele e pelo cacique Mbya Guarani da época, o contrato autoriza formalmente a fixação da comunidade naquelas terras.

Há na comunidade uma escola, que funciona regularmente há mais de dez anos, que as famílias recebem assistência, mesmo que esporádica, da Funai, Sesai. Os Mbya Guarani possuem energia elétrica e água potável, fornecidas pelo poder público e estão vinculadas ao programa de compensação em função dos impactos causados, aos indígenas, pela duplicação da BR 116.

Vivem na terra de Passo Grande 24 famílias, divididas em duas comunidades. A subsistência alimentar e financeira é obtida através de trabalhos braçais junto aos fazendeiros locais, à vinícola e com a venda de artesanatos nas margens da rodovia e nos municípios próximos.

Devido às ameaças, a comunidade acionou a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Ministério Público Federal (MPF), o Conselho de Articulação do Povo Guarani (CAPG), a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), o Conselho Estadual dos Povos Indígenas (CEPI-RS), o Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI-Regional Sul).

Na tarde desta terça-feira (18), alguns representantes do CAPG, CEPI, CEDH e Cimi Sul estiveram na comunidade para ouvir a narrativa do cacique e manifestar apoio, solidariedade e o compromisso de estarem com eles nas lutas em defesa da terra e da vida.

Segundo o CAPG, embora preocupada com as ameaças de despejo forçado, a comunidade assegura que se manterá firme na defesa de seu lugar de viver; que a responsabilidade pela solução do litígio, se houver, é da Funai; e que contará com o MPF, por ser o fiscal da lei e da proteção dos direitos constitucionais indígenas.

Além disso, espera contar com o apoio das demais instituições da sociedade civil e das comunidades Mbya Guarani, Kaingang, Xokleng, Charrua. Afirma ainda que se manterá tranquila, dado que a posse na área é antiga e que há, embora paralisado pelo governo, um procedimento de demarcação de terra há 12 anos.

Posição da Vinícola Laurentia

Após o fechamento desta matéria, a reportagem teve retorno do proprietário da Vinícola Laurentia, o professor de Medicina aposentado pela UFRGS, Gilberto Schwartsmann. Ele afirma desconhecer qualquer indivíduo que tenha ido ao local em nome da empresa.

Segundo Gilberto, o comodato foi realizado após ele e sua esposa sensibilizarem-se com as famílias indígenas que viviam na beira da rodovia. "Neste longo período de convívio, nossa relação foi sempre muito amigável e me orgulho de dizer que jamais houve qualquer incidente que pudesse desabonar o comportamento destas pessoas."

Como há a possibilidade de que a propriedade seja vendida, ele relata ter comunicado representante da Funai sobre a possibilidade de que a comunidade possa ser realocada a alguma área oferecida aos indígenas da região. "Uma vez que fui informado que eles preferem permanecer em minha propriedade ao invés de se mudarem para outra área, decidi doar a eles formalmente um módulo rural de dois hectares, que inclui com sobra a área onde hoje habitam. E isto está sendo providenciado no momento. Tínhamos dúvidas sobre a possibilidade de vir a prejudicá-los, caso tivessem a propriedade desta área, motivo pelo qual estamos fazendo as devidas tratativas", afirma.

"Tenho grande simpatia por esta gente tão sofrida e quero tranquilizá-lo que, ao contrário de muita gente que ambos conhecemos, meu desejo é respeitá-los e protegê-los como sempre o fiz ao longo destes muitos anos", conclui.


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Edição: Marcelo Ferreira