A direção da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) vem alertando desde o final da semana passada para o risco da instituição fechar as portas por falta de recursos de custeio no segundo semestre de 2021. Nesta quarta-feira (12), a reitoria da UFRJ informou que o orçamento discricionário da universidade, isto é, os recursos disponíveis para manutenção e investimento, caíram R$ 340 milhões em 10 anos, de R$ 639 milhões, em 2011, para 299 milhões neste ano. A situação, no entanto, não é vivenciada apenas na federal do Rio de Janeiro. Levantamento feito pelo Sul21 junto a universidades federais gaúchas aponta que todas estão enfrentando dificuldades financeiras para arcar com despesas básicas.
Reitor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Paulo Afonso Burmann diz que a instituição chefiada por ele sofreu uma redução de 20% no orçamento em relação a 2020. “Nós estamos em meio à pandemia. No entanto, a universidade não parou, pelo contrário, ela intensifica suas atividades e mantém o seu nível de despesas, com pequenas reduções, por exemplo, por conta do consumo de energia, mas isso não é significativo ao ponto de justificar uma redução de 20% no orçamento da universidade em relação a 2020”, diz.
Além disso, destaca que uma parte do que está previsto permanece bloqueado aguardando autorização do Congresso Nacional para poder ser acessado. Segundo o reitor, em 2020, a UFSM operou com um orçamento de custeio de R$ 95 milhões. Até este momento, a universidade só teve liberados R$ 39 milhões, que, segundo ele, já foram comprometidos e que irão se esgotar em maio.
“Se o Congresso não liberar, qual a saída que a UFRJ apontou? Fechamento. A universidade não vai fechar, vai comprometer alguns projetos e vai deixar de oferecer alguns serviços. Por exemplo, a UFSM já fez 70 mil exames RT-PCR. É um serviço de saúde pública, não é para a universidade. Isso é um serviço que nós não vamos ter como fazer mais, porque não vai ter recursos. A população que paga impostos vai deixar de ter o serviço”, diz Burmann.
Presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Edward Madureira afirma que a situação das instituições federais de ensino superior, o que inclui os institutos federais, vem se agravando anualmente desde 2016.
“Desde essa época, os orçamentos das universidades vêm sendo mantidos em valores nominais e até reduzidos, como no ano passado, que a gente perdeu em torno de 9% do orçamento. Para 2021, esse orçamento foi cortado em 18%”, afirma.
Madureira destaca que, em 2014, o orçamento discricionário de todas as 63 universidades federais somava R$ 7,4 bilhões. Na ocasião, as universidades tinham 1,2 milhão de estudantes de graduação e pós-graduação. Para 2021, esse valor caiu para R$ 4,3 bilhões, enquanto o número de estudantes subiu para 1,35 milhão.
“Mas você não pode comparar os 7 bilhões com os 4,3, porque, nesse período, como esse dinheiro é utilizado para despesas do dia a dia, essas despesas têm uma correção, inclusive por força de contrato. Empresas de vigilância, de limpeza, etc. Aplicando o IPCA [inflação] nesse valor, o orçamento de 2021, para ser igual ao de 2014, deveria ser R$ 10,7 bilhões. Então, nós estamos operando com um orçamento que é quase 40% daquele que a gente tinha em 2014 e com um número maior de estudantes”, afirma.
Situação das universidades gaúchas*
Em nota, a administração da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) informou que sofreu uma redução no orçamento discricionário de 20% em relação a 2020. Além disso, assim como ocorreu com a UFSM e com as demais universidades, 55% do orçamento previsto para este ano ainda precisa da aprovação de uma legislação específica pelo Congresso para ser disponibilizado para a Unipampa. Isso ocorre devido à chamada Regra de Ouro do Orçamento, mecanismo que impede que o governo faça dívidas para pagar despesas correntes sem autorização do Congresso.
“Atualmente os recursos de custeio/manutenção geral da instituição envolvem em torno de R$ 24 milhões, que teve redução de 20% relativo ao valor de 2020. Esse recurso é destinado às despesas de água, energia elétrica, telefonia, internet, contratos e serviços da instituição, incluindo despesas com limpeza, motoristas, vigilantes, portaria, auxiliares de manutenção, entre outras despesas. Com as reduções e bloqueios previstos, apresenta-se a possível inviabilidade de funcionamento da instituição nos próximos meses”, diz a universidade em nota.
Também por meio de nota, a Gestão Central da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) informou que o Orçamento do governo federal aprovado pelo Congresso determinou que a instituição deve operar em 2021 com 75% dos recursos de custeio recebidos em 2019, quando fechou as contas sem déficit. Em 2020, apesar de ter recebido um valor 4% menor do que em 2019, a universidade também encerrou o ano sem déficit.
Na mesma linha das demais universidades, até o momento, a UFPel recebeu apenas 40,1% do orçamento previsto, já com a redução em relação aos anos anteriores. Mesmo em caso de liberação do restante, a universidade estima encerrar o ano com déficit entre R$ 10,5 milhões e R$ 21 milhões. “Em outras palavras, a Universidade não poderá cobrir todas as suas despesas de custeio a partir do mês de outubro, provavelmente”, diz a nota.
No caso da Universidade Federal de Ciências da Saúde (UFCSPA), o corte de cerca de 20% no orçamento discricionário representa uma perda de R$ 6 milhões em relação a 2020 (ver gráfico abaixo). Além disso, dos R$ 22,68 milhões previstos para 2021, apenas R$ 9,1 milhões já foram repassados para a universidade. “Há preocupação com a manutenção básica da universidade em caso de não liberação dos valores condicionados (pagamento de terceirizados, água, luz etc.). Além disso, mesmo com a liberação dos valores condicionados, já haverá dificuldades para o planejamento”, diz Leandro Mateus Silva de Souza, pró-reitor de Administração da UFCSPA.
Já no caso do orçamento de capital, que envolve recursos para investimentos em obras e compras de equipamento, a UFCSPA tem a previsão de receber, em 2021, R$ 350 mil a mais do que no ano passado. Contudo, o valor destinado para estas despesas foi, em 2020, apenas 10% do que havia sido destinado em 2015 e 2016.
A reitoria da Universidade Federal de Rio Grande (FURG) informou que, no orçamento de 2021, a instituição teve uma redução de 20,33% nos recursos para funcionamento e de 23,11% nos recursos de capital (para investimentos). “Desde 2016, a FURG vem reduzindo a sua despesa fixa e é essa gestão orçamentária que vem mantendo as contas da universidade em dia, embora às custas de severos prejuízos no desenvolvimento do ensino, pesquisa e extensão, assim como nas próprias atividades de manutenção e infraestrutura da universidade”, disse, em nota, o reitor da UFRG, Danilo Giroldo.
Consequência dos cortes
De acordo com o presidente da Andifes, para se adequar aos cortes, as universidades precisaram reduzir despesas, o que inclui cancelar obras que estavam previstas e não fazer manutenção predial. “O que é um perigo, porque sem manutenção predial você começa a ter infiltração, problema elétrico, risco de incêndio”, diz.
No caso da UFG, Madureira destaca que foi necessário inclusive diminuir a iluminação, a segurança e a limpeza dos campi. “Chega num ponto que a gente tentou, nesse período, preservar minimamente o funcionamento dos laboratórios e das salas de aula. Com esse corte [de 2021], a gente não consegue mais blindar a sala de aula e os laboratórios, porque as universidades já fecharam o ano passado em dificuldades, algumas já deixando contas como energia, limpeza e segurança sem pagar. Você imagina uma universidade sem energia. Com esse orçamento, vai chegar a um ponto que a gente vai atrasar tanto algumas despesas que o fornecedor vai interromper o funcionamento. Por isso que a gente escuta que a UFRJ pode paralisar em julho. A UFRJ é apenas um exemplo do que está acontecendo no Brasil inteiro”, diz.
No caso da UFG, da qual é reitor, Madureira diz que a universidade encerrou 2020 com R$ 8 milhões em despesas em aberto e que, para 2021, este orçamento já deficitário foi reduzido em mais R$ 20 milhões. “A gente começou devendo 8 e, se o orçamento se repetisse, a gente ia encerrar o ano devendo mais 8, mas reduziu mais 20. Então, numa projeção simples, a gente vai chegar no final do ano com R$ 36 milhões em aberto, o que, certamente, os fornecedores não suportam e esses serviços serão interrompidos”, diz o presidente da Andifes.
Assim como Burmann, Madureira destaca ainda que todos os serviços prestados pelas universidades no enfrentamento da pandemia de covid-19 estão com a continuidade ameaçada. “Os serviços que as universidades prestaram e continuam prestando de forma exemplar para a sociedade, seja na testagem, nos estudos clínicos, no desenvolvimento de medicamentos, no desenvolvimento de vacinas, as outras pesquisas importantes, todas elas têm ameaças concretas de descontinuidade, com prejuízos incalculáveis”, afirma.
Outra área que está sendo drasticamente atingida nas universidades é a de assistência estudantil, que reúne as políticas voltadas para a permanência dos estudantes de baixa renda nas instituições, como bolsas e outros benefícios. Na UFSM, o orçamento da assistência estudantil sofreu um corte R$ 5 milhões em 2021 (de R$ 18 milhões para R$ 13 milhões).
“Nós temos, hoje, pelo menos 600 estudantes moradores de residência estudantil que não conseguiram voltar para suas casas, ou porque é uma distância muito longe ou porque suas residências não ofereciam condições para a sua manutenção por lá. E tem mais um volume muito significativo que está pedindo para voltar”, afirma Burmann.
Vice-reitor da FURG, Renato Dias disse, em nota, que a universidade precisou realizar um corte significativo nos recursos destinados à assistência estudantil, que deveriam financiar as Casas do Estudante Universitário, a oferta de refeições a baixo custo nos Restaurantes Universitários e subsídios que permitem a estudantes de baixa renda familiar manterem-se na universidade.
“A assistência estudantil é uma política recente, mas que tem repercutido positivamente, tanto na democratização da educação superior como na redução das desigualdades socioeducacionais. Inúmeros indicadores demonstram que o investimento feito em assistência estudantil reverte-se numa substantiva melhora nos processos de ensino da graduação. Esses avanços poderiam se consolidar, caso o governo federal reconhecesse a importância do papel da universidade pública para o país”, disse o vice-reitor da FURG.
Madureira diz que a Andifes e os reitores das universidades federais se reuniram na semana passada com representantes do Ministério da Educação e que uma nova reunião deve ocorrer nesta quinta-feira (13). A expectativa é que seja elaborada uma agenda para sensibilizar o Ministério da Economia e o Congresso Nacional da necessidade de suplementação orçamentária para as universidades e institutos federais.
*A reportagem esteve em contato com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para obter informações sobre a situação da instituição, o que não foi possível até o fechamento desta matéria. Ela será atualizada assim que isso ocorrer.
Edição: Sul 21