Quando perguntadas sobre o que significa ser uma mãe de periferia, há uma palavra em comum: luta
Ser mulher em um país como o Brasil que desde 2013 é o 5º lugar em feminicídios no mundo é arriscado. Se considerarmos que apenas 10% das cadeiras do Parlamento – onde são feitas as leis – é ocupado por mulheres, vemos que os riscos aumentam.
Ainda, estamos em 92° lugar em uma lista que mede a desigualdade entre homens e mulheres em 159 países. Entre as razões para essa colocação estão as diferenças salariais entre homens e mulheres e o alto índice de mortalidade materna, que atingem mais fortemente os setores populares.
Ser mulher periférica acrescenta muitos graus de temperatura na fervura da desigualdade.
Se esta mulher é, ainda, mãe, é necessário estar preparada para redobrados desafios. Enfrentamos uma realidade de 11,5 milhões de “mães solo”, sendo grande parte delas do meio popular. Quando se trata de uma mãe que é uma mulher negra e/ou tem um filho com deficiência, somam-se ainda mais dificuldades.
Estas mulheres não são apenas números, estatísticas. São reais. Nós, nossas vizinhas. Agora, como estas nossas amigas, conhecidas, estão vivendo a complexidade que suas vidas já carregam, em meio a uma pandemia?
Imagine ter que explicar para uma menina de 7 anos, cheia de energia, que ela não pode ir na casa das colegas e que mesmo com as pessoas da comunidade não usando máscara e aglomerando nas esquinas, ela precisa ficar em casa e se sair, precisa estar com a máscara. Pense em um jovem com deficiência – especial, nas palavras da mãe – que normalmente não lida bem com o contato com pessoas estranhas, tendo que aceitar medição de temperatura, ou que tentem colocar álcool gel em suas mãos.
Ou, ainda, ver seus ganhos reduzidos porque a comercialização dos produtos que fazia caiu. E, mais, conviver com o receio de que alguém da casa se contamine e não seja possível o isolamento, pois só há um banheiro, a casa é muito pequena, há poucos quartos.
Situação agravada pelo fato de que, nas comunidades de periferia, as casas tendem a ser muito coladas umas nas outras, facilitando que a umidade se concentre e os problemas respiratórios aumentem.
Estes são apenas alguns aspectos desta realidade. O mais importante, talvez, seja perceber como ela é encarada. Com cuidado para não romantizar o sofrimento, é impossível não dar destaque para a capacidade destas mulheres de se desdobrarem e de criarem alternativas em meio ao caos externo.
Todas, em maior ou menor medida, passaram a aprender para poder ensinar a suas filhas e filhos. Resgataram aprendizados vividos com as mais antigas – como o uso de ervas, para tornar mais leve o cotidiano. Criaram redes com vizinhas/os e amigas/os para vender seus produtos.
Em qualquer dos casos, o trabalho fora, ou em casa, o cuidado de filhas/os, apoio a amigas e familiares, é feito basicamente sem acesso a políticas públicas. Lembremos que, em Porto Alegre, ano após ano, a oferta de vagas em creches e escolas infantis é insuficiente, ao ponto de que, mesmo na pandemia, em que a procura reduziu, há duas vezes mais inscritos do que vagas para essa política pública.
Mas, ainda assim, segue-se sonhando.
Nessa luta diária, cada uma destas mulheres reafirma a esperança no futuro. Quais seus sonhos?
Uma praça na comunidade, onde possa levar o filho especial, quem sabe com aparelhos de ginástica, para ajudar na saúde. Que a convivência familiar que se ampliou com o isolamento social, contribua para que as pessoas percebam o que vinham perdendo, permanentemente conectadas em redes sociais. Que o governo deixe de inviabilizar a vacina, para poder voltar a abraçar aos seus, porque não é possível que – nas suas palavras – “o psicólogo” fique bem, sem as pessoas poderem demonstrar afeto também com o toque.
Estas mulheres, que perguntadas quando são somente elas mesmas e não mães, irmãs, esposas, filhas, têm dificuldade de responder, tem outro elemento em comum. Quando perguntadas sobre o que significa ser uma mãe de periferia, há uma palavra em comum: luta.
Mesmo com toda pressão que sofrem, todas encontram tempo para se engajar em ações coletivas.
Os sonhos vêm da periferia. A luta por torná-los reais também.
Assinam:
Hannah Rocha Rodrigues - moradora do Espigão/Viamão
Helena Fagundes - moradora da Bom Jesus/P. Alegre
Jocelaine Santos da Silva - moradora da Cascata/P. Alegre
Lisiane Barbosa Teixeira - moradora da Cascata
Zadi Zaro - Col. Feminista Outras Amélias
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko