Estou vivo, muito vivo, o que, é o mais importante. Pronto para continuar incomodando o poder
Quando você beira os 70, inevitavelmente começa a pensar na vida: o que passou, o que está acontecendo e o que ainda há por vir.
Anos 1950, foi o abrir os olhos, papai Léo, mamãe Lúcia, vó Gertrudes, as primeiras letras, tia Leonida sortindo fumo e escrevendo sílabas e palavras com carvão na parede do galpão, o que permitiu minha entrada na Escola São Luiz de Santa Emília aos 6 anos sabendo ler e escrever, a família em crescimento todos os anos, 8 irmãos, a comunidade e a fé, o Esporte Clube São Luiz.
Anos 1960, com 11 anos, começar a ganhar o mundo longe de casa, Seminário de Taquari, nova família, a franciscana, aprender a falar português, depois do alemão da infância, escrever e publicar poemas no Mural do Seminário.
Anos 1970, aos 19, a capital, Porto Alegre, o movimento, especialmente o estudantil e a Pastoral da Juventude, confrontos com o poder, inclusive da Igreja Católica, virada de vida no encontro com as trabalhadoras e os trabalhadores e o povo pobre da Lomba do Pinheiro, periferia de Porto Alegre e Viamão, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), a Teologia da Libertação, Frei Betto, Leonardo Boff, a luta comunitária, poemas no Caderno de Sábado do Correio do Povo e o primeiro livro, EM MÃOS, a poesia ganhando o mundo.
Anos 1980, o amor vivido, a luta política pela democracia, a vida partidária, o Núcleo do PT da Lomba do Pinheiro, a educação popular e o Centro de Assessoria Multiprofissional (CAMP), a Pastoral Operária, Diretas-Já e Constituinte livre e soberana, eleições, o Parlamento e o mandato popular de deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul, o Movimento Fé e Política.
Anos 1990, tempos de democracia e luta contra o neoliberalismo, direção partidária, governos democrático-populares, Orçamento Participativo, políticas públicas com participação popular.
Anos 2000, Lula presidente, sair do Rio Grande, Brasília, Frei Betto, Fome Zero, TALHER e Rede de Educação Cidadã (RECID), Escolas-Irmãs, 'matar a fome de pão, saciar a sede de beleza'.
Anos 2010, a primeira mulher Presidenta da República, as políticas e planos de segurança alimentar e nutricional, de agroecologia e produção orgânica, os Marcos de Referência da Educação popular para as Políticas públicas, em Saúde, na Economia Solidária, volta ao Rio Grande, com o retrocesso político, mais um golpe, a democracia ameaçada, o neofascismo necrófilo e genocida.
Anos 2020, o CEAAL (Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe), o centenário de Paulo Freire, a pandemia, as mortes, a dor, o sofrimento, os Comitês contra a Fome e contra o Coronavírus, a volta do Brasil ao Mapa da Fome, formação na ação na base popular, vacina para todas e todos, auxílio emergencial, impeachment do atual Presidente, o isolamento social e as lives e fake news no cotidiano, mesmo assim construir o inédito viável, ESPERANÇAR.
Uma vida em movimento: Os valores vividos e aprendidos, as referências e a inspiração - a Bíblia, o Cântico de São Francisco, as frases do Che, a Teologia da Libertação, a Pedagogia do Oprimido, da Indignação, da Esperança, ética e política, mística e política.
A tradicional festa dos ‘enta’, de dez em dez anos, acontecerá em 2031, nos oitentinha bem vividos. A memória, aos poucos, se vai. A solidão cresce. O silêncio também. Mas estou vivo, muito vivo, o que, sem dúvida, é o mais importante. Pronto para continuar incomodando o poder, a direita, os poderosos de plantão, estejam onde estiverem!
Nunca sozinho, sempre bem acompanhado de companheiras e companheiros, coletiva e solidariamente. Ainda restam tempos de vida? Quais os termos de viagem? O que há pela frente? 10 anos? Talvez 20? Quem dera 30, chegar aos 100, festejar 2051.
Os sonhos permanecem vivos: fé e política em boa companhia, paz no mundo, América Latina livre e soberana, Brasil sem fome, com igualdade, direitos, dignidade, democracia, justiça soberania.
A VIDA COMEÇA AOS 70
Há uma vacina a caminho.
Estamos velhos,
mas não acabados.
Os ventos ainda sopram,
assim como o esperançar freireano.
Estou/estamos vivos
quando cuidamos da Casa Comum.
Estamos mortos
quando a palavra se esgota,
a mão não se estende,
a utopia está morta.
A longa jornada continua,
pés no chão,
cabeça de pé,
pensamento em dia,
vozes e luzes no coração.
Com o brinde, À VIDA, AO PRAZER E AO AMOR!
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko