Apesar de suspensos por liminar concedida pela ministra Rosa Weber do Supremo Tribunal Federal, os decretos sobre a liberação da aquisição, uso e porte de armas do presidente Jair Bolsonaro já vêm surtindo efeitos em quem mais interessa. Centenas de novos CACs (colecionadores, atiradores e caçadores) foram registrados no último ano, o número de armas em circulação no país praticamente dobrou e os lucros da Tauras Armas S/A aumentaram 156%.
Quem define, de acordo com as novas normas e portarias, se uma pessoa pode comprar uma arma e mantê-la em casa ou usá-la? Algum laudo psicológico? O Exército? A Policia Federal? Nenhuma das alternativas anteriores. Atualmente apenas um atestado de habilidade expedido por um Clube de Atiradores permite que um de seus sócios porte até duas armas, compre seis mil munições por ano e possua até 60 armas de fogo.
Fica claro que esta legislação está sendo utilizada para a formação de milícias particulares por latifundiários ou por alguns militares de pijama para a manutenção de privilégios ou negócios ilícitos. E, num futuro nem tão distante, para a garantia do poder politico a estas pessoas de extrema direita. Além de pertencer a um desses clubes de “atiradores” ou “caçadores” quem mais pode comprar estes armamentos? Ora quem tem muito dinheiro.
Os preços de uma pistola de pressão para tiro ao alvo, com esferas de metal nas Casas Bahia é em torno de R$ 680,00. Já se for arma de fogo, as mais baratas custam R$ 3.500,00 e vão até R$ 16.000,00 as mais sofisticadas (de um a 15 salários mínimos). Já os fuzis T4 da Taurus, os mais baratos do mercado variam entre R$ 10.000,00 e R$ 14.000,00. Pela Internet pode-se comprar um deles por R$ 14.000,00 à vista ou em 12 vezes, neste caso o preço vai pra R$ 16.000,00.
Somente a Taurus – praticamente detém o monopólio da indústria de armas no Brasil – tinha pedidos de dois mil fuzis a espera dos decretos que entram em vigor nesta terça (13), apesar dos vetos da ministra Rosa Weber. Em empresas analistas de mercado, as ações da Taurus Armas S/A/ deram um pulo neste trimestre de 158%, e o valor da empresa subiu de R$ 482,9 milhões em dezembro de 2019 para R$ 2.148,8 milhões anunciados dia 19 de março.
Precisamos perguntar quanto a Taurus colocou na campanha do atual presidente. Conforme o Congresso em Foco, na campanha de 2014 doou para quatro partidos quase metade dos cerca de R$ 2 milhões doados pela indústria de armas. Onix Lorenzoni (DEM), um dos principais articuladores da campanha Bolsonaro, foi um dos beneficiados.
Em entrevista ao órgão, o cientista político Marcelo Fragano, que tem um estudo sobre o tema, afirma que Bolsonaro nem precisou receber. “O (deputado Jair) Bolsonaro, por exemplo, nem precisa receber doação de campanha, porque ele faz (a defesa de interesses da indústria das armas) por ideologia.”
É importante lembrar que o Exército Brasileiro tem cerca de 300 mil homens, na sua maioria recrutas com menos de um ano de treinamento. Já as Polícias Militares no país contam com mais de 350 mil homens treinados e com experiência em atividade. Destes muitos integram as milícias apoiadoras do capitão. Por isso fica bem claro quem pretende se armar no país.
Em 2015 fui cobrir as eleições no Haiti e descobri um fenômeno que pode se repetir por aqui. Aquele país do Caribe, com pouco mais de 14 milhões de habitantes não tem Exército. Foi desarticulado em 2004 pelo presidente Jean Baptiste Aristides, que foi deposto pelos norte-americanos com denúncias de corrupção. Pois bem. O Haiti tem uma polícia com 10 mil homens e 4 mil empresas de segurança privada, organizadas por ex-oficiais do Exército, fortemente armadas que totalizam mais de 40 mil agentes.
Nas eleições de 2015, apenas 10% dos eleitores compareceram as urnas e elegeram o candidato favorito do governo dos Estados Unidos. As pessoas não compareciam as urnas porque eram ameaçadas diretamente pelos milicianos que poderiam morrer na fila de votação. Muitas lideranças me confessaram esta situação, além da condução fraudulenta do processo que resultou na eleição do atual presidente Jovenel Moise que não quer deixar o poder apesar de todas as mobilizações populares.
Sei que a comparação com o Brasil pode parecer exagerada. Mas também entendo que o Haiti pode ter sido utilizado como forma de testar estratégias de manipulação de poder para depois aplicá-las em toda a América Latina. Felizmente a população daquela ilha tem uma tradição de resistência e continua apesar de tudo resistindo à dominação, embora amedrontada pela força das armas de milicianos.
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Edição: Katia Marko