Não tem nada de novo nem há nada de normal. É o ‘velho normal’ em novo estágio, ainda pior
O combate é ao neoliberalismo ou ao capitalismo, pergunta Cesar Locatelli (Carta Maior, 05.05.2021), ao referir-se ao livro ‘Pandemias, Crises e capitalismo’, de Rosa Maria Marques, Manoel Guedes Leite, Solange Emilene Berwig, Marcelo Alvares de Lima Depierri, da Expressão Popular, que resgata a conversa sobre capitalismo: “É como se de novo dissesse: temos gastado tempo demais falando de neoliberalismo e tempo de menos falando do capitalismo. O neoliberalismo é, em primeiro lugar, capitalismo. É preciso escrutinar o neoliberalismo sem deixar de apontar o que é comum a qualquer regime ou etapa do capitalismo. A desigualdade é a presença constante no capitalismo.”
Muito se fala sobre o dito ‘novo normal’, que, terminada a pandemia do coronavirus, substituiria o ‘velho normal’. Parece não ser bem assim, segundo analistas de grande calibre. Não há nem haverá ‘novo normal’. A desigualdade aumenta, o capitalismo torna-se ainda mais predador.
Há mudanças do capitalismo em curso, que se reinventa para pior. Escrevem Rosa Maria Marques e Solange Emilene Berwig, em ‘Políticas sociais e Trabalho em vias de desaparecer’ (Carta Maior, 01.05.2021). “Que arranjo social, ou ainda melhor, que contrato social é esse que nem oferece emprego e renda? Que estágio é esse do capitalismo que coloca o equilíbrio do planeta e a vida em risco? O coletivo e a socialização de parte do excedente, na forma das políticas sociais tradicionais, construídas com base em uma sociedade salarial, na qual o trabalho constituía a forma primordial de integração na sociedade estão em vias de desaparecer.
O estágio atual do modo de produção capitalista, caracterizado pela presença do capital no plano mundial e pela dominância cada vez maior do capital a juros, particularmente na sua forma fictícia, não tem mais nada a oferecer à humanidade, nem mesmo emprego e renda. Ao contrário, sua forma predatória da natureza coloca em risco a própria existência de homens e mulheres de todo o mundo, o que é acertadamente chamado de crise sistêmica (Acosta, 2017) A consequência econômica mais aparente da paralisação total ou parcial, durante 2020 e que adentrará 2021, foi a queda da produção do emprego e da renda em todo mundo, menos na China.
Frente a essas determinações do modo de produção capitalista – produzir e consumir cada vez mais, – e produzir com menor custo não importando o meio, não há como conciliar o capitalismo com a natureza.
Cesar Sanson, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, confirma esta visão e análise em “Mundo do Trabalho brasileiro: estamos deixando de ser uma Sociedade de Classes e nos transformando em uma Sociedade estamental” (www.fepolitica.org.br, 01.05.2021): “Há toda uma geração de trabalhadores/as que jamais irá acessar qualquer rede de proteção social, que nunca terá uma legislação que os proteja. Estamos condenando milhares de trabalhadores/as a viverem num ‘retângulo’ fechado, sem portas e janelas – estamento –, onde viverão asfixiados por uma vida duríssima, presos numa dupla perversidade no mundo do trabalho, ora trabalhando muito e ora trabalhando pouco ou sequer trabalhando. E tudo isso numa condição de impossibilidade de direitos.”
É o que aguarda trabalhadoras e trabalhadores no dito ‘novo normal’ nos próximos anos. Não tem nada de novo nem há nada de normal. É o ‘velho normal’ em novo estágio, ainda pior. A resistência ativa, expressa hoje no combate à fome, na luta de movimentos populares, do movimento sindical, de pastorais sociais, terá que ser acompanhada por um novo projeto de país e nação, na construção de uma economia efetivamente solidária e no cuidado com a Casa Comum, a mãe natureza.
A luta, pois, não é de curto prazo, e sim de médio e longo prazos. E precisa de muita unidade e solidariedade de classe. E exige a construção de um ousado projeto de transformação. De um projeto país e nação com direitos, igualdade, democracia, soberania. Muita luta e muita resistência ativa esperam quem continua acreditando no sonho e na utopia de ‘um outro possível’, urgente e necessário.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko