Rio Grande do Sul

ARTIGO

Chumbo e Pátria: Resposta do Estado às recentes manifestações populares na Colômbia

Coletivo de Colombianos traz panorama sobre preocupantes violações aos direitos humanos nos protestos da Greve Nacional

Sul 21 |
La Direkta Comunicacion - Facebook/Reprodução

A Colômbia está vivendo um cenário de políticas repressivas e violentas ante às manifestações iniciadas no dia 28 de abril, com a chamada da Greve Nacional. A resposta do Estado a estas manifestações tem sido a sistemática violação do direito ao protesto, consagrado nos artigos 20, 37, 38, 56 e 107 da Constituição Política da Colômbia de 1991.

Nosso objetivo é apresentar um panorama sobre as preocupantes violações aos direitos humanos cometidas durante os protestos da Greve Nacional na Colômbia.

Entendendo o contexto das mobilizações: Além da Reforma Tributária

Em meio à pandemia causada pelo Covid-19, o presidente colombiano Iván Duque anunciou no dia 23 de março uma reforma tributária que, segundo especialistas, golpearia fortemente as classes médias e os segmentos mais pobres da sociedade, deixando os ricos e a classe média alta blindados. A reforma tributária pretendia arrecadar COP$25,4 bilhões de pesos colombianos (US$7.148 milhões, antes da desvalorização da moeda devido aos protestos) incidindo principalmente sobre bens da cesta básica, serviços públicos e salários. No dia 19 de abril houve discussões no Senado, enquanto diferentes grêmios, sindicatos e organizações sociais de base convocaram manifestações em oposição à reforma para o dia 28 de abril. As jornadas da Greve Nacional vêm tendo repercussão sobre todo o território. Apesar do medo do contágio e da necessidade de medidas de cuidado coletivo, as marchas são acompanhadas por atos culturais, arengas, passeatas, plantões e gritos de protesto pacíficos, embora a mídia corporativa prefira enfatizar a ocorrência de “vandalismo” e danos aos estabelecimentos durante as manifestações.

O inconformismo da população não se limita apenas à reforma tributária, mas também a outros fatores que têm oprimido continuamente a população colombiana, desde os anos 1990 governada pela direita neoliberal, como o precário acesso à saúde e aposentadoria dignas e a falta de acesso à educação universitária pública e de qualidade. Diante desses fatores, a taxa de desaprovação do atual presidente Iván Duque chegou a 63,2%, alimentando a emergência de um amplo descontentamento e oposição ao Uribismo, movimento político de ultradireita que governa o país desde 2002, liderado pelo ex-presidente Álvaro Uribe.

As restrições de mobilidade impostas pelo Estado para o controle da pandemia, sem que haja medidas complementares de apoio para assegurar a renda mínima da população, têm lançado as famílias colombianas à uma condição de extrema vulnerabilidade. O uso de panos vermelhos pendurados nas janelas simboliza um grito de fome e desespero, um clamor pela atenção do Estado e uma busca pela solidariedade da sociedade civil.

Mas o Estado tem expressado desinteresse perante esta situação e colocado o gasto militar e a compra de insumos para a guerra como prioridade. O auxílio monetário que o governo oferece às famílias durante a pandemia, de apenas 118.200 pesos colombianos mensais (US$30,87), é baixo, operado através de chamadas intermitentes, e cobre um número muito reduzido de pessoas (3 milhões de domicílios). A taxa de desemprego é de 14,2% e 47% dos empregos são no setor informal. O relatório recém-publicado pelo Departamento Administrativo Nacional de Estatística (DANE) mostra que a pobreza monetária afeta 21 milhões de pessoas (42,5% do total de domicílios), enquanto 7,5 milhões estão em condição de extrema pobreza (15,1% do total de domicílios). A pobreza e a extrema pobreza aumentam em domicílios com chefia feminina, com menor nível educativo, em condição de desemprego ou inatividade e sem afiliação a segurança social. A Pesquisa Nacional da Situação Nutricional na Colômbia (ENSIN) do ano 2015, estimada que 54% dos domicílios sofrem de insegurança alimentar leve-moderada e 9% de insegurança alimentar grave. Mas atualmente esses índices devem ser ainda mais dramáticos.

O Estado declara guerra à paz

Segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz (Indepaz), de janeiro de 2020 a abril de 2021, foram cometidos 126 massacres, com 513 pessoas assassinadas. No mesmo período, foram assassinados 367 líderes sociais e defensores de direitos humanos e 86 assinantes do Acordo de Paz do Estado com as FARC. Os deslocamentos massivos, as ameaças contra a integridade física e moral, as execuções extrajudiciais e as vítimas de minas explosivas têm se intensificado nos últimos meses com o fortalecimento do paramilitarismo e pelas decisões de um governo que nega o conflito armado e omite completamente os compromissos pactuados no acordo de paz.

Há indiferença e omissão do governo frente ao sofrimento das famílias e uma resposta autoritária e repressiva do Estado frente ao clamor da sociedade civil que vem denunciando a escalada da violação dos direitos humanos na Colômbia. Há décadas sofrendo com os horrores da guerra, o povo colombiano aprendeu a se organizar em meio aos velórios, choros e orações, reconhecendo o sofrimento alheio como próprio. Nos dias recentes de jornadas de mobilização social, estas mesmas famílias têm sido emboscadas durante as noites, em bairros residenciais das periferias ou fazendo resistência nas ruas. A violência militar e policial, até recentemente confinada às zonas rurais, tem se estendido às periferias das cidades. O governo nacional deu a ordem de militarizar as capitais e as forças policiais e militares estão inclusive usando armas letais contra a população desprotegida. As noites têm se consumado como um espaço de terror. Até o dia 5 de maio antes do anoitecer a ONG Temblores reportou 1708 casos de violência policial, 222 vítimas de violência física, 37 assassinatos, 831 detenções arbitrarias, 312 intervenções violentas, 22 vítimas de agressão ocular, 110 casos de disparos de arma de fogo e 10 vítimas de violência sexual, todos consumados por parte da força pública.

Apesar de, no dia 2 de maio, o governo ter anunciado a retirada da atual proposta de reforma tributária do senado para reformulações, a Greve Nacional cresce devido ao restante das inconformidades. A ela somam-se o setor dos transportadores e o movimento indígena, que estão bloqueando algumas das estradas principais ou intermediárias, visando pressionar o governo a aceitar o diálogo com a sociedade civil. Adicionalmente, uma reforma da saúde vem sendo preparada pelo governo (Projeto de Lei 010), que afetaria negativamente o acesso à saúde pública no meio da pandemia. Além disso, observa-se com preocupação a sugestão proveniente de alguns congressistas da bancada do Partido Centro Democrático (Uribista) de declarar Estado de Comoção Interior, o que atenta contra a democracia e poderia agravar notavelmente a situação de violência e desrespeito contra os direitos humanos num país onde a confrontação armada tem se perpetuado por mais de sete décadas.

Fazemos um chamado à Comunidade Internacional para mobilizar coletivos, sindicatos, governos e organizações civis para acompanhar os fatos e denunciar as violações de direitos humanos em curso na Colômbia. Informações sobre esta grave situação estão sendo constantemente atualizadas pelos seguintes meios:

@TembloresOng (Instagram, Twitter e Facebook)

@elverdugo.co (Instagram)

@laorejaroja (Instagram e Twitter)

@conlaorejaroja (Facebook)

@RedDhFic (Facebook e Twitter)

@ladirekta (Instagram e Twitter)

@LaDirektaComunicacion (Facebook)

* Colombia-Poa – Coletivo de Colombianos em Porto Alegre

Edição: Sul 21