O governo do Rio Grande do Sul não enviou representantes para participar da audiência pública virtual que debateu os impactos da PEC 280, que altera a constituição estadual eliminando a obrigatoriedade de plebiscito para uma possível venda do Banrisul, da Companhia Rio-grandense de Saneamento (Corsan) e da Companhia de Processamento de Dados do Rio Grande do Sul (Procergs). A audiência, realizada na manhã desta quarta-feira (14) pela Comissão Mista Permanente de Defesa do Consumidor e Participação Legislativa Popular da Assembleia Legislativa do RS, contou com a participação de cerca de 400 pessoas.
A bancada do Partido dos Trabalhadores lamentou a ausência do governo. “O governo não quis participar do debate, então ficamos prejudicados, pois precisamos discutir um tema tão importante. O objetivo maior nós estamos alcançando que é divulgar o absurdo que é a tentativa de privatização de empresas essenciais para o desenvolvimento do Estado”, avaliou o deputado Edegar Pretto, que falou em nome dos proponentes da audiência pública.
O parlamentar lembrou que o governador Eduardo Leite (PSDB) prometeu em campanha eleitoral não privatizar essas estatais, mas agora, com o apoio da bancada governista, está propondo o fim da obrigatoriedade de consulta à população. E destacou que pressão popular é fundamental para evitar a venda do patrimônio gaúcho. “A carta que a Famurs tirou e foi enviada à Assembleia Legislativa e ao governo do estado tem grande importância, assim como as mais de 200 moções de repudio à PEC também devem ser levadas em consideração. Precisamos fazer tudo o que tiver ao nosso alcance, pois precisamos exigir dos nossos governantes cuidado com as pessoas que mais precisam.”
Empresas públicas são estratégicas
O deputado Zé Nunes lembrou que, como prefeito por oito anos, teve muitos desafios e o saneamento foi um dos principais na administração de São Lourenço do Sul. “O que está sendo posto em meio a uma situação dramática da pandemia é terrível. A água é um dos insumos mais importantes no combate à doença. De outra forma, temos que ressaltar a importância do Banrisul como entidade financeira capaz de levantar recursos aos pequenos produtores, aos empreendedores individuais e Eduardo Leite, rompendo a palavra dada em campanha de uma hora para outra. Não tem como desvincular a PEC da intenção de vender as empresas públicas”, disse, ressaltando que as três empresas públicas são estratégicas.
A ausência de representante também foi criticada pelo deputado Valdeci Oliveira. “O argumento do governo de que não vem porque haverá várias audiências é falho e é um sinal de que o governo não quer discutir com a sociedade. Não quer debater sequer com os segmentos dos trabalhadores das empresas públicas”, sentenciou.
Como prefeito de Santa Maria, Valdeci compreendeu de perto o papel e a importância do Banrisul e da Corsan, pois os pequenos municípios da região só tem água, graças à Corsan. “Quando for privatizada é para ter lucro e as empresas não vão assumir os pequenos municípios. Ninguém vai comprar uma empresa falida ou que não dá lucro. O governo coloca muitas vezes que é um governo do diálogo, mas na única oportunidade, o governo quer retirar o plebiscito, pois sabe que a opinião pública não é favorável à entrega dos serviços públicos para a iniciativa privada”.
Na contramão
Para a deputada Sofia Cavedon, a participação de quase 400 pessoas na audiência desta quarta demonstra a importância do tema. “Temos que fazer chegar a todos os deputados que estão se prestando ao saque ao patrimônio gaúcho que a população está mobilizando”, defendeu.
Sofia lembrou que o exemplo de Tocantins, em que a privatização aconteceu em 1998 e em 2003 o Estado precisou criar uma autarquia para atender os pequenos municípios precisa ser levado em consideração. “Nossa mobilização tem que continuar. Já fizeram isso com a CEEE. Só a nossa luta e denúncias podem interromper esse processo nefasto”.
Pepe Vargas disse esperar que os deputados não permitam que o governador descumpra a palavra empenhada na campanha. Lembrou que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou, dias atrás, um parecer sem a realização de audiência pública e nesta quinta-feira (15) também será votado parecer favorável à PEC na Comissão de Finanças sem a realização de audiências pública.
“E quando fazemos audiência como essa, o governo não participa. Na live promovida pela Famurs, ficou evidente a falta de argumentos do governo que vai na contramão a tudo o que se faz no mundo. Qual é o governo que abre mão da segurança de seus dados. Já pensou os dados da segurança pública custodiadas pela iniciativa privada?”, ponderou.
Pepe comentou ainda que no mundo inteiro, o movimento é no sentido contrário, de estatizar empresas de setores estratégicos. “É um verdadeiro absurdo. O governador deveria estar olhando o que a Inglaterra está fazendo, que é a criação de um banco público. O governador Leite vai na contramão, pois quer mostrar para o mercado que tem pretensões eleitorais”.
Participantes são contra aprovação da PEC
O presidente da Famurs, Maneco Hassen, manifestou a surpresa dos prefeitos em relação ao anúncio do governador Eduardo Leite de que pretende vender a Corsan. "Nos parece que há inúmeras outras prioridades neste momento para serem debatidas", explicou, falando das consequências da pandemia. Lembrou que cabe aos Municípios oferecer os serviços de água e esgoto à população e não ao estado e que a Corsan é uma mera prestadora de serviços a quem os municípios contratam para o fornecimentos dos serviços.
Também demonstrou preocupação com a questão da subsídio cruzado. "Quem nos garante que os municípios grandes não sairão do contrato com a nova empresa e farão seu processo de privatização individual?", questionou. Falou que a Corsan tem muitos problemas, especialmente na gestão, mas que os prefeitos querem que ela se mantenha pública e que a melhoria na gestão da empresa fará com que ela tenha mais lucratividade e faça mais investimentos. Por fim, pediu aos deputados e ao governo que o debate sobre a PEC seja sustado até que o Executivo apresente aos prefeitos a proposta detalhada sobre a venda, o que fornecerá as informações necessárias para a discussão.
O presidente do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região, Luciano Fetzner, classificou como negativa à população e também ao estado a eventual aprovação da PEC pela Assembleia Legislativa. Disse ser absurdo o tema estar sendo tratado no momento em que o combate à pandemia do coronavírus deveria estar no centro dos debates. Ele defendeu que, se o governo quer privatizar as estatais, ele deve fazer a consulta plebiscitária para ouvir a população e pediu que os deputados não permitam a aprovação da PEC.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto do Estado do Rio Grande do Sul (Sindiágua), Arilson Wünsch, explicou que a Corsan está presente em 317 municípios, mas atua em todos os 497 municípios gaúchos. Lembrou que ao privatizar ou abrir o capital da empresa, a Corsan deixará de ser beneficiada com isenção tributária dos impostos federais. Ainda ponderou que o subsídio cruzado (municípios maiores subsidiam os menores) e a tarifa social, que hoje beneficia 45 mil famílias no RS com descontos de até 60% na tarifa dos serviços, provavelmente devem acabar caso a empresa seja vendida.
O procurador de Justiça e ex-deputado Vieira da Cunha, um dos proponentes da PEC que inclui a obrigatoriedade do plebiscito para a venda das estatais na Constituição do Estado, justificou a inclusão do dispositivo após a experiência amarga de privatizações no governo Brito. "Mesmo com as vendas, não se resolveram os problemas do estado", salientou. Para ele, não há argumentos que sustentem os planos do governo a não ser a questão ideológica. "Não permitam esse retrocesso", apelou aos parlamentares.
A secretária-geral do Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados do RS, Vera Guasso, explicou que a Procergs é responsável pelas informações da população gaúcha e da gestão do Estado. "Um governo que não tem uma empresa pública de TI para gerenciar essa informações está fadada ao fracasso". Ainda informou que o governo quer fechar seis regionais da companhia e também comprar um sistema em nuvem para armazenamento de dados, o que é caríssimo, ao passo que a Procergs tem como fazer esse armazenamento.
* Com informações da Agência de notícias da ALRS
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Edição: Marcelo Ferreira