Elas estão dentro das casas e apartamentos cuidando da organização, da limpeza, cuidando de crianças e idosos. Em sua maioria de mulheres negras, residindo muitas vezes nas periferias, as trabalhadoras domésticas, segundo boletim da Rede de Pesquisa Solidária, estão entre as mais afetadas durante a pandemia. Colocadas como essenciais em muitos estados brasileiros, as trabalhadoras dessa categoria se deparam com direitos negados, salários reduzidos, férias postergadas, e desemprego.
Esta é a primeira reportagem da nova série especial realizada pelo Brasil de Fato RS, que será publicada no decorrer de maio. Neste que é o mês de luta da classe trabalhadora, a série Trabalhadoras e Trabalhadores Invisíveis traz a realidade daqueles que não tiveram a chance de fazer home office e, apesar de estarem trabalhando diariamente, não são lembrados como essenciais.
Em 2 de abril de 2013, a PEC das Domésticas estabeleceu a igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais. Em junho de 2015, a Lei Complementar 150 dispôs sobre o contrato de trabalho doméstico. Direitos garantido àquelas trabalhadoras com carteira assinada que vêm sendo enfraquecidos nos últimos anos, em especial na pandemia, aponta Ernestina dos Santos Pereira, diretora do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Pelotas.
Hoje aposentada, Ernestina tem mais de três décadas de experiência profissional e mais de quatro décadas engajada no direito das trabalhadoras domésticas. Já foi presidente do sindicato da categoria por mais de uma vez, integrante do Conselho Nacional e da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad).
Ernestina nasceu no Quilombo do Algodão, interior de Pelotas. Começou a trabalhar aos 13 anos. Dos anos dedicados aos trabalhos domésticos, tem somente 13 de carteira assinada. Atuante nas entidades de classe, ela conta que na pandemia as trabalhadoras perderam emprego, direitos, tiveram redução de salário e dispensa do contrato do trabalho (mas sem perda de emprego, ficando a trabalhadora pendurada, sem saber o que fazer).
“As trabalhadoras estão sendo tapete desta pandemia, porque tudo estoura. Tem empregadores que não querem que a trabalhadora use máscara dentro de casa. Mas vai saber né, se a primeira que morreu no RJ foi uma empregada doméstica?”, comenta. Ernestina cita casos de profissionais que praticamente tiveram que se mudar para casa do empregador e de muitas que dependem de transporte público, que estão sempre lotados.
“Pipoca o desrespeito à cidadã, ao cidadão trabalhador, trabalhadora doméstica. Consideram a pessoa como sendo robô de ferro, como se não tivesse os mesmos anseios, as mesmas vontades que as outras categorias. Além do desrespeito, retrocesso nos cortes das leis, e sem falar agora em relação ao auxílio emergencial. Que piada é essa que a pessoa está sozinha ganhando R$150? R$ 600 já era uma merreca, agora essa redução para quem está desempregado, para quem tem filho, quem não tem. Tu tem que de repente pagar aluguel, pagar conta de água, luz, gás. Isso é uma piada assassina desses governantes que aí estão”, desabafa.
Mais de 1 milhão de trabalhadoras perderam seus postos de trabalho
No Brasil, país que mais tem trabalhadoras domésticas no mundo, elas somam cerca de 6,2 milhões de pessoas, sendo que 92% são mulheres e, entre elas, 68% são negras, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD) de 2018, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 70% das trabalhadoras não possuem carteira assinada e somente 28% das domésticas possuem vínculo empregatício e direitos trabalhistas assegurados. De acordo com o IBGE, desde o início da pandemia, cerca de 1,2 milhão de pessoas perderam o emprego como trabalhador doméstico no país, o equivalente a 16% do total de vagas fechadas em 2020, entre formais e informais.
Darlene Fagundes da Silveira, 36 anos, mãe solo de três filhos, um de 18, um de 16 e outro de 5, é uma dessas pessoas que perderam seu trabalho de carteira assinada durante a pandemia, entrando para estatística das domésticas na informalidade.
Moradora do bairro Cascata, em Porto Alegre, Darlene exerce a função de trabalhadora doméstica desde os 16/17 anos. Até o início da pandemia, trabalhava com carteira assinada, há cerca de três anos, para uma senhora de idade pertencente ao grupo de risco. Ao perder o emprego formal, Darlene começou a fazer faxinas.
“Agora estou de bico, se pintar faxina eu faço. Estou assim desde que começou a pandemia. Fiz uma faxina hoje, só deus sabe quando terá outra porque as pessoas têm bastante medo, ainda estão com medo de aglomeração, de pessoas estranhas em suas casas. Tem que ter todo um cuidado”, aponta.
Ela comenta que a pessoa que chama para fazer faxina atualmente faz esporadicamente. Darlene diz que muitas das suas amigas que hoje estão desempregadas antes tinham faxina fixa, três, quatro vezes por semana. “Nós empregadas domésticas estamos muito debilitadas, uma situação bastante complicada, não falo só por mim, falo por todas nós”, desabafa.
Darlene conta que uma amiga, também trabalhadora doméstica, das sete faxinas que fazia na semana, só havia restado uma. “É como ela disse, o que vai fazer com R$100, R$150. Além das nossas faxinas não serem valorizadas, não têm o valor justo que deveria ser pago. Se tu for botar o valor que a gente vai cobrar mesmo as pessoas não aceitam”, destaca. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a partir de dados do IBGE, aponta que em 2018 as trabalhadoras na informalidade recebiam somente a média de R$ 684 por mês.
Segundo Darlene, a pandemia afetou não somente o serviço, mas a estrutura familiar, o financeiro e a educação das crianças. Em relação à estrutura, ela diz que além da questão dos ônibus sempre lotados e em pouco horários, tem a questão de com quem deixar os filhos quando se consegue uma faxina.
“Quem não tem parentes, como é meu caso, tem que estar procurando alguém para cuidar. É tudo muito complicado”, expõe. Além dos filhos mora com Darlene um irmão especial.
Essenciais, mas sem reconhecimento
“A gente passa despercebida, não somos lembradas em nada, não temos voz para nada. Como agora na pandemia, quem foram os primeiros a cair? Nós, empregadas domésticas, o pessoal da limpeza, os primeiros a serem demitidos, a serem afastados. E isso já acontecia antes. Nosso trabalho é essencial, mas não há nenhum reconhecimento. Se eles reconhecessem estaríamos também no grupo prioritário de vacina. Primeiro foi o pessoal da saúde, porque não vacinaram a gente? Quem limpou a casa do doutor, quem limpa a casa dos profissionais de saúde é a gente, também corremos risco”, desabafa.
Entre os principais problemas enfrentados, Darlene destaca a dificuldade financeira, o estresse do dia a dia e a rotina que foi quebrada. “O meu filho de 16 estudava e fazia curso, o de 18 estudava e trabalhava, eu trabalhava, o meu pequeno ia para creche. Eu estava conversando com uma amiga e observando meu filho de cinco anos e vi que ele estava com crise se ansiedade, por falta dessa rotina. Ele saia de manhã, ia para escolinha, tinha os amigos dele, as atividades, e agora ele está há mais de um ano dentro de casa, o contato dele é só com adultos”, exemplifica.
Darlene recebeu o auxílio emergencial no ano passado e nesse ano a renovação no valor de R$ 375,00. “Tu faz rancho, opa, mentira que rancho a gente não faz, não tem mais como fazer rancho. Tu se depara com a situação, fiz a faxina hoje, o que eu vou comprar, o arroz, o feijão, tem que durar até tal dia”, relata. “Com o auxílio eu comprei o meu gás, quase chorei, R$ 95. Vou ali comprar uma caixa de leite, arroz, feijão, comprar uma mistura com o que sobrou”, complementa.
Conforme destaca a trabalhadora, a pandemia a deixa sobrecarregada em tudo. Ela afirma que gostaria que o serviço fosse valorizado e que as pessoas olhassem com respeito. “Nosso trabalho é tão essencial como qualquer outro. Eu gosto do que eu faço, a gente faz com tanto amor. Não é só o médico, o professor, não é só quem tem estudo, não que a gente não tenha, que tem que ser valorizado, a gente também. Imagina se não tivesse a limpeza? O médico que sai todo dia para trabalhar, chega cansado, de uma rotina estressante e tem que limpar a casa dele? Para nós seria um orgulho ter nossos direitos, sermos valorizadas”, finaliza.
Citando Laudelina de Campos Melo, pioneira na luta por direitos de trabalhadores domésticos no Brasil, Ernestina dos Santos Pereira, destaca que o sindicato, assim como a Federação, trabalha para o empoderamento das trabalhadoras doméstica, contando com o apoio e trabalho da Themis. “Temos que ter muita resistência para seguir na luta que nunca foi fácil. Tivemos avanços com os governos Lula e Dilma, e o desafio é manter a resistência e enfrentar esse governo genocida”, conclui.
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Edição: Marcelo Ferreira