A cineasta gaúcha Karine Medeiros Emerich, de 55 anos, dedicou praticamente toda a sua vida a relatar, em seus filmes e documentários, a vida e a luta dos oprimidos. Seja fazendo diversos documentários produzidos no Centro de Assessoria Multiprofissional (CAMP), entre os anos 80 e 90. Formada na Unisinos, Karine sempre trabalhou com assessoria a movimentos sociais. Especializou-se em documentários em Cuba, na universidade de Havana.
No início do século XXI, Karine centrou sua produção em conteúdos que estão comprometidos com a crítica social e com abordagens sobre questões essenciais do homem na contemporaneidade. Demonstram interesse por conteúdos que perpassam temas como realidade brasileira, diversidade, ecologia, urbanidades, meio ambiente, sustentabilidade, violência, religiosidade, valores, princípios éticos, raízes brasileiras, e que são retomados através de novos projetos.
"Entre os que estão em desenvolvimento, temos uma série voltada para o público infantil, um longa-metragem de ficção e dois documentais, e os outros projetos são de séries de documentários. O convite, realizado em 2000, pela Secretaria de Educação do RS para registrar em língua Kaingang contos, memórias e histórias infantis através da fala de anciões residentes próximos a Nonoai foi o desafio que me aproximou da cultura e da realidade desta etnia”, explica.
Parceria com um mestre Kaingang
Seu vínculo com a comunidade Kaingang se fortaleceu com o conhecimento e a amizade de Dorvalino Refej Cardoso, nascido em 1964, na Terra Indígena Votouro, e que mora na aldeia Por Fi Ga, em São Leopoldo, onde é professor. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ele iniciou seus estudos na graduação da UFRGS em 2008, na primeira turma de estudantes indígenas a ingressar por meio da regulamentação feita pelo Conselho Universitário (CONSUN) em 2007, que criou vagas para os povos indígenas. Dorvalino se formou em Pedagogia em 2014, e foi o único representante dos povos originários daquela turma.
Na realização de seu projeto, Karinre trabalhou com Dorvalino e com o pesquisador, professor universitário, antropólogo e também diretor Rogério Réus Gonçalves da Rosa no documentário “Sabedoria Kaingang”. Realizado em 2015, foi exibido pela TVE RS e licenciado para o canal por assinatura CineBrasil TV em 2018.
Dorvalino acompanhou a filmagem, transcreveu as sonoras (entrevistas, cantos, conversas e rezas na língua Kaingang), traduziu para o português e participou no processo de montagem. O envolvimento com todo o projeto e o processo educativo, feito de trocas vivenciadas com a equipe, resultou na alfabetização audiovisual de Dorvalino, na medida em que ele passou a compreender a construção narrativa, a supressão temporal e as possibilidades de edição do discurso e da montagem de imagens.
Segundo Karine, sua presença durante a captação de imagens e todo o tempo em que ele ficou dedicado ao texto e o aperfeiçoamento para as traduções finais das legendas em português também foram partes fundamentais na conscientização e apropriação da linguagem audiovisual feita por Dorvalino. “Esta experiência nos levou a desenvolver novos projetos e roteiros que possibilitem o registro e a propagação do modo de ser indígena nos dias atuais”, afirmou.
Desafios para manter a cultura
Dorvalino, atualmente cursando doutorado na Faculdade de Educação da UFRGS, afirma que vive momentos de angustia para tentar conseguir recursos e manter a cultura de seu povo. “Somos cerca de 240 povos de língua GÊ, kaingangues que se espalham dentre o noroeste do Rio Grande do Sul e o centro do estado de São Paulo. Sofremos com a aculturação e nossa juventude, pois nossa cultura é mantida de forma oral. Por isso, ensinar a língua é uma das nossas principais tarefas, além das danças e demais rituais religiosos praticados por nossos antepassados.”
Segundo Dorvalino, “nossos sábios estão morrendo, pois ficam velhos e precisamos repassar seu conhecimento aos mais jovens”. Os Kaingang cultuam duas marcas, traços e pontos, retangulares e redondas que segundo seus Tujás (pajés) nascem como cada um deles. Os homens de marca redonda casam com mulheres de marcas retangulares e assim vão preservando a força de sua etnia. “Todos somos parentes" explica Dorvalino, "ou irmãos ou cunhados".
Ele conta que as marcas nasceram com uma “briga que houve entre o sol, a luz do dia, e a lua, a luz da noite. Neste embate, o sol, mais forte, machucou a lua, que chora todas as noites, por isso aparece o orvalho”. São com estas formas poéticas que Dorvalino vai descrevendo a sua cultura e sabedoria.
Indígenas nas telas
Dorvalino traduziu e legendou todos os filmes falados em Kaingang produzidos por Karine. Um deles é "Sabedoria Kaingang" (KANHGÁG KANHRÓ), uma história de dois velhos com marcas diferentes que moram em comunidades diferentes e se tratam como parentes. Com 26 minutos, o documentário é de Karine Emerich e Rogério Rosa.
O outro é "Mistérios de entrever", filme no qual uma professora convida os alunos para conhecerem um pouco da cultura Kaingang. Os velhos da aldeia falam sobre a importância de repassar a tradição Kaingang para os jovens e contam histórias do tempo em que os animais eram inteligentes e falavam, e que um dia deus resolveu mudar tudo isso e agora essas são histórias que são contadas para as crianças.
Além desses dois falados em Kaingang, Karine produziu mais um, o “Uma aldeia Kaingang”, onde Yuri mora com seu avô Dorvalino e sua avó Adelar. Eles são indígenas da tribo Kaingang que preserva com muita força suas tradições. Yuri ajuda a avó a pegar lenha e fazer artesanato. Vô Dorvalino estuda na universidade e dá aulas na aldeia. Juntos eles aprendem, ensinam, e fazem o pão nas cinzas, receita tradicional da tribo.
Além das histórias dos Kaingang, Karine também dirigiu e produziu “Os perambulantes”, onde conta a história de Acuab, cacique feminina remanescente da etnia Charrua. O documentário apresenta o encontro da cacique Acuab com Carlos Carvalho, fotojornalista carioca radicado em Porto Alegre, em um inusitado passeio pela capital gaúcha.
Os diálogos, imagens e depoimentos em "Os perambulantes" reconstituem a realidade das comunidades indígenas em Porto Alegre, sua luta pela sobrevivência e reconhecimento de sua identidade, cultura e direitos. Temas como as ações afirmativas, o direito social da propriedade, as políticas indigenistas, o que caracteriza o ser indígena e o ser não-indígena, são apresentados por especialistas e indígenas.
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Edição: Marcelo Ferreira