Rio Grande do Sul

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Aqui se plantando, tudo dá. E isso é um problema

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"A ligação entre a demissão do Renato Gaúcho e a decisão histórica do MPF, se apoia em um fato: nas crises, as pessoas se revelam" - Pedro França/Agência Senado Fonte: Agência Senado
O que está em jogo é a semeadura de valores sociais. O que queremos ver prosperar?

O tema da semana poderia ser a demissão do Renato Gaúcho, indivíduo personalista, egoísta, egocêntrico e bolsonarista, que envergonhava a unidade solidária da torcida gremista. Mas este é um caso menor. Relevante mesmo foi o que aconteceu no STF.

Decisão do ministro Fachin, levando ao Pleno um tema que, segundo vários juristas, só estaria recebendo aquele tratamento porque assim poderia ser freada a devolução dos direitos políticos à Lula, corria o risco de não ser bem sucedida. Foi então que o presidente do STF propôs suspender a sessão, sendo derrotado em seu intento por iniciativas dos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Levandowski e Carmen Lucia.

“A Lava Jato não pode voltar ao zero”, argumentavam aqueles que talvez pretendessem mais tempo para pressionar ministros comprometidos com a Constituição Federal. Já outros articulistas lembravam artigo de “ex-amigo” do ministro Fachin, então acusado de maquinações para manter o Lula preso.

A ligação entre a demissão do Renato, contra a opinião de alguns torcedores gremistas, e a decisão histórica do MPF, se apoia em um fato: nas crises, as pessoas se revelam. É sob pressão que as decisões abrem novos caminhos, apontando iniciativas memoráveis, heroicas, ou desmascaram a covardia dos omissos, ou, no limite do pior, expõem os canalhas, garantindo que a associação entre a vergonha e o nome da família resultará em herança a ser explicada por seus netos.

E o grave é que conforme o clima, tanto os bons como os maus exemplos, podem prosperar. No positivo, temos como emblemáticos os alertas expostos no segundo dia de julgamento da incompetência regional da vara de Curitiba, por Ricardo Levandowsky, no sentido de que o Supremo não poderia adotar uma legislação particular para o Lula, ou por Gilmar Mendes, referindo infantilização da Suprema Corte e constrangimento para o Judiciário do que ali estava ocorrendo, ou ainda por Carmen Lucia, chamando atenção para o que estaria sendo votado naquele momento e para o fato de que decisões sobre a parcialidade/incompetência do juiz Moro já havia sido determinada pela segunda Câmara do STF.

Estas e outras manifestações de coragem e civilidade são como o plantio de sementes, que se espera resultem em floresta robusta, capaz de sustentar a República e defendê-la do que se esboça como uma sucessão de tentativas de golpes, dentro do golpe de 2016, contra o Brasil inclusivo do presidente Lula.

É importante o destaque a estes casos positivos não apenas porque nos tempos atuais eles se mostram escassos, mas principalmente porque seu oposto, os maus exemplos, prosperam e tendem a se enraizar, erodindo nossa já quase inexistente democracia.

Vejam que foram os apoios a irregularidades conduzidas pelo ex-juiz Sérgio Moro, por aproveitadores, golpistas, formadores de opinião, alguns procuradores federais, desembargadores e muitos analistas políticos, que nos trouxeram a este ponto. Naquela onda, o prêmio aos maus exemplos, o enaltecimento às nulidades e mistificações da realidade avançam a ponto de nos recolocar no mapa da fome, com 360 mil mortos por covid, e milhões de brasileiros apáticos, apavorados com o que possa acontecer no dia seguinte.

Foi assim, com a tolerância ao intolerável, com o enaltecimento da ignorância e da brutalidade, que se estabeleceram, entre os representantes da vontade popular, elementos como o Dr Jairinho, ligado a milícias que se associam tanto à morte de Marielle e Anderson Gomes como ao sucesso da família Bolsonaro. Estes exemplos de uma sociedade com valores fundantes em desconstrução, se expandiram desde 2016, consolidando representação em todos os estados. No RS, onde mais de 910 mil pessoas, majoritariamente negras e pobres, já foram infectadas pela covid, Valter Nagelstein, ex-presidente da Câmara de Vereadores e ex-candidato a prefeito de Porto Alegre, está sendo denunciado por racismo pelo Ministério Público.

Em Brasília, o presidente Bolsonaro, acuado pela comprovação de inocência de Lula, utiliza expressões tão claras quanto “é fácil impor uma ditadura no Brasil”, para ameaçar a todos que possam desagradá-lo de alguma maneira. Após decisão do STF que recuperou os direitos políticos de Lula, Bolsonaro, alheio à incompetência de seus ministros, perguntou, para a nação, quanto a um possivelmente próximo governo Lula: “qual vai ser o futuro do Brasil com o tipo de gente que ele vai trazer para dentro da Presidência”. Sem polemizar, mas lembrando nomes como Celso Amorin, Tarso Genro, Fernando Haddad, Miguel Nicolelis e tantos outros que provavelmente sequer teriam o que dialogar com o atual presidente, o astronauta, o Salles, a Damaris, o Guedes, os já defenestrados e os por defenestrar, gente que em seu todo, aparentemente não sabe o que faz.

Com eles, os biomas queimaram, os direitos trabalhistas ruíram, o emprego não veio, o crédito sumiu, as vacinas não chegam, faltam oxigênio, leitos, médicos, gás de cozinha, combustível e alimentos. Para completar o atual Orçamento é tido como inviávelcientistas são perseguidos por denunciarem irregularidades de governo, e o próprio presidente, é acusado de crime contra a humanidade no Parlamento Europeu.

Então, o que está em jogo é a semeadura de valores sociais, que prospera em função de atitudes e exemplos merecedores de reconhecimento. O que estamos semeando, construindo? O que estamos apoiando e queremos ver prosperar?

Na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, Leonel Radde justificou sua proposta para criação de uma Frente Parlamentar Antifascista e pelos Direitos Humanos, destacando as implicações deste rápido avanço de manifestações de estímulo à violência, em uma sociedade acuada e amedrontada. Cabe de fato, aos representantes da população, no Legislativo, no Executivo e no Judiciário, promoverem bloqueio ou o estímulo ao fim da democracia?

Resta claro que a iniciativa desta Frente Parlamentar, que pretende estudar e debater a existência e as implicações de manifestações fascistas, na sociedade, no governo, no Legislativo e em outras instâncias do poder público precisa ser apoiada e reproduzida, antes que se faça tarde demais.

Na arte, na música e na poesia, as incitações à paz e à violência, à consciência responsável e à brutalidade, também estão em disputa. Vejam por exemplo, Sergio Reis ameaçando “ir lá” e “meter a mão na cara” do governador e do prefeito de São Paulo, porque estes pretendem impedir crises como a de Bauru, adotando na capital recomendações da OMS aplicadas com sucesso pelo prefeito Edinho, no município de Araraquara.

Diante disso, e para encerrar, para onde vamos, e que música se faz mais útil, neste rumo? Que atitudes queremos ver semeadas e multiplicadas para a colheita dos que sobreviverem a esta época triste, onde dos mortos, como diz a música a seguir, mais de 90% são nossos?

 

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko