Os questionamentos, sobre o projeto e o traçado, da linha de transmissão da Eletrosul pela Área de Proteção Ambiental (APA) Morro de Osório**, desde 2015 e que fizeram com que a obra não saísse até o presente, estão sobre o “novo” projeto, que agora é capitaneado pelo grupo CPFL (State Grid da China): quais são os impactos na área? Quais são e onde estão os estudos socioambientais? Quantos e quem são os atingidos? Quais são os impactos ambientais (flora e fauna)? Cadê as informações? Cabe ressaltar que, aqui, não está o questionamento ou a nossa posição sobre o mérito da obra, e sim, sobre o seu traçado em meio à APA. Com o agravo da precariedade e insuficiência de estudos socioambientais, da falta de informações e de transparência.
Após um ano em busca de informações, no contexto de uma pandemia sem precedentes, as duas últimas semanas reservaram momentos de surpresa e perplexidade para moradores da APA e do município de Osório (RS), que acompanham as propostas de projeto, há anos: já existe a Licença Prévia (abril de 2020), a Licença de Instalação (julho de 2020) e ambas constam no Relatório Ambiental Simplificado - RAS*** (o projeto da Eletrosul precisava de Estudo de Impacto Ambiental - EIA-Rima).
Sem a publicização de informações, de anuência ou não para execução da obra, a Procuradoria da República de Capão da Canoa do Ministério Público Federal (MPF), foi acionada em março de 2020. E, através dela, todas as partes envolvidas foram mobilizadas: Conselho Municipal de Meio Ambiente de Osório (CONDEMA), Prefeitura Municipal de Osório, Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (Fepam) e a empresa CPFL. Mas, em função da pandemia, não houve contato por meses e, somente no início deste mês de abril, soubemos que já havia a Licença Prévia. No dia 8 de abril de 2021, ocorreu uma reunião na Procuradoria da República de Capão da Canoa, com a participação de integrantes do Fórum da APA e representantes da empresa CPFL, quando se teve o conhecimento sobre a Licença de Instalação.
Em comum com outros empreendimentos do Sistema Elétrico, a violação de direitos humanos se repete de forma sistêmica neste projeto, através do não atendimento ao pressuposto do direito à informação e à participação social.
Este é um primeiro relato público sobre a situação. Vamos trazer mais elementos nos próximos dias, apesar da imensa dificuldade de acesso às informações e da falta de transparência: o inverso do que preconiza a Constituição brasileira e a própria legislação do licenciamento ambiental.
A "passagem das boiadas" sob a guia do antiministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e levada adiante por muitos degradadores socioambientais, não se restringe à flexibilização da legislação, ao desmonte dos órgãos ambientais e à destruição da política ambiental. Serve, também, para fazer passar projetos que, não fosse a pandemia, receberiam maior atenção pública e seriam obrigados a enfrentar as críticas e provar a sua real viabilidade.
A beleza e a importância da Mata Atlântica, e de suas áreas preservadas na APA, nos mobiliza a lutar para obter as informações, a exercer a nossa cidadania em favor dos direitos dos atingidos, moradores e agricultores, pela aplicação da Constituição e da legislação ambiental. Não aceitaremos a destruição de um dos últimos remanescentes da Mata Atlântica do Litoral Norte do Rio Grande do Sul.
* Professor da rede pública estadual, biólogo, especialista em Meio Ambiente e Biodiversidade (UERGS), mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS) e integrante do Fórum da APA Morro de Osório. O Fórum da APA Morro de Osório é um projeto de extensão da UFRGS - Campus Litoral Norte.
**LT 230kV Osório 3 – Gravataí 3 C1, com 66 km (nos municípios de Osório, Santo Antônio da Patrulha, Glorinha e Gravataí).
*** RAS no Sistema Online de Licenciamento Ambiental (SOL) da FEPAM, código do empreendimento: 415628.
**** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: EcoAgência