A chamada Reforma Administrativa vem para vulnerabilizar ainda mais as mulheres
A dupla jornada se transformou em jornada integral no “novo normal”. Nos desdobramos entre o trabalho não remunerado e as tarefas profissionais. As atividades remotas se tornaram uma alternativa, mas o transporte público segue lotado. As escolas e creches fecharam, ampliando nossas responsabilidades diárias. O confinamento, o medo, a privação do sono, as restrições financeiras e a incerteza do futuro nos atormentam nesse loop infinito.
Ser mulher na pandemia é sinônimo de resistência em suas múltiplas dimensões. Das profissionais da saúde às atendentes dos supermercados. Estamos cansadas, mas força, cuidado e acolhimento ainda resistem em nosso vocabulário.
No mundo, somos 70% da força de trabalho na linha de frente no combate do novo coronavírus, segundo o relatório “Covid-19: Um Olhar para Gênero” do Fundo de População das Nações Unidas (da sigla em inglês UNFPA). Em solo brasileiro, 65% dos seis milhões de agentes da saúde são do sexo feminino, como em áreas do serviço social, onde ultrapassa 90% de presença, e 80% na enfermagem e psicologia, conforme dados do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).
Somos trabalhadoras de diversas categorias lutando pela vida e pelo direito de uma existência digna, dentro de um sistema capitalista onde as vítimas são apenas números e o que importa é o acúmulo do capital.
O que ganhamos por tanta dedicação e profissionalismo?
Agora, mais uma reforma contra as mulheres. Bolsonaro e sua trupe não perdem a oportunidade de perpetuar o machismo estrutural e o ataque à emancipação feminina. A chamada Reforma Administrativa vem para vulnerabilizar ainda mais as mulheres e seguir com o projeto de destruição da assistência social aos brasileiros, através do enfraquecimento das estruturas do Estado e do serviço público.
A Proposta de Emenda Constitucional 32/2020 segue na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados (CCJ). O texto altera 27 trechos da Constituição Brasileira de 1988 e acrescenta mais 87, o que resultou em quatro novos artigos. As principais alterações ocorreram nas contratações, remunerações e desligamentos de cargo nas esferas municipal, estadual e federal. A PEC 32/2020 abre caminho à terceirização de serviços às empresas privadas, acaba com a estabilidade do servidor público, prejudica a continuidade da prestação de assistência gratuita e diminui o combate à corrupção.
O governo federal a nomeia de PEC da Nova Administração Pública e a considera uma das propostas prioritárias no calendário desse ano, sob a justificativa de ser uma medida necessária para manutenção da economia. A intenção é que ela chegue ao Senado ainda no primeiro semestre de 2021. Mas, apenas uma parte da administração pública será atingida de fato, ficaram de fora o Poder Judiciário, militares e parlamentares. O clássico “corte de gastos” que penaliza somente a classe trabalhadora.
E mais uma vez, a redução de direitos impactará duramente as mulheres. Sabemos que a desigualdade de gênero no mercado de trabalho é histórica e isso não é diferente no funcionalismo público. De acordo com o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicado em 2020, a participação das mulheres no serviço público chegou a 59% em 2017, ganhando em média 24% menos do que os homens.
Caso aprovada, a PEC 32 irá fragilizar a saúde básica, o controle de taxa de mortalidade infantil, o acesso à educação gratuita e a assistência social, setores com atuação majoritariamente feminina. Tanto as trabalhadoras do funcionalismo, como as usuárias desses serviços, principalmente as mulheres negras, irão sofrer com a reforma administrativa.
Responsabilizar e precarizar o funcionalismo público pelas dificuldades econômicas do Brasil fazem parte do jogo sujo do governo bolsonarista. Atendimento gratuito e de qualidade à população não é o motivo do esvaziamento dos cofres públicos. Serviço público é solução e investimento, não prejuízo.
Morgana Virgili - jornalista, militante feminista
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko