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Coluna

O reacionário que nos espreita

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"O governo Bolsonaro é a expressão de um bloco reacionário, com fortes elementos neofascistas e autoritários e uma política econômica absurdamente predatória em favor de alguns setores empresariais" - Anderson Riedel/Fotos Públicas
Não será simples e óbvio o caminho para retomar a supremacia dos valores democráticos e humanistas

Não faltam assuntos a comentar ou desvendar na política brasileira. Nesta semana a Folha de São Paulo publicou pesquisa da Datafolha indicando a continuidade da queda da apreciação positiva sobre Bolsonaro entre os eleitores brasileiros. Esta queda se manifesta na diminuição da aprovação do governo federal, na ampliação de favoráveis ao impeachment e na disposição majoritária de votar na oposição nas eleições de 2022.

Também são relevantes os primeiros resultados políticos da CPI da Pandemia. Começam a convergir as evidências daquilo que já percebíamos relacionando uma série interminável de fatos e constatações. A ação do governo Bolsonaro foi racional, articulada e planejada para negar a pandemia e desarticular o sistema de proteção à saúde e à vida. Da recusa em antecipar a vacinação à incúria de dotar o orçamento geral da União de recursos para o combate ao coronavírus, Bolsonaro criou as condições favoráveis para a maior crise sanitária da história do país. Meio milhão de famílias choram por isso.

Uma observação rápida sobre a conjuntura, ponderada a própria pesquisa Datafolha, entretanto nos alerta de que Bolsonaro e suas ideias reacionárias ainda contam com o forte apoio de setores da sociedade. Os atos deste sábado (15) demonstram isto. O primeiro foi promovido pelo Movimento Brasil Verde e Amarelo e intitulado “O Agro e o Povo pela Democracia”, foi articulado pela burguesia rural, através de entidades como as associações de produtores de soja e cafeicultores. O segundo ato foi a “Marcha da Família Cristã pela Liberdade” evidenciando a relação política com a cúpula de importantes igrejas neopentecostais, o que lhe permite manter apoio entre setores populares.

Contudo, um deputado do PSL afirmou que “O agro hoje quer a permanência do presidente Bolsonaro e dar um recado muito claro para a grande mídia, para a esquerda, de que o presidente tem o nosso respaldo e vai continuar tendo”; mas reconheceu nas mesmas redes sociais onde vaticinou tal apoio que está tendo dificuldade em obter “soldados” para lutar pela agenda bolsonarista. Ele reclama de problemas para conseguir fretar ônibus.

A percepção que emerge dos fatos e da realidade - como o apoio que ainda recebe de setores populares e empresariais, a despeito da tragédia da qual é artífice e executor - é que Bolsonaro não pode ser tratado como um arrivista ou um fenômeno exógeno à luta política realizada ao longo do período democrático no Brasil. A vitória de Bolsonaro nas eleições de 2018 foi uma tentativa de setores tradicionalistas e conservadores romperem com o pacto da Constituição de 1988. Seu governo é resultante de grande movimentação de descontentes e insatisfeitos, iniciada com a crise de junho e julho de 2013, seguida pela derrota da direita no segundo turno das eleições de 2014, construída no golpe do impeachment da presidenta Dilma, na operação política da Lava Jato e coroada com a vitória nas eleições presidenciais.

O governo Bolsonaro é a expressão de um bloco reacionário, com fortes elementos neofascistas e autoritários e uma política econômica absurdamente predatória em favor de alguns setores empresariais, que estabeleceu uma luta pela restauração de valores e políticas reacionárias no campo da política e da cultura. Ainda lembro, como se fosse uma peça publicitária, a ex-secretária de Cultura e atriz Regina Duarte declarando, durante o período eleitoral de 2018, que apoiava Bolsonaro porque queria de volta o Brasil de sua infância, de 50 anos atrás (sic). Autoexplicativo, o Brasil de 1968 era uma ditadura, eliminava os descontentes, sem direito à educação pública universal, nenhum direito trabalhista para empregadas domésticas, universidades apenas para as elites, nenhuma proteção ambiental, uma estável hierarquia e segregação entre pobres e ricos, entre homens e mulheres e entre brancos e negros. O seguro e tranquilo mundo do apartheid.

Não será simples e óbvio o caminho para retomar a supremacia dos valores democráticos e humanistas, como a igualdade e a fraternidade, neste Brasil pós Bolsonaro. As condições e vontades que deram vida ao que Bolsonaro representa e organiza não desaparecerão por conta de algum resultado eleitoral. Aliás, não foi o resultado eleitoral que criou esse sujeito político reacionário, ele sempre esteve ali, à espreita de uma oportunidade. Esta oportunidade chegou quando a crise social onde a economia neoliberal jogou o mundo afetou o Brasil. Mas ao contrário de reverter aquela crise, o bolsonarismo a aprofundou, revivendo a fome e o desalento.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko